Meio Ambiente
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11 de junho de 2023
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08:22

Eco Revolução: moeda social leva educação ambiental e geração de renda à Zona Norte

Por
Luís Gomes
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Cooperativa Anitas, que atua na Zona Norte  de Porto Alegre, criou moeda social para ajudar na educação ambiental e na geração de renda | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Cooperativa Anitas, que atua na Zona Norte de Porto Alegre, criou moeda social para ajudar na educação ambiental e na geração de renda | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Na última quarta-feira (7), representantes da Cooperativa Anitas, unidade de triagem de materiais recicláveis do bairro Floresta, e da empresa Apoena Socioambiental estiveram na Escola Estadual de Ensino Fundamental Oswaldo Vergara, no bairro Farrapos, para uma ação de educação ambiental. Na atividade, além de receberem uma cartilha e participarem de uma brincadeira sobre a destinação correta de resíduos, cerca de 100 crianças do 1º ao 6º ano descobriram uma iniciativa com a qual podem contribuir com o meio ambiente e, ao mesmo tempo, garantir um passeio no final do ano.

Fundada em 2013 como uma cooperativa só de mulheres — hoje formada por 20 pessoas, incluindo 8 homens –, a Cooperativas Anitas trabalha na reciclagem de materiais entregues por caminhões da coleta seletiva de Porto Alegre, realizada pela Cootravipa. Presidente da Anitas, Marinês dos Santos explica que os materiais recebidos deixam claro que a população não recebe educação ambiental adequada na Capital. “Chegam na reciclagem muitos resíduos misturados”, diz.

Com o apoio da Apoena, empresa que presta consultoria e treinamento em estratégias de sustentabilidade, incluindo para diversas unidades de triagem da Capital, a Anitas começou então a pesquisar ideais de ações que pudessem contribuir para resolução desse problema e encontrou uma moeda social que estava sendo implementada no interior do Estado, a Eco Pila, criada pela Associação Comercial e Industrial dos municípios de Montenegro e Pareci Novo. Em março de 2020, fizeram contato com um dos responsáveis pela Eco Pila, João Batista Dias, presidente da ACI. Prontamente, Dias aceitou visitar a cooperativa Anitas e o convite para auxiliar no estabelecimento de um projeto semelhante em Porto Alegre. Surgia assim uma nova moeda social em Porto Alegre, a Eco Revolução.

 

Moeda social Eco Revolução trabalha com quatro valores | Foto: Divulgação

Moedas sociais são alternativas a moedas oficiais, como o real, que têm o objetivo de serem usadas em transações econômicas com fins determinados e no âmbito de comunidades específicas. No caso da Eco Pila, replicado pela Eco Revolução, materiais recicláveis podem ser trocados por quatro valores: 10, 5, 1 e meia Eco Pila ou Eco Revolução, que equivalem, respectivamente, a R$ 10, R$ 5, R$ 1 e R$ 0,50.

Quatro tipos de resíduos podem ser trocados pela moeda: plásticos (garrafas pet e variados), latas de alumínio, papelão e papeis variados (caixas de Tetra Pak, caixas de remédios, revistas, jornais, etc.). Outros tipos de resíduos são aceitos pela cooperativas, mas não são trocados pela moeda social.

Pela cotação atual, 1 kg de garrafas pet pode ser trocado por 2 Eco Revoluções. Já um 1 kg de latinhas de metal vale mais, pode ser trocado por 3,50 Eco Revoluções. Um quilo de embalagens de leite vale 0,20 Eco Revoluções e 1 kg de papéis é trocado por 0,60 Eco Revoluções. Estes recursos podem então ser usados em comércios parceiros, que posteriormente as trocam por reais junto à cooperativa. Para ter garantia de não falsificação, a moeda é impressa em gráfica especializada.

“A Eco Revolução é uma troca, para as pessoas terem interesse de fazer a separação correta dos resíduos. As pessoas fazendo a separação correta e entrando em contato, nós vamos até a residência, levamos a balança, pesamos e trocamos pela moeda”, explica Marinês. “Fechou o prazo de 30 dias, a gente vai até o parceiro, vemos quanto eles têm em caixa e fazemos a troca da Eco Revolução pelo valor em reais”.

 

Presidente da Anitas, Marinês dos Santos é uma das idealizadoras do projeto | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Atualmente, a Eco Revolução pode ser usada em dois mercados da região, Big Box (Humaitá) e Progresso (Farrapos). “A gente teve uma certa dificuldade nessa questão de comércios que venham a aderir porque a gente precisa de comércios que aceitem valores menores. O nosso valor maior de moeda é de 10 reais, 10 Eco Revoluções, então não tem uma grande geração de renda para o comércio em si, mas para mercados é tranquilo”, diz Ana, que estima que circulem cerca de R$ 500 por mês em trocas da Eco Revolução nos dois mercados.

A presidente da Anitas pontua que a ideia da moeda social tem o objetivo de ser um incentivo à educação ambiental, não apenas para adultos, mas também para crianças. “As crianças se agradam muito vendo a nossa moeda pelo desenho e pelo formato. A pessoa também pode guardar a moeda”, diz. Além disso, funciona como um crédito, permitindo que a cooperativa faça as trocas sem precisar ter o dinheiro em mãos a todo momento.

Ana Carolina Dutra da Silva, coordenadora do projeto pela Apoena Sociambiental, explica que uma das motivações para a criação do projeto foi o fato de que as unidades de triagem já estavam sofrendo com a falta de resíduos. “Eles não estavam conseguindo, às vezes, fechar uma semana de trabalho, porque não tinha resíduo suficiente para reciclar ou o resíduo vinha de péssima qualidade, então pouco elas conseguiam aproveitar o que chegava”, diz.

 

Quatro tipos de materiais recicláveis podem ser trocados pela Eco Revolução | Foto: Joana Berwanger/Sul21

A expectativa é de que a troca pela moeda possa incentivar as pessoas a descartarem seus resíduos da maneira correta e ensiná-las que, quando misturados a outros materiais, mesmo materiais recicláveis podem não ser aproveitados. Com isso, promover a ideia de que resíduo e lixo são coisas diferentes, pois o primeiro tem valor comercial e pode ser reaproveitado.

O projeto começou com ações na rua nos bairros Humaitá, Navegantes e Farrapos, vizinhos da cooperativa. A equipe da cooperativa e da Apoena iam para uma praça em um sábado, por exemplo, anunciavam nas redes sociais e, no local, faziam a troca do material reciclável pela moeda. Além disso, a cooperativa montou um esquema em que as pessoas do bairro poderiam ligar para que os resíduos fossem recolhidos.

“A gente atende só esses três bairros por conta da facilidade de logística e para que as pessoas criem uma relação com os catadores, uma relação de valorização do trabalho deles e para que conheçam a cooperativa”, diz Ana. “A ideia é que a pessoa separe uma certa quantidade. Assim como a cooperativa vende esse material por quilo para a indústria, ela compra dos moradores, o que é uma relação de compra e venda”,  complementa.

 

Projeto tem parceria com duas escolas da Zona Norte de Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Com a retomada das aulas após a pandemia, a Anitas conseguiu cumprir aquilo que era um dos objetivos iniciais do projeto e fechou uma parceria com duas escolas da região, a Osvaldo Vergara e a Escola Municipal de Ensino Fundamental Vereador Antônio Giudice, no bairro Humaitá. Na última quarta-feira, Marinês e Ana participaram da ação com as crianças da Vergara, em que entregaram uma cartilha com o mote “Pensar Global, Agir local”, que ensina as crianças sobre a importância da separação adequada de materiais recicláveis e também explica um pouco sobre o funcionamento da Eco Revolução.

Além disso, participaram de uma iniciativa que teve o objetivo de ensinar, por meio de uma brincadeira, as crianças a identificarem a forma correta de descartar os resíduos. Marinês e Ana mostravam um tipo de material reciclável e pediam para que alguns alunos colocassem dentro da lixeira correta.

Marinês explica que o trabalho com as duas escolas já tem um resultado bastante positivo. Em uma delas, no mês passado, foram recolhidos 900 kg de materiais limpos e triados. O montante ainda é pequeno quando comparado às 70 toneladas que a cooperativa recebe mensalmente da coleta seletiva, mas, por já estar separado, facilita o trabalho da cooperativa.

“Para nós é muito importante, porque recebemos os materiais da coleta seletiva e ali vem muita comida e muito rejeito. Além das catadoras perderem o seu tempo tirando o que não é aproveitável e do rejeito impactando ambientalmente, porque vai para o lixão de Minas do Leão. O sistema que a gente quer é menos rejeito e mais qualidade de material. Não é um ganho só para a cooperativa, todos nós saímos ganhando”, afirma Marinês.

 

Cartilha entregue para as crianças ensina a importância da separação de resíduos | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Oswaldo Vergara, Anemarie Rucker avalia que a Eco Revolução funciona como uma “concretização” do aprendizado, servindo como estímulo para as crianças trazerem o material reciclável e ganharem um benefício em troca. No caso da Oswaldo Vergara, a ideia é que, no final do ano, a soma de Eco Revolução de uma turma seja trocada por um benefício para os alunos desta turma, que poderia ser um piquenique ou um passeio — a moeda não fica para o aluno.

“Até começarem a cognitivar a importância de que quanto menos matéria-prima nós tirarmos do meio ambiente e quanto mais a gente reciclar o material, mais nós vamos contribuir. Mas, nesse primeiro momento, a moeda vem como um incentivo”, diz.

A escola destinou um espaço para depositar o material reciclável. Diariamente, as professoras vão incentivar os alunos. “Então, todos os dias, têm um ou outro aluno que vem com uma sacolinha. O que mais tem vindo são embalagens plásticas, caixinhas de leite, latinhas, e destinamos tudo para o depósito. Quando tiver um número bem razoável, a gente chama a cooperativa, eles pesam e fazem a troca”.

Anemarie pontua, contudo, que o foco da adesão da escola ao projeto é a educação ambiental. “Nosso maior interesse é que as crianças sejam multiplicadoras, porque a questão da reciclagem é cultural e andamos a pequenos passos ainda. Então, se nós pudermos multiplicar isso com a aprendizagem dos nossos alunos dentro da escola, que eles levem para suas famílias, isso é o nosso objetivo maior”, diz.

Além disso, a diretora explica que a instituição, vizinha da Arena do Grêmio, no bairro Farrapos, está inserida em uma comunidade em que muitos dos alunos são oriundos de famílias de baixa renda, o que inclui trabalhadores da catação.

“A gente aderiu a esse projeto com bastante satisfação porque muda um pouco o perfil dos pais dos alunos que são catadores. Muitos têm vergonha, mas como as meninas do projeto falaram, é um trabalho muito importante, são agentes dessa transformação”, diz.

Na atividade de quarta, várias crianças levantaram a mão quando perguntadas quem conhecia pessoas que trabalhavam na reciclagem, o que é um sinal de que o trabalho também é um fator que contribui, de fato, para a autoestima das crianças.

Marinês diz que a ideia é expandir o projeto para outras regiões de Porto Alegre e permitir que a Anitas também seja um agente empreendedor na área.

Interessados em contribuir com o projeto ou em firmar parcerias, podem contatar a cooperativa e Marinês pelo número (51) 98580-0871 e pelo e-mail: [email protected].

 

Ação permitiu que crianças aprendessem “brincando” a forma correta de descartar resíduos | Foto: Joana Berwanger/Sul21

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