Geral
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18 de julho de 2023
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19:34

‘Truculência policial não resolve a necessidade da juventude que frequenta a vida noturna da cidade’

Por
Duda Romagna
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Efetivo policial na Praça Garibaldi, no sábado (15). Foto: Milena Giacomini
Efetivo policial na Praça Garibaldi, no sábado (15). Foto: Milena Giacomini

Na madrugada do último sábado (15), frequentadores de bares e casas noturnas da Cidade Baixa, região central de Porto Alegre, foram surpreendidos com uma intervenção policial concentrada principalmente entre a Travessa dos Venezianos e a Praça Garibaldi. A Brigada Militar utilizou o efetivo do 4⁰ Regimento de Polícia Montada para dispersar as pessoas da área. Nas redes sociais, frequentadores do bairro denunciaram o uso de força excessiva por parte da BM, com bombas de gás, spray de pimenta, cavalos e confronto físico.

Uma mulher de 28 anos, que prefere não ser identificada, relata que estava em um bar em frente à Praça Garibaldi, e, por volta das 23h, notou o grande efetivo da polícia. “Acabou o samba e logo as pessoas saíram porque viram que não não ia ter condição, fomos para a Travessa dos Venezianos”, explica. “A polícia formou um paredão pela Joaquim Nabuco, começaram a avançar em direção à gente e as pessoas começaram a perguntar ‘o que a gente tá fazendo de errado?’, eles falaram que precisavam desobstruir a rua”, relata.

“A minha bicicleta estava presa num prédio na Joaquim Nabuco, perguntei ‘posso passar para pegar minha bicicleta?’, eles começam a falar que não em um tom muito violento. Disseram pra eu dar a volta na quadra, em um bairro que não é seguro. Aí uma pessoa mandou avançar e eles começam a vir para cima mesmo, um policial vem de trás e joga um spray de pimenta direto em mim.”

A vereadora Karen Santos (PSOL) observa que há uma movimentação do governo de Sebastião Melo (MDB) que estimula a “migração” da vida noturna da Capital. “Há também uma diferença nas classes sociais que ocupam cada um desses espaços. A Cidade Baixa e a Orla, por serem espaços mais acessíveis ao transporte coletivo por ônibus, têm um público mais jovem de bairros periféricos que têm dificuldade de acessar espaços de cultura e lazer dentro dos seus bairros. E aí, nesses espaços, há uma presença mais extensiva da Brigada Militar e é onde recebemos mais denúncias. No Bom Fim, a gente percebe a atuação maior da Ronda Ostensiva Municipal (Romu), junto com a EPTC, os fiscais e, muitas vezes, a própria presença do secretário [de Segurança, Alexandre Aragon]. No 4º Distrito há um incentivo por parte da Prefeitura de alocar a boemia da cidade, com incentivos fiscais para que ocorram eventos naquela parte da cidade, porém é um lugar inacessível, seja pelo custo da locomoção, seja pelo preço do acesso aos bares e às mercadorias que são vendidas”, opina.

Ela também afirma que há um embate entre os moradores e os bares e seus frequentadores que, na sua visão, é inadmissível. “Precisamos que o poder público informe e crie uma mediação, como aumentar as áreas de interesse cultural, contribuir com deslocamento do trânsito quando houver aglomeração na rua, ao invés da dispersão coercitiva, e até leis que acolham quem empreende na cidade, obviamente respeitando moradores. Hoje a gente vê vereadores da cidade que querem polarizar colocando os moradores contra os empreendedores, justificando a truculência policial, e isso não resolve a necessidade da juventude que frequenta a vida noturna da cidade e também não resolve a situação de quem empreende e com certeza está sendo impactado”, afirma.

A jovem alvo de spray de pimenta na Cidade Baixa questiona se há algum espaço onde seja viável a vida noturna. “Não pode beber na Orla, não pode na Praça do Aeromóvel, já passei por situações da polícia ostensiva chegando e expulsando as pessoas na própria Orla, que não tem morador algum, não tem nada, é um rio e o gasômetro.”

Outra jovem, que também prefere não ser identificada, funcionária de um bar no bairro Rio Branco, relata situações parecidas quando as calçadas do bairro são ocupadas. “São abordagens aleatórias com a Guarda Municipal, Romu, polícia, para constranger a galera que tá na rua. Nós nos juntamos entre alguns bares para levar adiante denúncias. Está tendo um debate sobre as abordagens truculentas e abusivas”, diz. Ela afirma, ainda, que esse tipo de ação não é novidade para a região.

Karen Santos diz que esteve em contato com empreendedores e que, juntos, estão reunindo documentos, alvarás e licenças que serão usados como prova para a responsabilização do poder público em ações. “As operações nos bares da Cidade Baixa, do Bom Fim, etc, são organizadas pela Secretaria de Segurança Pública do Município e a truculência, o abuso de poder identificado nos vídeos é de responsabilidade do Município, que deve responder pelos seus atos. Chamamos uma reunião das comissões de Segurança, Direitos Humanos e Direito ao Consumidor na Câmara e estamos organizando uma representação no Ministério Público tratando especificamente da postura do atual do secretário em relação às abordagens”, relata a parlamentar. A vereadora cita a elaboração de uma espécie de manual de direitos e deveres para informar os donos de empreendimentos sobre os possíveis abusos de poder que podem ser cometidos pelas forças policiais.

A deputada Laura Sito (PT) também entende que há uma “perseguição” à utilização de espaços públicos, que seria sistemática na Capital há pelo menos uma década. “A juventude vai para um ponto e esse ponto logo é desmontado, desarticulado, pelo uso da força. Essa é uma lógica do desenvolvimento de Porto Alegre e a cena que nós testemunhamos no último final de semana na Cidade Baixa expressa o quanto essa visão sobre o direito da cidade é garantida através do uso da força e da violência. Até porque, em geral, quem está nos espaços abertos, ao ar livre, são jovens ou pessoas com poder aquisitivo mais baixo que acabam sendo vistos como um problema para a cidade ao invés da cidade se abrir para que as pessoas possam aproveitar dos seus locais públicos”, defende. A parlamentar também afirma que, após a volta do recesso da Assembleia Legislativa, deve tomar providências sobre a responsabilização do poder público estadual nas ações.

Sobre a intervenção realizada na Travessa dos Venezianos, em nota à imprensa, o 9º Batalhão da Polícia Militar alegou ter recebido inúmeros chamados de emergência por perturbação do sossego e, por isso, “foi necessário realizar a desobstrução das ruas”. A Brigada define a situação como um “problema crônico e recorrente” na Cidade Baixa. A nota ainda menciona que o comando do batalhão esteve reunido com moradores e representantes da administração municipal para tratar sobre as ações.

“A ação iniciou como uma desobstrução induzida, através do diálogo, que não foi atendida. Inclusive, durante a ação, um dos indivíduos – que estava exaltado – insultou os militares do 9⁰ Batalhão de Polícia Militar proferindo palavras de baixo calão, fazendo gestos ofensivos e lançando garrafa de vidro contra os policiais; mostrando uma resistência ativa, assim, se fez necessário o uso de espargidor para conter o homem. O indivíduo foi identificado e responderá em juízo”, diz a nota.

Segundo a Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), por meio da Diretoria-Geral de Fiscalização (DGF), é mantida uma “rotina de ações” para regularizar o comércio. Também em nota, o órgão informou que “os endereços percorridos têm origem em denúncias da população, feitas pelos canais 156 e 156+POA, ou na observação dos agentes que circulam na Capital”.

“Somente a Operação Esforço Concentrado, criada para organizar as ações neste âmbito, teve 85 edições em 2023 – ocorrendo sempre nas madrugadas de sexta-feira, sábado e domingo. A força-tarefa registra, neste ano, 13 prisões, seis estabelecimentos interditados e cinco interdições cautelares (medida que permite que os negócios sigam abertos mediante adequação às regras impostas no município). A Guarda Municipal realizou, ainda, quatro dispersões de aglomeração dentro dos protocolos chancelados pela Organização das Nações Unidas (ONU), dos quais o Brasil é signatário, e que fazem parte dos programas de treinamento do Ministério da Justiça”, finaliza a nota.


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