Meio Ambiente
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14 de fevereiro de 2023
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18:08

‘Quando a gente fala que tem ilha de plástico no oceano, ela nasce também aqui’

Por
Luís Gomes
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Resíduos descartados incorretamente acumulam-se no Rio Gravataí. Foto: Luiza Castro/Sul21
Resíduos descartados incorretamente acumulam-se no Rio Gravataí. Foto: Luiza Castro/Sul21

Por onde passava um rio, agora se vê apenas uma mancha de mais de 30 metros de garrafas, sacolas plásticas e diversos tipos de resíduos. A imagem do rio Gravataí coberto por lixo na altura de Cachoeirinha, município da Região Metropolitana de Porto Alegre, ganhou o Brasil na semana passada e trouxe mais uma vez ao debate o problema do descarte irregular de resíduos.

Autor original da denúncia, Leonardo Costa, membro da Associação de Preservação da Natureza do Vale do Gravataí, alerta que o problema do acúmulo de lixo no rio acontece o ano todo e que só veio à tona em razão da falta de chuvas, provocada pela grave estiagem que atinge o Rio Grande do Sul, ter reduzido o nível do rio.

“Nós, da associação, fazemos a fiscalização do rio e já vínhamos falando há bastante tempo sobre a necessidade de políticas públicas contra a estiagem, porque o rio está muito baixo. Um dos nossos membros se deparou com esse acúmulo de lixo por conta do baixo hídrico, que estava a menos de 1 metro. E é por isso que o lixo apareceu, senão ele teria ido todo para o Guaíba”, diz Leonardo.

Secretária de Sustentabilidade, Trabalho e Desenvolvimento Econômico de Cachoeirinha, Sueme Pompeo de Mattos, diz que, após tomar conhecimento do acúmulo de resíduos, a pasta criou um grupo técnico para análise da situação e para planejar a remoção do material. Ela destaca que, no momento, o resíduo está preso junto às macrófitas, vegetação aquática, e que o município já obteve a dispensa de outorga para a remoção do lixo, o que permite retirar essas plantas do local, o que facilita a remoção da mancha. Contudo, afirma que esse trabalho precisará ser feito por uma empresa especializada que ainda será contratada.

Na segunda-feira (13), foi realizada uma reunião para apresentação de valores das empresas especializadas na remoção de resíduos que foram consultadas e deram orçamento para o trabalho. Nesta terça, a prefeitura de Cachoeirinha informou que decidiu contratar a empresa FDM Engenharia, que é especializada na remoção e coleta de resíduos perigosos, para realizar os trabalhos. O custo da contratação será de R$ 1.320 milhão, oriundo do fundo de gestão compartilhada do saneamento básico com a Corsan. Nesta quarta (15), ocorre a assinatura do contrato.

“São custos que a gente vai ter que investir que poderíamos estar investindo em educação ambiental, na própria fiscalização e em mais ecopontos. Infelizmente, não tendo outra opção, vamos ter que investir para fazer essa retirada. Lembrando que esse fato é pontual. A gente está resolvendo uma situação pontual, mas isso, quando o rio está no seu normal, todos esses resíduos estão passando pelo rio”, afirma a secretária.

Rio Gravataí. Foto: Luiza Castro/Sul21

Sueme explica que, como medida de prevenção enquanto não ocorre a remoção, foi colocada na semana passada uma segunda boia de contenção próxima à mancha de lixo para evitar que, em caso de chuva, como a que começou a cair na tarde desta terça-feira (14), o material acumulado possa seguir na direção do Guaíba.

Além do grupo técnico, ela diz que foi montado um comitê de emergência com os demais municípios que compõem a Bacia do Rio Gravataí para atuar em conjunto e comunicar a eles os passos que estão sendo adotados para a remoção dos resíduos. A ideia é que o comitê, após a resolução do problema do lixo acumulado, possa continuar tratando da questão do descarte irregular. “Nós somos nove municípios que compõem a Bacia do Rio Gravataí e precisamos olhar para para todas as nossas ações em conjunto, ver os municípios que estão com ecopontos, promover mais a educação ambiental nas escolas, fomentar a fiscalização ambiental”, diz Sueme.

A secretária afirma que Cachoeirinha já tem adotado medidas de prevenção, mas que o município acaba recebendo resíduos gerados nas outras localidades que compõem a Bacia do Gravataí. Ela destaca, por exemplo, um projeto piloto de ecobarreira que faz a coleta de resíduos no Arroio dos Passinhos, que alimenta o Rio Gravataí, e que esse material é retirado semanalmente. Mas ela reconhece que é preciso intensificar o trabalho de prevenção.

“A gente, hoje, olha ali para o rio e vê muito material que poderia estar sendo reciclado, poderia estar gerando renda para famílias. Hoje, nós temos 100% da coleta seletiva em Cachoeirinha. Vamos intensificar a a divulgação disso, trabalhamos com panfletos, com folders, com divulgação nas páginas de redes sociais, mas a gente precisa intensificar mais isso. Infelizmente, isso é uma questão de consciência coletiva, de que a gente precisa tomar a propriedade do bem natural, da questão da sustentabilidade. A imagem causa indignação pra população, mas essa indignação tem que ser realmente uma indignação para que a gente possa melhorar a nossa própria consciência coletiva de sustentabilidade”, diz.

Procurada pela reportagem, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam), órgão de proteção ambiental vinculado ao governo do Estado, informou por meio de nota que foi contatada no início da semana passada pelas prefeituras de Cachoeirinha, Alvorada e Gravataí, e orientou que o resíduo deveria ser removido, podendo ser utilizado o Decreto 52.701/2015, que trata de desassoreamento de recursos hídricos para evitar cheias e outros problema, como forma de obter a autorização para a retirada.

A Fepam também destaca que forneceu uma barreira flutuante utilizada pela Divisão de Atendimento de Emergências no controle de derramamentos de substâncias oleosas em corpos hídricos, que foi instalada pela Defesa Civil de Cachoeirinha no rio Gravataí para ajudar na retenção dos resíduos.

 

Foto: Luiza Castro/Sul21

Na nota encaminhada à reportagem, a Fepam avalia que o acúmulo de lixo em rios é um problema crônico causado por descartes irregulares. “No caso atual do rio Gravataí, as condições climáticas de uma longa estiagem fizeram com que estes resíduos ficassem retidos no rio, não sendo arrastados para o Delta do Jacuí e Guaíba”, diz a nota.

Professor da UFRGS e especialista em recursos hídricos, saneamento e tratamento de esgotos, Gino Roberto Gehling explica que, nos períodos de baixa vazão do rio, como o atual causado pela estiagem, a velocidade de escoamento é baixa, então quase tudo que chega no arroio vai para o fundo” e não há força de arraste, o que leva ao acúmulo de resíduos no local. “Se há um aspecto positivo, é para despertar a nossa consciência para que a nossa preocupação não esteja focada em retirar aquele resíduo de lá agora, mas em impedir que ele chegue, praticando a separação e a destinação corretas”, diz. “Aquilo que sempre está presente, é notado”, complementa.

Uma matéria publicada pelo jornal Correio do Povo nesta segunda (13) apontou que o acúmulo de lixo aparente também foi notado nas margens do Guaíba nesta semana.

 

Nível baixo da água no Trecho 3 da Orla do Guaíba. Foto: Luiza Castro/Sul21

Ele avalia que a remoção dos resíduos é uma ação que pode ser considerada como “enxugar gelo”, mas destaca que é necessária. “É necessário retirar aquele resíduo dali, porque nós estamos num período longo de estiagem e, quando houver uma chuva intensa, aquilo que está visível fora da água vai ser carregado de uma só vez para o Guaíba”.

O professor Darci Barnech Campani, que é membro do Conselho Diretor Nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e foi coordenador da Coordenadoria de Gestão Ambiental da UFRGS, lembra que um problema semelhante de formação de uma mancha de lixo ocorreu no rio Gravataí entre 2004 e 2005. Contudo, pondera que se trata de um problema histórico e que não está restrito ao evento local.

“Não é um problema do Gravataí, mas algo que tu encontra em todo o planeta, mas que também existe aqui no Brasil especificamente, e que se chama educação ambiental. Como é que esse lixo chega ali? Esse é o problema, não é a Prefeitura retirar, não é o Estado retirar, é como é que ele chega”, diz. “No dia a dia, esse plástico está passando ali, só que a água leva embora para o Guaíba, depois leva embora para a Lagoa. E aí quando a gente fala que tem a ilha de plástico lá no Pacífico, e também depois já descobriram uma ilha de plástico no Atlântico, ela nasce aqui, não nasce lá no Pacífico. Ela nasce também aqui”.

O professor diz que uma parte do problema é o pensamento individual de que pequenas ações, como atirar o lixo para fora da janela do carro, não contribuem para alimentar o problema. “Aquilo ali, não imagina que a próxima água da chuva ou o vento vai levar até um lugar que ele fique parado. Onde é que ele vai ficar parado? Normalmente, na parte mais baixa do local onde ele está, que é um rio, um córrego, um arroio, algum recurso hídrico”, afirma.

Por outro lado, avalia que a comunicação ambiental não pode ser tratada pelos governos em ações pontuais, destacando que deveria ser promovida permanentemente. “Educação ambiental em resíduos sólidos tem que ter 24 horas por dia. 365 dias ao ano e todos os anos. Não pode ser uma campanhazinha. ‘Ah, agora nós vamos fazer campanha para a questão dos resíduos por dois anos’. ‘Ah, teve lá uma campanha e naquela época diminuiu a quantidade de resíduo na boca de lobo’. Não, educação ambiental tem que ser sempre, porque nós vivemos numa sociedade de consumo e a toda hora que a gente ligou a televisão tem uma mensagem de consumo. A sociedade nos empurra para o consumo, então tem que ter uma mensagem de que o consumo deve ser consciente”.

O professor Gino avalia que, do ponto de vista de prevenção, as barreiras de proteção, como a que existe no Arroio dos Passinhos, também podem contribuir para evitar o acúmulo de lixo nos rios, mas diz que elas são insuficientes diante do volume de lixo descartado de forma irregular. “Aqueles resíduos que estão lá são gerados por nós, é o resultado da coletividade. Para fazer com que os resíduos não fiquem ali no rio Gravataí ou nas margens do Guaíba, é preciso que cada um de nós pratique a separação correta dos resíduos e destiná-los ou para a coleta de orgânicos ou para a coleta dita seletiva”, diz.

Para a Fepam, uma das medidas que poderiam ser tomadas para evitar que uma nova mancha de lixo se forme no futuro seria tornar mais eficiente a coleta de lixo, especialmente nas periferias das cidades que estão localizadas nas partes mais altas das sub-bacias dos arroios que vão desaguar nos rios. Outra medida seria a disponibilização de ecopontos em locais estratégicos da cidade para coleta de diferentes tipos de resíduos e a colocação de barreiras móveis para retenção de resíduos nestes arroios, bem como a realização de campanhas de esclarecimento junto à população sobre os riscos devido ao descarte irregular dos resíduos.


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