Opinião
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13 de julho de 2021
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09:13

Coluna da APPOA: Psicanálise e o espírito do nosso tempo

Como resistir, através do que temos de mais precioso – a potência da palavra. Foto: Pixabay
Como resistir, através do que temos de mais precioso – a potência da palavra. Foto: Pixabay

Associação Psicanalítica de Porto Alegre e Instituto APPOA(*)

Psicanálise e o espírito do nosso tempo – com esse título, no congresso comemorativo aos seus trinta anos, em 2019, a APPOA se lançou a um desafio: precisar, nas incidências subjetivas, os efeitos do laço social. A questão faz-se importante por vários motivos, dos quais destacamos dois: o primeiro é relativo ao que delimitaria o que chamamos de espírito, pois quais significantes poderiam representar ou interpretar um determinado momento? O segundo motivo, desdobramento do primeiro, diz respeito ao nosso tempo – o tempo é nosso? Em qual tempo estávamos pensando?

Pois bem, não seria muito equivocado tentar responder o primeiro motivo: o vírus do fascismo que, cada vez mais, se anunciava e se presentificava nas relações foi tomando conta das discussões. Talvez não a mesma cepa do fascismo do início do século XX, que, por seus efeitos, marcou gerações, com vestígios ainda presentes na cultura. A cepa do vírus atual também não passará incólume, pois seu caráter destrutivo não difere muito do anterior. A roupagem pode se apresentar com variações, mas não está sendo menos nefasta. Atualmente com acento na segregação, na eliminação das diferenças, com ênfase no negacionismo, no sucateamento do Estado. Acrescente-se aí a disseminação do discurso cínico que vem, há bastante tempo, ganhando corpo no laço social.

Embora tenham sido feitos esforços para minimizar as incidências funestas do fascismo com a aplicação de algumas doses de vacinas ao longo do tempo, vez por outra, infelizmente, ele continuava a dar sinais de vida, como um vírus que desperta sob determinadas condições. E aí está ele, tentando dominar os discursos, procurando sistematizar a lógica da totalidade. Do ponto de vista clínico, podemos sentir um dos seus golpes mais certeiros, a confiança nas relações sendo minada. 

Todas essas questões discutidas ao longo do congresso nos ajudaram a pensar também em como resistir, através do que temos de mais precioso – a potência da palavra. Eis que, paralelamente ao nosso encontro, em novembro de 2019, já estava se propagando pelo mundo uma outra onda, um vírus tão contagioso e destrutivo como o do fascismo. Aturdidos, somos lançados no cenário de uma pandemia que se instala entre nós. Para todos. Centenas de milhares de mortos espalham-se pelo mundo, numa tal velocidade de destruição nunca vista. 

Esse vírus extremamente agressivo, de fácil transmissão, mortífero, levava cidades a lockdown – termo que, com o avanço da pandemia, seria reconhecido em qualquer lugar do planeta. Do fechamento de cidades, estendeu-se o fechamento de fronteiras dos países pela rapidez do contágio em todos os continentes. A peste, lembrando o livro de Albert Camus, ganhava nome – COVID-19. Explodia sobre o mundo, passando a ser um organizador que incidiria inexoravelmente sobre a vida das pessoas, tanto de forma singular como social, no âmbito da saúde, da economia, da sociabilidade, entre outros tantos aspectos que ainda tentamos dar conta. O que se impõe é o real, tal como Lacan o conceituou, e que nessa circunstância é exemplar para tangenciar o que está em jogo: algo que irrompe, incidindo sobre o sujeito e a cultura, produzindo diferentes formas de respostas e a busca por simbolizações, com o imaginário em franca atividade.

Frente a esse momento tão difícil e de muitas incertezas, a Associação Psicanalítica de Porto Alegre – APPOA e o Instituto APPOA, a partir de seus associados, mantiveram vivos os espaços de interlocução através de plataforma on-line, sustentando o trabalho nas comissões, as reuniões entre seus membros, assim como a Clínica APPOA. Cientes de se tratar de momento singular e do qual ainda teremos de extrair as consequências, reafirmamos, na continuidade do trabalho, a importância de estarmos atentos às questões que o momento impõe. Diante desse cenário, perseveramos na aposta no desejo como elemento subversivo frente à pulsão de morte. 

(*) Recorte do editorial da Revista da APPOA n.54/55, Psicanálise e o espírito do nosso tempo. Disponível para venda através do e-mail [email protected]

Site: https://appoa.org.br/revista

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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