Internacional
|
7 de novembro de 2023
|
13:51

Guerra em Gaza: ‘O Ocidente deu carta branca para Israel continuar matando’

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Foto: ONU/Divulgação
Foto: ONU/Divulgação

A guerra entre Israel e o Hamas completa um mês nesta terça-feira (7). No dia 7 de outubro, o grupo palestino que controla a Faixa de Gaza realizou um ataque surpreendente e de grande dimensão contra Israel, matando em torno de 1.400 pessoas, principalmente civis, segundo cálculos do governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Foi o maior ataque sofrido por Israel dentro do seu território.  

A resposta israelense tem sido brutal, com intensos bombardeios da Faixa de Gaza. Em um mês, já são cerca de 11.400 mortos, sendo 10 mil palestinos, conforme informado pelo Hamas, e as 1.400 vítimas israelenses do início do conflito. 

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, disse nesta segunda-feira (6) que violações claras do direito humanitário internacional estão sendo cometidas em Gaza. “Devemos agir agora para encontrar uma maneira de sair deste brutal, terrível e agonizante beco sem saída de destruição”, disse Guterres a jornalistas. “Gaza está se tornando um cemitério de crianças. Centenas de meninas e meninos são mortos ou feridos todos os dias.”

A frase de Guterres e as notícias da guerra no Oriente Médio são mais um capítulo de um conflito que se arrasta há 75 anos. Em 1948, a mesma ONU anunciou a criação de dois países lado a lado: Israel e Palestina. O contexto era o recente fim da Segunda Guerra Mundial, na qual a imagem dos milhões de judeus exterminados nos campos de concentração da Alemanha nazista simbolizou os horrores de uma guerra que matou mais de 70 milhões de pessoas.

Desde 1948, a criação do Estado de Israel se tornou realidade, enquanto o Estado da Palestina não – mais do que isso, os palestinos têm perdido território ocupado pelos israelenses ano após ano.

O atual capítulo desse longo conflito cala fundo no Rio Grande do Sul, estado que detém a maior comunidade palestina do Brasil, estimada em cerca de 30 mil pessoas, a maioria residente nas grandes cidades como Porto Alegre, região metropolitana da Capital, Santa Maria e Caxias do Sul.

Nascida na Palestina, Maysar Hassan, de 63 anos, veio para o Brasil com sua família em 1967, devido a Guerra dos Seis Dias – outro importante capítulo do conflito entre israelenses e palestinos. Morando em Porto Alegre, ela explica que a maioria da comunidade palestina no RS tem familiares e amigos na Cisjordânia e não na Faixa de Gaza. Diz que o contato com Gaza tem sido difícil desde o começo da guerra, ao contrário da Cisjordânia, onde conseguem se comunicar e cujos relatos são de que a situação também tem piorado. 

“O que está acontecendo é uma limpeza étnica em massa e não podemos aceitar calados”, afirma. Ela descreve como “covarde” a guerra em Gaza, com bombardeios que matam crianças e mulheres, destroem escolas, hospitais e mesquitas. “Eles querem mesmo pegar crianças para que a Palestina não tenha futuro. O futuro são as crianças. É muito triste isso e o mundo inteiro está fechando os olhos pra uma população que está presa num espaço denso, cercada por muros e arames farpados. Estão sufocados desde antes do que aconteceu agora.”

Maysar afirma não ser à favor do ataque realizado pelo Hamas, mas pondera que o ato aconteceu porque os palestinos não aguentam mais viver sob o domínio de Israel. “Muita gente diz que o Hamas começou. O Hamas não começou. Há 75 anos, os palestinos estão sob ocupação”, afirma.

Maysar é categórica ao dizer que não haverá saída para o conflito enquanto a Palestina não tiver seu Estado livre e soberano, reconhecido no mundo inteiro, assim como a ONU determinou em 1948. Porém, pontua que a criação do Estado da Palestina jamais foi considerada por Israel, que continua fazendo novos assentamentos em territórios palestinos ocupados e estimulando a imigração de judeus de outras partes do mundo para morar em tais lugares. 

“Isso não podemos aceitar, enquanto não houver a partilha correta entre o povo palestino e o povo judeu. O povo palestino e o povo judeu se dão bem, só que os sionistas são radicais, assassinos e querem a terra só pra eles”, ressalta.

Maysar participou de ato em apoio à Palestina realizado em Porto Alegre, em outubro. Foto Luiza Castro/Sul21

Nascido no Brasil, Nader Bujah é um dos líderes da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino. Morou por 17 anos em Ramala, na Cisjordânia, entre 1963 e 1980. Voltou pela última vez em 1992. Como brasileiro, reconhece que o Brasil tenta ser um ator influente na geopolítica da crise, mas ainda sem êxito.

Bujah define o Hamas como um movimento da resistência palestina, sem julgar se o ataque do dia 7 de outubro é ou não um ato terrorista. E tal como Maysar, pondera que, historicamente, são sempre os palestinos que sofrem a agressão. 

Para ele, o ato do Hamas do dia 7 de outubro é uma resposta ao que acontece contra os palestinos nos últimos 75 anos, com a ocupação do território, criação de assentamentos judeus, destruição de locais sagrados e mais de 10 mil presos. “Pela primeira vez, foi o palestino que tomou a iniciativa e respondeu à força agressiva de Israel”, diz, salientando que os bombardeios israelenses têm matado milhares de civis, incluindo jornalistas e médicos. “Os jornalistas revelam a verdade dos fatos para o mundo e eles não querem a imprensa lá. Israel quer expulsar os palestinos de Gaza para o Sinai”, afirma. 

Nos últimos dias, veio à tona um documento do governo israelense que, de fato, cita o plano de deslocar os palestinos de Gaza para a Península do Sinai, no Egito. Ele acredita que o plano israelense não só é expulsar os palestinos de Gaza para o Sinai, como também os da Cisjordânia para a Jordânia, criando então a “grande Israel na Palestina histórica”. Isso acabaria com o sonho dos palestinos de terem um país.

No caso da Faixa de Gaza, destaca que a região sofre mais que a Cisjordânia por estar sob um bloqueio de Israel há 17 anos, após ter sido ocupada pelos israelenses por quase 40 anos. O líder da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino ressalta que Gaza é uma “bomba relógio”, controlada por mar, terra e água por Israel. Comida, combustível, material de construção, remédios, luz, água, tudo entra e funciona em Gaza conforme a vontade de Israel. 

 

Ao completar um mês da guerra, 34 brasileiros estão em Gaza aguardando autorização para escapar para o Egito. Foto: UNRWA/Mohammed Hinnawi

“Os palestinos querem um Estado, querem um lugar em que possam viver de forma digna, normal”, afirma Bujah. “Os palestinos estão chamando a atenção do mundo de que eles precisam de um Estado e de que os direitos deles sejam respeitados e atendidos.”

Ele ainda chama a atenção para o sentimento de abandono dos palestinos diante de eventos recentes, como as negociações comerciais e acordos entre Israel e países árabes, incluindo Bahrein, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Marrocos. Analistas internacionais avaliam que o ataque do Hamas, no dia 7 de outubro, pode também ter tido a intenção de prejudicar o avanço destas negociações.

A falta de contato com os palestinos de Gaza aumenta a angústia da liderança da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino. Ele conta não ter contato direto com o governo brasileiro, acompanhando a situação da guerra pela imprensa. Para ele, a posição do governo federal ainda é “insuficiente”, apesar dos esforços para retirar os brasileiros de Gaza. “Estamos numa situação realmente grave. A gente precisa de uma posição mais enérgica”, defende. 

São 34 brasileiros que estão em Gaza, nas proximidades da fronteira com o Egito, aguardando autorização para escapar das bombas. Do grupo, 24 são brasileiros, sete são palestinos com Registro Nacional Migratório e três palestinos. Do total, 18 são crianças, 10 são mulheres e seis são homens.

Bujah destaca que um cessar-fogo e um corredor humanitário já foram pedidos tanto pelos palestinos quanto por diversos países no âmbito da ONU, sem sucesso. Apenas nos últimos dias, alguns estrangeiros estão sendo autorizados a cruzar a fronteira entre Gaza e o Egito. 

Para ele, os Estados Unidos e outros países ocidentais, ao vetarem a proposta apresentada pelo governo brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, que pleiteava uma pausa na guerra e a entrada de ajuda humanitária, dão a Israel a autorização para seguir massacrando a população palestina em Gaza. 

“É preciso haver um cessar-fogo imediato e permitir a entrada de ajuda humanitária. Eles querem, de fato, matar os civis, porque há palestinos que apoiam a resistência mesmo vendo a família ser morta, mesmo sofrendo. Os palestinos estão ganhando apoio popular, apesar de termos muitas perdas. O Ocidente deu carta branca para Israel continuar matando e os demais países não conseguem fazer esforço suficiente para realizar um cessar-fogo imediato”, avalia.

O líder da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino se diz muito triste com a guerra e com a sensação de impotência ao acompanhar o conflito pela televisão, sem conseguir ajudar. Resta torcer para não morrer mais pessoas e fazer atos pelo RS pedindo um basta. 

“A gente não vai mais aceitar a ocupação israelense. A gente não vai mais aceitar a repressão que está sobre a gente. Estamos muito tristes e preocupados e a gente não consegue ver solução concreta, além de levantar as mãos, gritar e levar essa mensagem pro povo gaúcho.”


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora