Opinião
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7 de julho de 2018
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22:55

O idiota do David Coimbra (por Fernando Nicolazzi)

Por
Sul 21
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O idiota do David Coimbra (por Fernando Nicolazzi)
O idiota do David Coimbra (por Fernando Nicolazzi)
“Desde 2015 sabemos muito bem o estrago que um monte de gente vestindo camisa amarela da CBF é capaz de fazer em uma sociedade”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Fernando Nicolazzi (*)

David Coimbra, notório funcionário da RBS, tem verdadeira obsessão por imbecilidade e por idiotice. Persegue-as com raro afinco e dedicação. É de se admirar como ambas aparecem constantemente em suas produções. Não são poucas as vezes em que, nos textos que costuma cometer na Zero Hora para fazer valer sua remuneração, refere-se a alguém ou a um conjunto de pessoas como imbecis ou idiotas. Há alguns anos, chegou a chamar Nelson Mandela de imbecil. Sim, David Coimbra, o funcionário da RBS, definiu Mandela de imbecil (a soberba desse tipo de gente também é algo admirável).

Não há dúvidas, porém, que a idiotice aparece com muito mais constância do que a imbecilidade nos artigos coimbranos. Idiota no singular ou idiotas pluralizados são personagens frequentes ali. O intuito deste texto é fazer um breve estudo sobre algumas colunas de David Coimbra, tão breve quanto permite o limite da insalubridade intelectual, mapeando a idiotice que nelas aparece. Em outras palavras, meu objetivo é escrever de forma neutra, objetiva e imparcial, sobre o idiota do David Coimbra.

O idiota do David Coimbra, em primeiro lugar, é o porto-alegrense, que ele chama de fundamentalista, pois por aqui se vive atormentado pela “ideologia” (ver o artigo “Por que em Curitiba?”, na ZH de 22/04/2018). Na sua perspectiva, o que distingue o morador da capital gaúcha dos cariocas ou paulistanos é sua “estúpida nobreza de sentimentos”, que se contrapõe ao pragmatismo suave dos segundos e à tolerância dos primeiros. Para o colunista, Porto Alegre estaria emperrada por culpa do porto-alegrense, aquele que que se opõe a tudo. Nas suas palavras, “o sujeito não é um idiota, mas age como um idiota porque acha que é o certo a fazer. O que, em geral, o transforma em um idiota”.

O idiota do David Coimbra, neste caso, serve para se fazer uma exaltação da “elite cultural” da “República de Curitiba”, parecida com a porto-alegrense, mas desprovida do que chama de “tacanhice ideológica”. O curitibano, portanto, é o modelo ideal do autor. Vive com a qualidade de vida que compartilha com São Paulo, mas sem as obscenidades dos ricos de lá, e com certo cosmopolitismo como o carioca, ainda que sem a “doce parceria na contravenção” existente no Rio de Janeiro. E no amplo leque dos curitibanos disponíveis, a idiotice lhe serve para destacar uma categoria em particular: os “jovens sérios, honestos, modestos e trabalhadores” que formam uma “nova casta de funcionários públicos”, ligados tanto ao poder judiciário como ao ministério público federal e ocupados com as investigações da Lava-Jato.

O idiota do David Coimbra, portanto, parece ser o antípoda desses heróis curitibanos “que querem o bem do Brasil” e atuam encastelados, ou melhor, encastados (já que se trata certamente de uma casta), no TRF4 da capital paranaense. Ao contrário da justiça “barroca, lenta, de origem lusitana” do STF, a justiça curitibana assume um “modelo anglo-saxão” que é ao mesmo tempo prático e direto e que, nas significativas palavras do autor, “não se deixa burlar por pormenores regimentais”. Obviamente que, nessa mesma linha de raciocínio, “pormenores” dos regimentos, das leis, da constituição podem ser burlados, desde que por essa gente bonita, cheirosa e bem vestida da elite cultural curitibana. A ela tudo é permitido e aceitável.

O idiota de David Coimbra assume ainda outras feições. Em uma delas, Nelson Rodrigues é convocado para tratar da idiotia (ver o artigo “Os jovens idiotas”, na ZH de 16/05/2018). A escolha não é aleatória, pois não me parece forçoso considerar que muitos desses colunistas conservadores de hoje, sobretudo os que também se arriscam a falar de futebol, gostariam de ao menos chegar perto do gabarito do autor de O óbvio ululante e À sombra das chuteiras imortais. Falta-lhes, porém, duas ou três coisinhas fundamentais: imaginação argumentativa, talento poético e fina ironia. No lugar disso tudo, restou apenas ausência de ideias, atropelo estilístico e cinismo mal resolvido. De todo modo, convenhamos, nem mesmo Nelson Rodrigues estava sempre em seus melhores dias… a diferença é que ele, ao menos, tinha alguns melhores dias. Mas voltemos ao tema escolhido, o idiota do David Coimbra.

O idiota do David Coimbra, como eu falava sobre o texto em que uma entrevista de Nelson Rodrigues à Revista Veja foi mencionada, é aquele esquerdista brasileiro que não superou ainda o maio de 1968 francês. Para o autor, muitos destes “comandaram e comandam o Brasil” e se vivo estivesse, certamente Rodrigues estaria fazendo uma das coisas que mais gostava, criticando-os com doses de humor e crueldade. Na ausência do cronista, restou suas sobras. E dessas sobras, não há muito o que esperar quando alguém termina seu texto sobre coisa nenhuma com o seguinte lamento: “pobre Brasil, entregue a tantos velhos jovens idiotas”. E temos a exata dimensão dessa pobreza acompanhando algumas salas de redações país afora.

O idiota do David Coimbra, portanto, é um personagem ao mesmo tempo real e imaginado. É também, um personagem pluralizado, espécie de singular-coletivo. No mais recente texto que o colunista cometeu, o brasileiro ocupa o papel do idiota plural, pois se inserem nele todos os brasileiros e brasileiras quase indiscriminadamente (ver o artigo “O brasileiro perfeito idiota”, na ZH de 06/07/2018). Coimbra comenta um episódio ocorrido na noite anterior à desclassificação da seleção brasileira na copa do mundo. Estava ele jantando em um restaurante em Kazan, na Rússia, quando um grupo de conterrâneos chegou no local e resolveu ligar uma caixa de som no máximo do volume, mostrando toda sua verve torcedora para a população russa e estrangeira que ali estava.

O idiota do David Coimbra aprecia a efusividade patriótica e acha que todo o restante do planeta deve apreciar e se submeter a ela. Desde 2015 sabemos muito bem o estrago que um monte de gente vestindo camisa amarela da CBF é capaz de fazer em uma sociedade. Neste caso, não há como discordar: a idiotice é insuportável. Todavia, e como de costume, na falta de argumento, Coimbra parte para um comentário infeliz que, na tentativa da ironia, apenas se afundou em cinismo. Na sua visão, essa idiotia é “o que melhor sai das universidades brasileiras. O crème de la crème da raça. Futuros líderes, futuros governantes. O futuro do país. Nada além de rematados idiotas. Se é desta juventude que dependemos, nem mil Lava-Jatos salvam o Brasil.”

O idiota do David Coimbra, como se vê, sempre se liga de uma ou outra forma à Lava-Jato, pelo bem ou para o mal. Mas gostaria de destacar a visão pejorativa do autor em relação às universidades. Obviamente, não são poucos os idiotas com diploma universitário e nem mesmo a faculdade de jornalismo da PUC/RS está livre diplomá-los. Por outro lado, quem acompanha de perto a realidade universitária nacional, vai notar que, apesar das dificuldades e de alguns vícios inerentes, estamos diante de uma realidade bastante plural e diversificada, sobretudo no que se refere às instituições públicas. É nelas que a maior parte das pesquisas científicas encontra abrigo em nosso país; é nelas que vemos indígenas, negros, pobres, pessoas trans ingressando e obtendo os primeiros títulos acadêmicos de gerações; e nelas que filhos e filhas das classes mais desfavorecidas e excluídas encontram um sentido de vida e uma possibilidade de futuro. E elas assim se tornaram em função das profundas transformações ocorridas há cerca de 10 anos e que o governo de 2016, com ampla participação daquela elite jurídica curitibana exaltada por Coimbra, tenta agora reverter.

O idiota do David Coimbra, enfim, deve ainda se manifestar em muitos outros textos. Desconfio que, lendo com atenção, em todos conseguiríamos encontrar neles ao menos um idiota. No entanto, como expus mais acima, este é apenas um breve estudo que, por questões de saúde intelectual, não avança para além do recomendável. Não há como ler mais do que três artigos de David Coimbra em sequência sob o risco de, ao final da leitura e além daquele idiota sempre presente nos textos do autor, outro idiota logo aparecer.

(*) Professor do Departamento de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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