Meio Ambiente
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31 de março de 2023
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14:53

Câmara ‘passa a boiada’ e aprova MP que fragiliza Mata Atlântica e proteção de vegetação nativa

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Sul 21
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Lei da Mata Atlântica tem regras mais protetivas para a área do bioma. Foto: Adriano Gambarini/WWF
Lei da Mata Atlântica tem regras mais protetivas para a área do bioma. Foto: Adriano Gambarini/WWF

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (30), o que ambientalistas estão chamando de uma “versão piorada” da Medida Provisória 1150, editada ainda pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), que trata do Programa de Regularização Ambiental (PRA). O programa é um dos passos para que proprietários de imóveis rurais possam se adequar à Lei de Proteção à Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012). Na prática, o PRA é a adesão e a formalização de um compromisso em restaurar ou compensar a vegetação nativa desmatada para além dos limites permitidos pela lei.

A questão se arrasta desde 2012, quando a Lei de Proteção à Vegetação Nativa foi aprovada (também chamada de Código Florestal). Essa foi a sexta vez que a adesão ao PRA é adiada. O texto original concedia prazo de um ano, contado da implantação do programa de regularização. A nova redação aprovada na Câmara permite que o proprietário ou possuidor do imóvel rural tenha 180 dias para aderir ao PRA a partir da convocação pelo órgão competente estadual ou distrital.

Críticos da “versão piorada” alegam que, com o prazo contando somente a partir da convocação, o texto abre brechas para que nunca seja cumprido de fato. Após a aprovação na Câmara, a matéria será analisada no Senado.

“O texto aprovado afeta o Código Florestal e fere a Lei da Mata Atlântica, nosso bioma mais ameaçado. Em relação ao Código, adia mais uma vez o prazo de adesão dos proprietários de terras ao Cadastro Ambiental Rural para fazer restauração. E ainda adiciona um entrave: estabelece que, para se iniciar esse processo, todos os cadastros precisam ser analisados e validados. Não há qualquer tipo de benefício para que os proprietários possam seguir voluntariamente. Mais uma vez, desmoraliza a lei ao travá-la”, explica Raul do Valle, diretor de Justiça Ambiental do World Wire Fund for Nature (WWF) Brasil.

Depois de uma década de aprovação, a Lei de Proteção à Vegetação Nativa ainda caminha a passos lentos. Dos quase 7 milhões de imóveis registrados, apenas 45 mil foram validados – menos de 1% dos imóveis cadastrados. A atual legislação perdoou 41 milhões de hectares desmatados ilegalmente, mas 21 milhões ainda precisam ser recuperados. Agora, a MP 1150 deixa em aberto o prazo para iniciar essa recuperação. O Brasil tem mais de 16 milhões de hectares de vegetação nativa de Reserva Legal e mais de 3 milhões de hectares de Áreas de Proteção Permanente (APPs) que precisam ser recuperados.

A MP 1150 aprovada na Câmara também incluiu uma série de jabutis que afetam diretamente a Lei da Mata Atlântica, o bioma mais desmatado do país. O texto afrouxa a proteção das áreas de vegetação primária, que nunca foram desmatadas ou que estão em recuperação há muitos anos.

E vai além: o texto aprovado incentiva a expansão urbana sobre a área de preservação permanente e altera a lei de Unidades de Conservação. Facilitar a expansão urbana em áreas de margens de rios significa avançar em trechos de maior risco em caso de eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes com o aumento da temperatura global.

“A Câmara dos deputados acaba de aprovar o maior jabuti da história em uma medida provisória. Sob o pretexto de ampliar o prazo do Cadastro Ambiental Rural e do PRA, esfacelou com a lei da Mata Atlântica, adicionando uma emenda de plenário a meu ver inconstitucional. Na prática, essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera. Favorece e amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do clima, da água e da biodiversidade. O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade neste momento de emergência climática. Vamos pedir que o presidente Lula vete a MP em defesa da Mata Atlântica”, disse Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.

Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental, afirma que a Câmara se voltou contra a população brasileira e o meio ambiente para beneficiar alguns poucos interesses empresariais. “A redação aprovada está cheia de contrabandos legislativos, com diversos retrocessos, sem relação com o tema original da medida provisória. Ao fazer isso, além de incorrer em inconstitucionalidade formal, o texto propõe verdadeiro desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para as unidades de conservação e, inclusive, para áreas de risco no entorno de rios.”

O diretor de Justiça Ambiental do WWF Brasil explica que o efeito prático do texto aprovado na Câmara é deixar de exigir com que o empreendedor (rodovias, linhas de transmissão etc.) analise se há vegetação primária antes da instalação da obra. Atualmente, quando isso acontece, ele tem de indicar uma rota alternativa, que não descaracterize aquela área.

“Isso, por si só, já seria um desastre. Mas há mais retrocesso: o texto incentiva a expansão urbana sobre a área de preservação permanente, ao retirar as poucas salvaguardas que existem na legislação, inclusive já fragilizadas no fim de 2021, quando o Congresso mexeu nesse mesmo dispositivo, ao permitir que qualquer rio pode ser ocupado se a legislação municipal permitir. Sabemos que órgãos municipais costumam ser muito mais suscetíveis à pressão dos empreendimentos imobiliários. Por fim, o texto altera a lei de Unidades de Conservação, tirando o poder do órgão regulador de definir as zonas de amortecimento no entorno de áreas que precisam ser protegidas”, critica Valle.


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