Política
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3 de janeiro de 2023
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06:53

Jean Wyllys: ‘Quero voltar e vou voltar. A minha voz existe e vai existir se eu não tiver um cargo’

Jean Wyllys:
Jean Wyllys: "Eu quero voltar e vou voltar agora" (Foto: Miquel Muñoz)

Gabriela Martins Dias, de Barcelona (*)

Com a exposição de arte “Desexílio”, o ex-deputado Jean Wyllys entra em processo de despedida de Barcelona, cidade em que mora desde 2021 devido ao seu curso de doutorado, e começa a ver mais próximo um retorno ao Brasil. As obras de sua autoria estão expostas no La Virreina Centre de la Imatge, que fica na famosa Rambla, até 15 de janeiro. Entre as peças visuais estão críticas ao cenário político brasileiro, representações de ícones do país e memórias pessoais do Jean.

Os visitantes podem encontrar, por exemplo, uma arte de 2021 intitulada “A Procissão dos Homicidas”, que representa homens vestindo camisetas nas cores verde e amarelo segurando um caixão, assim como uma obra de 2022 com o nome de “Elza Redentora”, que retrata a cantora Elza Soares de braços abertos, como a estátua do Cristo Redentor, em cima de um morro que acolhe uma favela. Outra arte, a que Jean Wyllys considera mais especial, é um desenho de 2021 chamado “Útero”, em que ele recriou, utilizando sua memória, a casa da avó materna, onde a família também morou e da qual não tem registros fotográficos.

Ele conta que desenhava por lazer desde criança, mas passou a levar a arte mais a sério depois do começo da pandemia de Covid-19, quando estava exilado nos Estados Unidos, sofrendo com um frio de -17ºC. Diante do medo de morrer e de perder seus familiares, que estavam longe, a arte se tornou parte da sua rotina, uma forma de conter as crises de ansiedade. Ele entende que, inconscientemente, buscava um lugar de conforto e proteção no seu dia a dia, pois esse hábito remetia à sua infância, quando rabiscava com palitos de fósforo perto de sua mãe.

Jean Wyllys explica que nunca produziu seus desenhos com a intenção de expor. Ele publicava as artes nas próprias redes sociais, e o reconhecimento surgiu de maneira espontânea. Heloiza Barbosa, produtora do podcast Faxina, foi uma das primeiras a levar as obras para outros meios, em 2020, quando ilustrou um episódio com uma gravura do ex-deputado. No ano seguinte, os artistas Kleber Pagú e Fernanda Bueno convidaram Jean a criar uma ilustração para ser grafitada no Minhocão, em São Paulo. Na Espanha, já em 2022, ele recebeu a proposta de expor uma coleção de obras pela primeira vez, também conduzindo uma oficina de arte com os jovens locais, na cidade de Granollers, que fica a aproximadamente 30 km de Barcelona. E, agora, chegou ao La Virreina Centre de La Imatge, instituição que é referência em arte contemporânea, no centro da capital catalã.

Para Jean, a importância da exposição Desexílio vai muito além da estética, considerando que ela ocupa um espaço cultural europeu de grande visibilidade com um olhar latino-americano. “É uma entrada pela porta da frente no debate público europeu; então eu, que já tinha uma inserção como ativista intelectual na cena política, amplio essa inserção para a cena artística em Barcelona, que é uma cena cultural importante em toda a Europa.”

Jean Wyllys está vivendo atualmente em Barcelona, mas quer retornar ao Brasil (Foto: Miquel Muñoz)

Um estudo involuntariamente etnográfico

Jean Wyllys se dedica à vida acadêmica desde que deixou o Brasil, em 2019, e é mantido por uma bolsa financiada pela Open Society. Depois de ter atuado nos Estados Unidos como professor convidado da Universidade de Harvard, ele começou seu doutorado na Espanha, na Universidade de Barcelona. O tema da tese, que pretende defender no próximo mês de março, são os sistemas de desinformação presentes nas redes sociais. A grande motivação dessa escolha foi ter sido vítima das fake news: “tenho uma experiência etnográfica involuntária”, afirma. O ex-deputado já foi acusado, por exemplo, de considerar a pedofilia  “uma prática normal” e de dirigir um filme em que Jesus e seus discípulos seriam retratados como homossexuais.

Jean conta que as fake news que envolviam a sua figura costumavam estar relacionadas, direta ou indiretamente, à sua orientação sexual. E, na sua concepção, isso garantiu maior potência às mensagens, “porque a gente vive em uma sociedade homofóbica, e o Brasil é especialmente um país homofóbico”, acrescenta. Ele entende que as redes de desinformação que divulgaram mentiras sobre a sua pessoa não tinham como objetivo um ataque individual, mas aos grupos que ele pertence, sendo um homem gay e periférico, assim como às agendas de liberdades individuais e direitos humanos que ele defende.

No estudo, Jean analisou o discurso de peças comunicacionais falsas que envolviam seu nome, com aspecto de notícia, que foram publicadas entre 2016 e 2018, e dedicou um capítulo inteiro à palavra da vítima. “Eu sei descrever como é acordar e ver centenas de milhares de perfis em todas as redes sociais lhe insultando e lhe ameaçando por uma coisa que você nunca fez, nem faria”. Ele afirma que as redes sociais favorecem a criação de bolhas de desinformação, devido ao direcionamento de conteúdo feito pelos algoritmos a determinados grupos, criando uma “subjetividade de seita”. Jean explica, ainda, que a extrema direita identificou esse funcionamento primeiro e usou a seu favor.

As redes de desinformação mudaram a vida do ex-deputado, mas ele entende que também transformaram a sociedade brasileira. “As fake news alteram a percepção das pessoas, os bolsonaristas não veem o mundo como a gente vê”, constata. Ele comenta que os acampamentos em que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro defendem, com convicção, que as urnas eletrônicas foram adulteradas são um exemplo atual de dano ao país. Para Jean, as mídias sociais são um caminho sem volta e, cada vez mais, as pessoas vão estar expostas a fluxos permanentes de informação, aumentando o risco de desinformação. 

Pensando em evitar que as redes de desinformação provoquem mais estragos ao Brasil, Jean Wyllys defende a alfabetização digital desde a infância, como parte da educação básica, além da instituição de uma lei de regulamentação dos meios de comunicação, incluindo as plataformas digitais. Ele também considera importante estabelecer a cultura de confiar no Judiciário para responsabilizar os agressores e nos meios jornalísticos de referência para produzir informações apuradas com técnica. O ex-deputado e futuro doutor afirma que já usou seu conhecimento para ajudar a construir o programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual é filiado desde 2021, trabalhando no combate à desinformação com o envolvimento de diferentes ministérios, da Educação à Cultura, de forma transversal.

Apenas um rapaz latino-americano

Depois de vencer o Big Brother Brasil 5, trabalhar como repórter televisivo e atuar como Deputado Federal por dois mandatos, entre tantas outras atividades como figura pública, fazia tempo que Jean Wyllys não se sentia anônimo. Ele afirma estar aproveitando o fato de poder ter uma vida privada, sentar-se em bares e passar despercebido, além de poder se relacionar sem ter medo de escândalos que possam danificar a sua carreira. “Aqui eu pude me reencontrar comigo mesmo”, desabafa. 

“Eu vivia em cárcere privado, sem nunca ter cometido um crime”. (Foto: Miquel Muñoz)

Apesar de sentir muita falta da família, especialmente da sua mãe, o mesmo não aconteceu com a carreira pública e com os bens materiais que deixou para trás. “Eu aprendi nessa história a ser leve, inclusive, literalmente”, conta o ex-deputado. Afinal, o seu maior apego sempre foi à vida, que já não sentia ser completa no Brasil quando começou a sofrer ameaças de morte. “Eu vivia em cárcere privado, sem nunca ter cometido um crime, eu era escoltado por quatro homens porque as pessoas comuns poderiam me matar”, relembra.

Exilar-se foi uma opção pela paz de existir, trabalhar e ser livre. Em Barcelona, Jean Wyllys finalmente sentiu que podia andar na rua sem medo. Ele conta que sofreu ataques nos Estados Unidos e em Lisboa, mas nunca na Espanha. De qualquer forma, prefere ter cautela, devido ao histórico de insultos e violências pelos quais já passou. Quando celebra a brasilidade no exterior, prefere estar com amigos conterrâneos de longa data, não frequentando espaços com muitos desconhecidos para não ficar vulnerável a ataques. “No meu caso não é uma paranoia, é a realidade; há loucos, fascistas e fanáticos por toda a parte.”

Jean Wyllys acredita que a Europa pode ser rica em experiências, mas lembra que o continente também tem problemas estruturais. Ao viver na Espanha, o ex-deputado passou a integrar uma nova minoria social, a dos imigrantes, o que lhe possibilitou entender outras nuances de xenofobia e racismo velados. Ele conta que teve seu documento de identidade, o Número de Identidade de Estrangeiro (NIE), negado temporariamente devido à insuficiência de saldo na sua conta bancária, sendo impossibilitado de sair do país por um período. Além disso, que precisou passar por uma checagem extraordinária de documentos em um trem para a França devido aos seus atributos físicos, sendo entendido como de etnia árabe. Por toda a desvalorização e a opressão que sofre o imigrante, o ex-deputado considera importante ocupar espaços europeus com ideias e vozes do sul global, como aconteceu com a sua exposição Desexílio e com outros trabalhos que a acompanham. 

“Eu quero e vou voltar”

Jean Wyllys queria ter participado da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que aconteceu no dia 1º de janeiro, principalmente após ter apoiado a campanha presidencial do PT. Otimista, o ex-deputado entende o fim do governo Bolsonaro como “um avanço civilizatório”, porque, segundo ele, as instituições do país vão poder voltar a funcionar. Jean, no entanto, explica que ainda não se sente seguro para pisar no Brasil. Ele deve esperar alguns meses, sem pressa, mas garante vai retornar assim que sentir que há condições materiais: “eu fiz tanto pelo governo Lula, porque eu quero voltar e vou voltar agora; o novo governo vai criar condições mínimas para eu voltar”.

O ex-deputado considera o retorno viável quando houver proteção garantida pelo Estado, a ele ou a quem passar por ataques similares aos que ele sofre. Ele entende que isso acontecerá por meio da investigação dos ofensores e de medidas cautelares. Além disso, Jean acredita que o cenário será diferente com a mudança na direção da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério Público e do Procurador Geral da República. E ele também lembra que o reconhecimento das agressões pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelas autoridades do Legislativo, que recentemente também sofreram por situações parecidas, colaboram para esse cenário.

O petista destaca que não recebeu nenhum convite ou proposta para a ocupação de cargos públicos. No governo eleito, ele gostaria de trabalhar com “um tipo de inteligência estratégica, que pensasse a interseccionalidade das questões”, mas ainda é apenas um desejo pessoal, que não chegou a ser discutido com a sigla. De qualquer maneira, Jean Wyllys afirma que vai continuar engajado com suas agendas, lutando pela transformação da realidade social, seja como acadêmico, seja como artista. E ele lembra: “a minha voz não depende de cargo”.

(*) Gabriela Martins Dias é jornalista


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