Saúde
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9 de fevereiro de 2024
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16:45

Avanço da dengue em Porto Alegre é inédito e exige que a população ‘faça seu papel’

Por
Luciano Velleda
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Atualmente, autoridades sanitárias distinguem as infecções basicamente entre dengue e dengue grave. Foto: Fiocruz Imagens
Atualmente, autoridades sanitárias distinguem as infecções basicamente entre dengue e dengue grave. Foto: Fiocruz Imagens

No Brasil, no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, a situação crítica dos casos de dengue já é recorde antes mesmo de se chegar na metade de fevereiro. A Capital contabiliza 51 casos de dengue, sendo 31 contraídos na cidade (casos autóctones), 13 importados (infecção fora da cidade) e sete sem local de infecção determinado. O total de casos suspeitos notificados à Equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis chega a 911 neste começo de ano – no mesmo período em 2023, foram 95 notificações e cinco casos confirmados. Ou seja, 2024 já tem cerca de 10 vezes mais casos de dengue em Porto Alegre.

Os casos estão distribuídos em 29 bairros da Capital: Auxiliadora, Azenha, Bela Vista, Bom Fim, Centro Histórico, Cristal, Guarujá, Higienópolis, Hípica, Jardim Lindoia, Lami, Lomba do Pinheiro, Mário Quintana, Morro Santana, Medianeira, Parque Santa Fé, Partenon, Passo da Areia, Petrópolis, Ponta Grossa, Restinga, Rubem Berta, São João, São José, Santa Tereza, Sarandi, Tristeza, Vila Ipiranga e Vila Nova.

Dos casos confirmados, a maior proporção (27,4%) está na faixa etária dos 41 a 50 anos de idade e 51% dos pacientes são do sexo masculino. Os principais sintomas relatados pelos doentes foram febre (84,3%), dor no corpo (80,3%) e dor de cabeça (76,4%).

Os dados constam no boletim epidemiológico publicado nesta quinta-feira (8) pela Diretoria de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). A publicação apresenta informações cumulativas até a semana epidemiológica 5 de 2024 (com dados de 31 de dezembro de 2023 a 3 de fevereiro de 2024).

O Boletim Epidemiológico é uma publicação prevista no Plano de Contingência da Dengue, Zika e Chikungunya da Secretaria Municipal de Saúde, com periodicidade quinzenal quando acionado o Nível 2 de Resposta do Plano – que significa infestação vetorial alta somada à ocorrência de casos acima do limite superior esperado para o momento, que é exatamente o quadro atual em Porto Alegre.

Em relação à infestação vetorial, a semana epidemiológica 5 registrou índice crítico, com alta infestação em 42 dos 46 bairros da Capital monitorados com armadilhas. A situação é crítica nos bairros Mário Quintana, Passo das Pedras, Jardim Leopoldina, Vila Ipiranga, Jardim Sabará, Bom Jesus, Petrópolis, Auxiliadora, Azenha, Teresópolis, Santa Tereza, Sarandi, Santa Rosa de Lima, Rubem Berta, Costa e Silva, Chácara das Pedras, Vila Jardim, Jardim Carvalho, Santana, Vila Nova, Partenon, Higienópolis, Menino Deus, Nonoai, Cavalhada, Glória, Tristeza, Jardim Itu, Passo da Areia, Santo Antônio, Cidade Baixa, Três Figueiras, Jardim Botânico, Jardim Europa, Jardim Lindóia, Bela Vista, Aparício Borges, Camaquã, Boa Vista, São Sebastião, Vila João Pessoa e Vila São José.

A inédita quantidade de casos em 2024 pode estar relacionada a fenômenos climáticos como o El Niño, com muito calor e chuvas intensas que afetaram o Rio Grande do Sul nos últimos meses. A Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a alertar, em 2023, sobre o impacto das mudança climáticas em doenças causadas por mosquitos como vetores, como é o caso da dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti – que também transmite zika e chikungunya.

Evelise Tarouco, diretora da Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde, lembra que a dengue é uma doença muito comum nos países das Américas, com o mosquito transmissor bem adaptado aos ambientes urbanos e com alta capacidade de proliferação.

Ela destaca que 2023 já foi um ano diferente em relação ao histórico da doença na capital gaúcha. Até então, a transmissão costumava acabar quando chegava o frio do outono e do inverno. No ano passado, isso não aconteceu e a Capital registrou novos casos ao longo do ano inteiro.

“A gente já estava prevendo que esse início de ano seria difícil porque não conseguimos cessar a transmissão. Foi uma coisa inédita porque antes chegava o frio e cessava os casos”, conta. A diretora da Vigilância em Saúde da Capital estima que o pico de transmissão da dengue ocorrerá em março e abril.

Marcelo Vallandro, diretor-adjunto do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), enfatiza que todo o RS requer atenção neste momento. “A maior incidência tem acontecido na Região Norte e Missioneira, mas a Metropolitana também já tem altos índices. De forma geral, todas as regiões têm apresentado casos. Por isso, é importante ter atenção, neste momento, a cada uma delas.”

Dos 497 municípios gaúchos, 466 (93,8%) enfrentam infestação do mosquito Aedes aegypti. Até o momento, houve 6.126 notificações de casos suspeitos da doença. Desse total, 2.915 foram confirmados e 1.909 seguem em investigação, tendo sido descartados 1.302. Foram registradas três mortes por dengue no RS – a terceira, nesta sexta-feira (9). Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), nas primeiras cinco semanas de 2024, o RS teve 17 vezes mais casos notificados e confirmados do que no mesmo período de 2023.

Outros estados do Brasil também estão sofrendo com a doença. Em 2024, o País já registrou mais de 392 mil casos e 55 mortes, segundo o Ministério da Saúde. Até o momento, as unidades da federação com maior número de casos são Minas Gerais (135.716), São Paulo (61.873), Distrito Federal (48.657), Paraná (44.200) e Rio de Janeiro (28.327).

Nesta sexta-feira (9), a secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, afirmou em coletiva que o Brasil deverá ter mais de 4 milhões de casos de dengue em 2024. “Nunca chegamos a esse número. Estamos nos preparando desde o ano passado”, disse.

Agentes de saúde realizam mutirão contra a dengue no bairro Partenon. Fotos: Pedro Piegas / PMPA

Por sua vez, a diretora da Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Porto Alegre avalia ser preciso melhorar a comunicação com a população para enfrentar o problema. Ela acredita que os moradores da cidade ainda pensam que a dengue é uma doença de outros estados do País, considerando que o número de casos da Capital historicamente sempre foi bem inferior.

“A gente ainda tem dificuldade porque a população não entende que a dengue não é mais uma doença do Rio de Janeiro, do Nordeste ou do Centro-Oeste. Acho que a população ainda não sabe sobre a gravidade da doença. A dengue hoje existe em Porto Alegre”, afirma, de modo enfático.

Evelise explica que a dengue é uma doença com quatro sorotipos e que cada um produz imunidade para futuras contaminações, de modo que uma pessoa pode pegar até quatro tipos de dengue durante a vida. Pelo histórico da doença na capital gaúcha ser baixo em comparação com outros estados brasileiros, a população exposta e vulnerável é muito grande.

“Nossa população é praticamente toda vulnerável porque não tinha essa doença aqui. E as pessoas ainda não sabem disso. Temos a necessidade de comunicar isso para a população”, defende, acrescentando que os principais criadouros do mosquito estão dentro das casas. “Tem o papel do poder público e tem o papel de cada cidadão. O agente público não está dentro da casa das pessoas…”, pondera, ressaltando a dificuldade que os agentes de saúde costumam enfrentar para poder entrar nas casas e fazer vistoria de possíveis focos do mosquito.

Diante do cenário atual de alto risco, as autoridades de saúde alertam que a população deve tomar medidas de prevenção à proliferação e à circulação do Aedes aegypti, limpando e revisando áreas internas e externas das residências e apartamentos. O uso de repelente também é recomendado para maior proteção individual.

Para ajudar a eliminar os criadouros, é necessária uma ação semanal nos locais que podem acumular água. O ciclo de vida do mosquito, do ovo até a fase adulta, leva de sete a dez dias. Então, se a verificação for realizada uma vez por semana, é possível interromper o ciclo e evitar o nascimento de novos mosquitos.

É importante que todos façamos a nossa parte. O mosquito se reproduz em criadouros, desde reservatórios pequenos (como vasinhos de plantas e tampinhas de garrafa) até caixas d’água, calhas e piscinas não tratadas. Assim, é preciso realizar o cuidado semanal de eliminação, tirar a água daquele local ou tampar os reservatórios”, frisa Marcelo Vallandro, diretor-adjunto do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.

Além do combate ao mosquito, os órgãos de saúde destacam a importância da população estar alerta para o aparecimento dos sintomas e buscar o atendimento de saúde quando necessário. Crianças e idosos requerem atenção especial. “Às vezes, os mais vulneráveis passam despercebidamente pela doença e não se dão conta. Aí, quando chegam à unidade de saúde, já estão com o quadro mais agravado”, explica Vallandro.

A ministra da saúde, Nísia Trindade (de branco, no mieo), acompanhou o começo da vacinação contra a dengue em Brasília nesta sexta (9). Foto: Walterson Rosa

O Ministério da Saúde iniciou, nesta quinta-feira (8), a distribuição das vacinas contra a dengue para os municípios que atendem aos critérios definidos pela Pasta em conjunto com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). O Rio Grande do Sul está fora da lista dos estados contemplados.

O Ministério iniciará a imunização pelas crianças de 10 a 11 anos e pretende avançar a faixa etária progressivamente, conforme novos lotes forem entregues pelo laboratório fabricante. O público-alvo da vacinação são as crianças de 10 a 14 anos.

Segundo a pasta do governo federal, o início da vacinação por essa faixa etária é uma estratégia que permite que mais municípios recebam as doses neste primeiro momento, diante do quantitativo limitado de vacinas disponibilizadas pelo laboratório fabricante. A escolha pelo início da imunização nas crianças de 10 a 11 anos também é baseada no maior índice de hospitalização por dengue dentro da faixa etária de 10 a 14 anos.

O lote inicial de vacinas, com 712 mil doses, será enviado para 315 municípios do Distrito Federal, Goiás, Bahia, Acre, Paraíba, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Amazonas, São Paulo e Maranhão. O Distrito Federal e o estado de Goiás já receberam as primeiras remessas nesta quinta (8), enquanto os demais irão receber ao longo dos próximos dias.

Neste primeiro envio, com o quantitativo de vacinas disponível, o Ministério da Saúde atende 60% dos 521 municípios selecionados. Conforme a entrega de novas remessas, a previsão é que todos os 521 municípios recebam doses para a vacinação da faixa etária de 10 a 11 anos até a primeira quinzena de março. A expectativa é que as 6,5 milhões de doses disponíveis pelo laboratório em 2024, garantam a vacinação de todo o público-alvo, nos municípios selecionados, ao longo dos próximos meses.

Embora reconheça a importância da vacinação, Evelise Tarouco, diretora da Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde de Porto Alegre, avalia que o início da imunização não deve alterar significativamente o quadro de contaminação no Brasil em 2024. Isso porque a imunização será em duas doses, com a segunda sendo aplicada três meses após a primeira dose.

“O cenário não deve ser alterado ainda esse ano. O impacto para a vacina fazer o papel dela ainda vai levar uns dois ou três anos”, explica. Por esse entendimento, ainda que lamente o fato de Porto Alegre e do RS não estarem contemplados no início da campanha da vacinação, ela acredita que o quadro não se alteraria na Capital mesmo se houvesse o imunizante.

“A vacina é muito importante, mas não podemos nos restringir a ela. Tem muita ação que vamos seguir tendo que fazer”, reconheça Evelise, reforçando o pedido para que a população faça a sua parte no enfrentamento da crise de saúde.

Cuidados básicos

  •  Vedar totalmente caixas d’água;
  •  limpar calhas, retirando folhas e sujeira, para evitar acúmulo de água;
  •  limpar ralos e aplicar tela para evitar a formação de criadouros;
  •  limpar bandejas de ar-condicionado ou descartá-las;
  •  vedar totalmente galões, tonéis, poços, latões e tambores, inclusive aqueles usados para água de consumo humano;
  •  esticar lonas para evitar acúmulo de água;
  •  tratar piscinas e fontes com produtos químicos específicos;
  •  guardar, em locais cobertos, objetos como pneus;
  •  armazenar garrafas vazias com a boca para baixo;
  •  virar baldes com a boca para baixo;
  •  tampar vasos sanitários fora de uso ou de uso eventual, renovando a água semanalmente;
  •  esvaziar os pratos dos vasos de plantas ou preenchê-los com areia;
  •  esvaziar a água acumulada na bandeja da geladeira;
  •  esvaziar a água acumulada semanalmente de algumas plantas, como espada-de-são-jorge e bromélias (que podem acumular água entre as folhas)

Principais sintomas

  •  Febre alta (39°C a 40°C), com duração de dois a sete dias;
  •  dor retroorbital (atrás dos olhos);
  •  dor de cabeça;
  •  dor no corpo;
  •  dor nas articulações;
  •  mal-estar geral;
  •  náusea;
  •  vômito;
  •  diarreia;
  •  manchas vermelhas na pele, com ou sem coceira.

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