Internacional
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24 de agosto de 2023
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17:24

Análise: ‘A questão do petróleo agora está no coração do Brics’

Por
Luís Gomes
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Presidente Lula e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo | Foto: Ricardo Stuckert / PR
Presidente Lula e presidentes dos países amigos do BRICS, posam para foto oficial após a reunião do grupo, no Sandton Convention Centre, em Joanesburgo | Foto: Ricardo Stuckert / PR

A Cúpula do Brics anunciou nesta quinta-feira (24) que Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã foram convidados a se unir ao grupo, composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Em conversa com o Sul21, o cientista político Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, analisa quais impactos econômicos e políticos da expansão do bloco.

Santoro destaca que a medida mais do que dobra o número de membros do Brics e muda o perfil do grupo. “Quando o Brics foi criado, há quase 20 anos, a ideia era ter ali um conjunto muito específico de países do sul global, que eram as maiores economias, os maiores em território e em população em suas áreas geográficas. Agora, é uma aliança entre vários países em desenvolvimento, que não necessariamente são as maiores economias locais, e ganhou uma dimensão nova muito ligada ao Oriente Médio, com a entrada da Arábia Saudita, do Irã e dos Emirados Árabes Unidos. Como a gente tem também a Rússia, que é uma grande produtora de petróleo, essa questão do Oriente Médio, essa questão mais ampla do petróleo, agora estão no coração do Brics de uma maneira como antes não estava”, avalia.

O cientista político destaca também que a expansão tende a reforçar o papel da China no grupo. Já a maior economia, o país mais influente e poderoso, o gigante asiático compartilhava a influência no bloco com os demais países. Contudo, isso agora deve mudar, diz. “Esses novos membros do Brics, com exceção da Argentina, são todos países que têm uma relação muito mais forte com a China do que eles têm com os demais membros do grupo. Então, isso vai reforçar muito essa liderança chinesa dentro do Brics em detrimento da influência exercida pelos membros originais do grupo. E a gente ainda não sabe qual vai ser o significado dessa mudança. Ela pode levar o Brics, por exemplo, a ter um discurso público muito mais crítico dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão, do que foi a trajetória do grupo até agora”.

Santoro destaca que, atualmente, a China é o maior parceiro econômico do Brasil, com o volume de exportação para o país asiático sendo superior à soma das exportações para EUA e Europa. Ao mesmo tempo, o País tem relações comerciais expressivas com Índia e Rússia. No entanto, esse não era o cenário comercial antes da criação do grupo, em 2009. “Isso é uma mudança nos últimos 20 anos. Agora, para o Brasil, isso muda um tanto. A Argentina é um parceiro econômico enorme, o terceiro maior depois da China e dos Estados Unidos. Entre os novos membros do Brics, a Arábia Saudita é também um parceiro expressivo para o Brasil. Os outros, nem tanto. Pode ser que isso mude nos próximos anos? Pode ser. Pode ser que talvez a entrada deles no Brics traga algum tipo de mudança”.

Ele pontua que a expansão do grupo tem dois fatores econômicos principais. O primeiro deles é relativa ao Novo Banco de Desenvolvimento, o banco do Brics, que passa a ter a possibilidade de ter um papel mais dinâmico no financiamento de projetos de infraestrutura nos países que formam o bloco. “O desembolso anual do banco do Brics está em torno de US$ 7 bilhões, o que não é muito para uma organização internacional. Por exemplo, o Banco Mundial desembolsa US$ 60 bilhões. Mas é claro que esse dinheiro, bem aplicado, com bons projetos, pode fazer uma diferença positiva em várias áreas”, pontua.

Professor Maurício Santoro | Foto: Arquivo Pessoal

A segunda grande questão econômica é a possibilidade do comércio entre os países do Brics sem o uso de dólares, utilizando as suas próprias moedas ou eventualmente com a criação de uma moeda comum para transações comerciais entre os países do bloco.

“Quem mais avançou nessa agenda foram a China e a Rússia. Hoje, a maior parte do comércio entre a China e a Rússia é feita usando a moeda chinesa, e não o dólar, não o euro ou outras moedas. A razão para isso é muito simples, por causa da guerra na Ucrânia, a Rússia tem enfrentado muitas sanções internacionais, dificuldades de acesso a dólar, dificuldade do acesso a financiamento externo, então se voltou para a China em busca dessa ajuda. Os argentinos, curiosamente, fizeram algumas coisas muito interessantes também por conta da sua crise econômica muito grave. Eles fizeram um acordo com a China, algumas semanas atrás, do que se chama swap cambial. A Argentina enviou pesos para o banco central chinês e o banco central devolveu esse dinheiro na forma da moeda chinesa, e os argentinos usaram esse dinheiro para pagar uma dívida com o FMI. Desse modo, podendo pagar a dívida sem utilizar dólares no momento em que as reservas internacionais da Argentina estão muito escassas, estão muito baixas”.

Santoro avalia que o comércio sem o uso do dólar pode ser benéfico para muitos dos países membros do grupos, mas não é tão significativo para o Brasil, que possui uma robusta reserva em dólar. Contudo, avalia que, por questões políticas, o País também pode ser beneficiado. “Porque passa por toda essa ideia de uma ordem internacional em que o poder vai estar mais distribuído, não só tão concentrado nos EUA e na Europa, mas também entre os países que formam o Brics, América Latina e a Ásia. Uma ordem internacional na qual o Brasil teria mais autonomia, mais capacidade de ação própria”, diz.

Por outro lado, a expansão do Brics pode trazer riscos para o Brasil, segundo Santoro. Um aspecto negativo seria a perda de influência dentro do bloco. Outro, seria o esfriamento de relações com a Europa e os Estados Unidos. O cientista político avalia, contudo, que esses riscos dependerão da forma com o Brasil irá se posicionar a partir de agora, podendo, inclusive, se tornar oportunidades.

“O que existe, por parte hoje dos Estados Unidos e da Europa, é uma preocupação com essa expansão do Brics, com essa visão de que o Brics pode se tornar, liderados pela China, uma força de oposição ao G7, uma força de oposição a essa aliança dos Estados Unidos com a Europa. Agora, essa preocupação também cria oportunidades para o Brasil. Há visões da Alemanha de que a União Europeia não tem dado atenção necessária para a América Latina, de que a União Europeia deveria estar mais presente por aqui, ter mais projetos de desenvolvimento, ter mais auxílio econômico para a região. Então, isso são coisas que podem beneficiar o Brasil, se o Brasil conseguir se colocar ali como um país que pode ter esse bom nível de diálogo, de boa interlocução, tanto com os demais membros do Brics, como com a União Europeia, com os Estados Unidos, com o Japão”, diz.

Um dos temas que voltou à tona com a Cúpula do Brics que acontece na África do Sul foi a possibilidade do Brasil ganhar apoio do grupo, em especial da China, para a reivindicação histórica de ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Para Santoro, a grande dificuldade brasileira está no fato de que uma eventual reforma do Conselho de Segurança não significaria simplesmente abrir uma vaga para o Brasil, mas também incluir outros países, como Índia e Japão. “Aí a gente fala de um cenário internacional bem mais complicado, de ter o consenso necessário para a entrada de tantos novos membros. Mas, sim, acho que reforça a posição brasileira, ainda que continue um cenário difícil”, afirma.

O cientista político ainda chama a atenção para o fato de que, com esta cúpula, o Brics voltou a ganhar uma relevância que não tinha nos últimos anos, tanto no Brasil, como no cenário externo.

“O Brics virou um grande tema de debate, um grande tema de discussão, de uma maneira muito interessante. A gente está saindo de uns dez anos, pelo menos, de estagnação da política externa brasileira e estamos vendo agora uma mudança. Há uma expectativa muito grande em como o Brasil vai se posicionar, no que o Brasil vai falar. Agora, é um grande desafio para o governo Lula. Em particular, porque, desta vez, ao contrário de quando Lula foi presidente nos anos 2000, não há um boom econômico no Brasil. O Brasil não está crescendo a alta taxas. Então, essas posições diplomáticas brasileiras se dão também num contexto econômico muito mais frágil do que foi no primeiro governo Lula e num cenário internacional muito mais turbulento, muito mais tenso, muito mais complicado, sobretudo pelos enfrentamentos entre China e Rússia e Estados Unidos e União Europeia”, finaliza.


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