Opinião
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2 de julho de 2021
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08:41

A Carris e o sistema de transportes de Porto Alegre (por Mauri Cruz)

Foto: Maia Rubim/Sul21
Foto: Maia Rubim/Sul21

Mauri Cruz (*)

Desvendado o mistério. O Governo do Prefeito Sebastião Melo pretende privatizar a Companhia Carris apenas para aliviar as despesas dos cofres da Prefeitura e não para melhorar a qualidade dos serviços de transportes. Pelo menos essa é a conclusão possível da apresentação feita pela Secretária de Parcerias Estratégicas, Ana Pellini na Audiência Pública realizada, nesta quinta-feira, na Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa.  Presidida pelo Dep. Edegar Pretto (PT) e coordenada pela Dep. Sofia Cavedon (PT), nesta audiência foram apresentadas várias lâminas, mas em nenhuma havia menção a melhoria da qualidade dos serviços, a redução do custo tarifário ou mesmo a repercussão da privatização no equilíbrio econômico do todo sistema. A questão parece bem cristalina: o governo não sabe quais os reais problemas do Sistema de Transportes de Porto Alegre, está às cegas e dependente dos dados e informações da própria ATP.

De nossa parte, como membros do GT Técnico da Frente Ampla em Defesa da Carris e do Transporte de Qualidade temos outra visão. A crise não é da Carris, mas de todo sistema. Esta crise tem três causas bem visíveis. A primeira, de financiamento. E esta atinge não só o sistema de Porto Alegre, mas de todo o Brasil. Promover transporte coletivo como serviço público de qualidade financiado somente pela tarifa paga pelo usuário é inviável. Ainda pior porque, quem paga a tarifa, paga para si e para quase 30% de usuários que gozam de isenções total ou parcial.

A segunda causa é exclusiva de Porto Alegre. A licitação realizada em 2015 congelou um sistema ineficiente e já em crise. Não houve qualquer preocupação com as mudanças tecnológicas que estavam ocorrendo em nossas cidades. Por isso, os novos contratos não previram medidas como, a utilização de outros tipo e tamanho de veículos, a permissão para implementação de linhas alternativas, a flexibilização da política tarifária ou mesmo a integração multimodal, importantes mecanismos para atrair usuários e competir com os modais privados, em especial, os aplicativos. Numa concepção mais adequada de sistema público de transportes, as concessionárias deveriam ter maior flexibilidade para atender as necessidades das comunidades e serem remuneradas por esta qualidade e não apenas pelo custo de um serviço que se sabe, é ineficiente.

É preciso que o Governo do Prefeito Sebastião Melo se dê conta que o sistema de transporte licitado não avançou na busca de alternativas de financiamento, mantendo a tarifa como única fonte de recursos e que, sequer enfrentou o debate das isenções tarifárias que poderiam, ou melhor, deveriam, terem sido assumidas pelo orçamento municipal. Da mesma forma, não flexibilizou as alternativas operacionais e engessou um sistema ineficiente. Essa situação é insustentável e, em qualquer cenário, será necessário o investimento de recursos públicos para manter o sistema de transportes funcionando. E aí nos perguntamos: se haverá repasse de recursos do orçamento municipal, tem sentido privatizar a Carris?

A terceira causa decorre da EPTC não ter assumiu a gestão da Câmara de Compensação Tarifária (CCT), mesmo com as determinações legais da Lei 8.133/1997, do Edital de Concessões de 2015 e da Lei Complementar 808/2018 que, ao conceder a isenções de ISSQN para as empresas concessionárias condicionou a efetivação desta transferência. Sem controle da Câmara de Compensação Tarifária (CCT) a Prefeitura não tem os mecanismos necessários para promover a qualificação dos serviços, remunerar de forma adequada as empresas e, principalmente, garantir que a Carris seja tratada com isonomia.

Essa falta de isonomia é sim, a questão crucial para entender a crise da empresa pública. Os dados demonstram que a Carris possui um sistema de transportes mais produtivo e de melhor qualidade do que das empresas privadas. Vale dizer que o custo do quilômetro rodado da Carris é quase R$ 1,00 mais caro do que os praticados pelos consórcios. No entanto, por sua produtividade, a empresa pública tem um índice de passageiros por quilômetro (IPK) maior do que o setor privado o que resulta em uma tarifa interna menor, entorno de R$ 4,27 (quatro reais com vinte e sete centavos). Isto significa que, sem a Carris a tarifa de Porto Alegre seria mais cara do que a atual. Pior, o edital de licitação congelou o percentual da Carris em 22% do sistema independente da empresa assumir novas linhas e serviços. Esta situação gera enormes prejuízos para a empresa que, mesmo atendendo a comunidade, não tem a remuneração decorrente destes serviços.

O fato novo e ao qual devemos comemorar é que, nesta audiência pública, tanto o Secretário de Mobilidade, Luiz Fernando Zachia, como a Secretária Ana Pellini e o Presidente da Carris, Mauricio Cunha se demonstraram abertos a discutir com a Frente Ampla em Defesa da Carris e do Transporte de Qualidade estas e outras propostas. Quem sabe, deste diálogo, nasçam as alternativas que a cidade tanto precisa.

(*) Advogado socioambiental, professor de direito a cidade em mobilidade urbana, Diretor Executivo do Instituto IDhES, membro do Conselho Diretor do Camp e da Diretoria Executiva da Abong, sócio da Usideias Consultorias.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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