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6 de março de 2024
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18:14

Liminar tenta impedir sepultamento do cacique Merong, mas indígenas se antecipam

Por
Sul 21
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Cacique Merong. Foto: Célia Xakriabá/X
Cacique Merong. Foto: Célia Xakriabá/X

O cacique Merong Kamakã Mongoió, do povo pataxó hã-hã-hãe, foi enterrado na madrugada desta quarta-feira (6) em um ritual restrito à comunidade, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A mineradora Vale obteve uma liminar na Justiça Federal de Minas Gerais que impedia que corpo fosse sepultado na comunidade Vale do Córrego de Areias, no município de Brumadinho (MG), mas, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a intimação só foi entregue por volta das 9h, quando a cerimônia já tinha sido realizada.

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A Vale justificou o pedido argumentando que a região está em disputa judicial. Reconhecido como um dos articuladores do movimento indígena, o cacique foi assassinado na manhã de segunda-feira (4), em Brumadinho.

Em carta aberta, uma série de entidades repudiaram a decisão judicial, que pretendia negar o direito ao sepultamento do cacique em seu território. “É preciso lembrar que o processo de retomada da comunidade Kamakã Mongoió acontece há cerca de três anos, resistindo contra as violentas investidas da outra parte do processo, a mineradora Vale S/A. Por isso, essa decisão viola o direito dos povos indígenas, assegurado na Constituição Federal, de sepultar seus membros no próprio território, conforme seus usos, costumes e tradições”, diz o documento.

Merong havia manifestado a intenção de “ampliar as lutas” de seu povo. Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) disse que a liderança de Merong o colocava em conflito de interesse de grandes empresas locais e apresentou uma notícia-crime à Polícia Federal, considerando se tratar da hipótese “de crime cometido em detrimento de direitos indígenas coletivos”.

Além de liderar as ações em prol dos direitos de seu povo, Merong militava em defesa dos territórios de outras comunidades, como a Kaingáng, Xokleng e Guarani. Os indígenas que há mais de dois anos ocupam o território em disputa com a Vale antes se encontravam dispersos em áreas urbanas de cidades da região. O grupo se instalou no local em outubro de 2021, em um movimento de retomada da aldeia.

A deputada federal Célia Xacriabá (PSOL-MG) se manifestou por meio de uma rede social, criticando a liminar. Célia afirmou que negar o sepultamento ataca não só nossos direitos humanos fundamentais, mas também os direitos indígenas garantidos pela Constituição Brasileira e por pactos internacionais. É absurdo tentarem reprimir o luto da família de Merong!

“Nessa madrugada, fomos surpreendidos com uma liminar na justiça autorizando o envio de força policial para impedir o enterro do cacique Merong no território. Mas estamos aqui acompanhando e sobretudo enquanto mandato também para derrubar essa liminar, sobretudo também junto com o MPF [Ministério Público Federal]. É garantido pela Constituição o direito de enterrar os nossos mortos”, disse a deputada em um vídeo publicado na rede X, antigo Twitter.

A deputada disse ainda que o seu mandato oficiou a Polícia Federal, solicitando a atuação para garantir a proteção territorial da comunidade Kamakã Mongoió durante o ritual de despedida a Merong. Segundo ela, o Ministério Público Federal entrou com embargo de declaração à decisão pedindo o reconhecimento legítimo do direito de realizar o sepultamento de Merong conforme as tradições do seu povo.

“Esse pedido pela Vale é uma ação criminosa, quando entendemos que ele já sofria processo de ameaças aqui. Merong estará vivo junto com seu povo. E a nossa intervenção é o direito de ter luta e de ser enterrado nessa terra que já foi demarcada com a sua vida”, concluiu a deputada.

Em nota encaminhada à reportagem da Rádio Nacional, um dos veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a Vale disse reiterar o pesar pela morte do cacique Merong Kamakã, e respeitar “os povos indígenas e seus ritos de despedida”. Também disse que “busca construir uma solução com a comunidade que preserve suas tradições, dentro da legalidade”.

Embora tenha nascido em Minas Gerais, Merong viveu alguns anos no Rio Grande do Sul, onde também foi reconhecido por seu perfil de liderança. Ele foi um dos integrantes mais ativos da ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre, entre 2015 e 2017, tendo participado de audiências públicas para tratar do tema. Ele concedeu diversas entrevistas ao Sul21 durante o período da ocupação.

Em uma delas, em 2016, contou que estava no RS há cerca de seis anos e que vivia com a esposa, de etnia guarani, no acampamento Guarani Mato Preto, próximo à cidade de Getúlio Vargas. Ele explicou que, como precisava vir com frequência a Porto Alegre para comercializar artesanato na Rua da Praia, acabou encontrando no espaço uma alternativa para não precisar dormir na rua.

“Eu vim com a família e me deparei com a situação de que não tinha onde ficar. Foi quando eu bati na porta dos Lanceiros Negros e fui acolhido, eu, minha família e mais uma parente da Bahia que estava conosco”, disse à época. “Sempre que eu vinha para Porto Alegre, eu dormia na rua ou dormia na rodoviária, porque eu não tinha onde ficar. Depois que existe a ocupação Lanceiros Negros, graças ao nosso Pai Tupã, eu consigo trabalhar com dignidade e não falta alimento na mesa para minha família”.

Com informações da Agência Brasil

Posteriormente, Merong também atuou em diversas retomadas no Estado, como a Xokleng Konglui, de São Francisco de Paula, e a Guarani Mbya, de Maquiné, entre outras.


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