Opinião
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20 de agosto de 2021
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07:02

Memórias da Resistência: Caso Eduardo Leite, ‘Bacuri’ (por Ubiratan de Souza)

Guerrilheiro da luta armada contra a ditadura militar, mais conhecido pelo codinome “Bacuri” (Memórias da Ditadura/Reprodução)
Guerrilheiro da luta armada contra a ditadura militar, mais conhecido pelo codinome “Bacuri” (Memórias da Ditadura/Reprodução)

Ubiratan de Souza

O golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, que depôs o Governo democrático e popular do Presidente João Goulart (Jango), teve a participação ativa dos militares, das elites conservadoras do país e da embaixada dos Estados Unidos, implantando uma ditadura que perseguiu, torturou, desapareceu e assassinou centenas de brasileiros (1964 – 1985).

No ano de 1968, em plena ditadura, os jovens estudantes, trabalhadores, artistas, intelectuais tomaram as ruas do Brasil com grandes manifestações populares, lutando por democracia, liberdade, defesa da educação pública, contra a censura e defesa da cultura, greves por reivindicações salariais. A ditadura perde a batalha das ruas e decreta o Ato Institucional nº 5 (AI – 5), que é o golpe dentro do golpe, em 13 de dezembro de 1968, fechando o Congresso Nacional, assembleias legislativas, câmaras de vereadores por tempo indeterminado, fim do Habeas Corpus, proibição de reuniões e manifestações, subordinação do judiciário ao executivo, censura a imprensa e institucionaliza a tortura. Foi neste contexto, que milhares de jovens, trabalhadores, setores populares e democráticos, da geração e das lutas de 1968, tiveram como ato de legitima defesa iniciar a luta política clandestina e a luta armada contra a ditadura militar.

Participei do movimento de resistência contra a ditadura militar, fazendo parte da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, atuando no Rio Grande do Sul e São Paulo, na guerrilha do Vale da Ribeira, juntamente com o Capitão Carlos Lamarca. Em 3 de outubro de 1970, em São Paulo, fui preso pela Operação Bandeirantes (OBAN) e levado ao DOI/CODI, onde sofri um violento processo de tortura (choque elétrico, cadeira do dragão e pau de arara). Depois, fui transferido para o DEOPS – SP e lá fui testemunha de um processo inusitado de assassinato, articulado pelos órgãos de repressão política da ditadura militar com a cooperação da mídia (jornais de São Paulo), do companheiro Eduardo Leite (Bacuri), que tinha uma participação destacada na luta de resistência contra a ditadura.

Os jornais de SP, no dia 26/10/1970, noticiaram a fuga do companheiro Eduardo Leite – “Bacuri”. No entanto, ele continuava preso no DEOPS  – SP em uma cela solitária, que ficava nos fundos das demais celas, que por isso era chamada de “Fundão”. Ele tinha sido brutalmente torturado e não tinha nem condições de caminhar. Soubemos da notícia por um carcereiro que nos passou um exemplar do jornal noticiando a “fuga” do companheiro Bacuri. A falsa notícia, publicada nos jornais, era uma sentença de morte decretada pela ditadura com a cumplicidade da elite civil brasileira.

Jornais de SP noticiaram morte de Bacuri como se ele tivesse morrido em combate (Reprodução).

Naquele dia, ficamos de plantão o dia todo para proteger o “Bacuri”. Por volta da meia noite, dois policiais retiraram Bacuri do “Fundão” e todos nós, presos políticos nas celas do DEOPS-SP, fizemos uma manifestação de protesto e solidariedade ao companheiro, batendo com talheres nas grades das celas. “Bacuri” foi se despedindo, tocando nossas mãos e nós gritando “assassinos” para os policiais. Soubemos depois que “Bacuri” foi levado para um sítio clandestino de tortura utilizado pelo famigerado delegado Fleuri. No dia 7/12/1970, ocorre o sequestro do embaixador suíço por um comando guerrilheiro da VPR, liderado pelo Capitão Carlos Lamarca. Bacuri estava na lista dos 70 prisioneiros políticos que seriam trocados pelo embaixador. Mas, no dia 8/12/1970 os jornais anunciaram a morte do companheiro Eduardo Leite “Bacuri” como se tivesse morrido em combate.  Assim agia a ditadura militar e seus órgãos de repressão política com torturas, mentiras e assassinatos e com o apoio da elite conservadora do país.

Tive a honra de conhecer o jovem lutador Eduardo Leite (Bacuri) na clandestinidade. Grande companheiro, sempre muito alegre e corajoso, combatente de primeira linha na luta contra a ditadura, herói do povo brasileiro na luta por democracia e por uma nova sociedade mais justa e solidária.

(*) Economista e ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) na luta contra a ditadura militar.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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