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29 de dezembro de 2021
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13:48

Retrospectiva 2021: Porto Alegre de cara nova. A que custo?

Por
Luís Gomes
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Projeto apresentado pelo governo do Estado traz previsão de construção de nove torres na área das docas do Cais Mauá | Foto: Reprodução
Projeto apresentado pelo governo do Estado traz previsão de construção de nove torres na área das docas do Cais Mauá | Foto: Reprodução

2021 foi, sem dúvidas, marcado pela vacinação contra a covid-19. Mas, em Porto Alegre, um movimento correu praticamente à margem: a acelerada transformação da cidade e aprovação de projetos que visam mudar a trama urbana da Capital nas próximas décadas, especialmente da região central.

A percepção de que projetos de revitalização e mudanças no Plano Diretor avançavam na cidade, num ritmo talvez nunca antes visto, levou o Sul21 a produzir uma série de matérias que buscou justamente compreender e explicar esses movimentos.

Ao longo de sete reportagens, o especial “Que Porto é Esse?” contou como a Prefeitura via a revisão do Plano Diretor em curso e quais são os interesses da indústria da construção local e seus principais projetos em andamento, como a construção de bairros planejados na orla do Guaíba — ao lado do Barra Shopping Sul e na Fazenda do Arado.

Mas, principalmente, abordou os impactos dessas construções e transformações, sejam eles ambientais, como resultado do avanço da construção civil para as proximidades da Orla; sociais, narrando a situação de famílias que estão no meio do caminho de interesses imobiliários; ou econômicos, tentando elucidar os interesses por trás dessa cidade em construção.

O especial foi publicado em julho e, nos meses seguintes, a cidade viu uma série de anúncios por parte da Prefeitura e do governo do Estado que confirmaram o desejo de acelerar essas transformações.

Em setembro, a Prefeitura apresentou o Programa de Reabilitação do Centro Histórico, propondo alterações no Plano Diretor da Capital específicas para o bairro. O objetivo é aumentar a densificação do Centro, com meta de quase dobrar a população, dos atuais 45 mil residentes para cerca 85 mil. Para isso, o projeto de lei que promove o programa prevê a flexibilização do regime urbanístico atual com objetivo de facilitar o reaproveitamento de imóveis desocupados ou subocupados e facilitar a construção de novas edificações, que poderão ter alturas maiores do que as atuais. Em um dos cenários previstos, poderiam ser construídos prédios de até 200 m de altura.

No início de outubro, o Sul21 conversou com o secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto Alegre, Cezar Schirmer, titular de uma das pastas responsáveis por elaborar o projeto, sobre o que norteou o programa e como a Prefeitura pretende atingir os objetivos.

Na ocasião, Schirmer frisou que um dos problemas principais que a Prefeitura quer enfrentar é a queda populacional do bairro. “Um dos problemas do Centro Histórico é a redução de população ao longo do tempo e também a redução de atividade econômica, e a redução de atrativos de diferentes naturezas. O que dá vida ao espaço urbano é gente e o que leva gente a morar, a frequentar ou a visitar, é um ambiente amigável, com atrativos de diferentes naturezas”, disse.

Logo em seguida, produzimos reportagem sobre outro eixo da transformação do Centro imaginada pela Prefeitura: a mobilidade. Tivemos acesso a detalhes do plano de mobilidade para o Centro contratado junto a uma consultoria privada, a Matricial Engenharia Consultiva, e desenvolvido em parceria com a Secretario Municipal de Mobilidade Urbana.

Com previsão de ser apresentado oficialmente apenas no ano que vem, o plano já possui objetivos e diretrizes pré-definidos, que incluem a integração do Centro com a orla do Guaíba, com a Cidade Baixa e o Quarto Distrito, a valorização do transporte não motorizado, do transporte coletivo, dos pedestres, entre outras medidas. Contudo, um plano que parece partir de uma contradição, pois a Prefeitura, ao menos até o momento, não dá sinais de que irá dificultar o acesso do automóvel ao bairro, o que é considerado essencial por especialistas para que outros modais sejam, de fato, priorizados.

Aos poucos, contudo, a Prefeitura foi sinalizando oficialmente alguma de suas ideias. Uma delas é a implementação de uma linha de VLT (Veículo leve sobre trilhos) no Centro Histórico. Ainda sem qualquer prazo para sair do papel, a proposta estudada pela Prefeitura é implementar uma primeira linha de VLT entre a Rodoviária e a Praça XV, antiga estação de bondes da Capital, percorrendo um trecho de 1,3 km. Uma segunda fase imaginada levaria as pessoas do local até a Usina do Gasômetro, um trecho de 1,5 km, o que totalizaria 2,8 km de linhas de VLT.

Região do Quarto Distrito é um dos alvos prioritários para os projetos do governo | Foto: Luiza Castro/Sul21

Para fechar o ano, a Prefeitura de Porto Alegre apresentou no dia 17 de dezembro o Programa +4D com medidas para o desenvolvimento do 4º Distrito, antiga região industrial da cidade que incluiu os bairros Floresta, Farrapos, São Geraldo, Navegantes e Humaitá. Entre as medidas propostas para atrair investimentos privados estão a isenção de impostos e a retirada do limite de altura. Na mesma linha da proposta para o Centro, a Prefeitura acredita que é possível triplicar a ocupação da região.

Também no apagar das luzes de 2021, a Prefeitura conseguiu aprovar na Câmara de Vereadores o projeto que viabiliza um dos empreendimentos imobiliários que considera prioritários: a construção de um bairro planejado na área da antiga Fazenda Arado Velho. O projeto prevê urbanizar 426 hectares às margens do Guaíba, no bairro Belém Novo, uma área equivalente a 11 vezes o tamanho do Parque Farroupilha.

A tramitação do projeto e de versões anteriores não é nova, foi marcada ao longo dos últimos anos por batalhas judiciais. No dia 3 de dezembro, a juíza Nadja Mara Zanella havia suspendido a tramitação do projeto na Câmara até que fosse possível analisar o pedido de liminar apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), defendendo que a Prefeitura de Porto Alegre deveria se abster de alterar o regime urbanístico para a área até que fossem elaborados todos os estudos, diagnósticos técnicos e debates sobre a alteração do perímetro e do regime urbanístico por ocasião da Revisão do Plano Diretor de Porto Alegre. Contudo, a decisão foi cassada pelo Tribunal de Justiça, o que permitiu a aprovação do projeto.

Ao longo do ano, o Sul21 abordou o assunto em diversas oportunidades. Em uma delas, destacou que a Prefeitura de Porto Alegre contratou para elaborar o Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica uma empresa cujo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) feito para subsidiar o projeto imobiliário na Fazenda do Arado, em Belém Novo, foi declarado em parte como “falso/enganoso/omisso” em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil concluído em maio deste ano.

Mas não foi só a Prefeitura que esteve interessada em mudar a paisagem da cidade no futuro. Em novembro, o governo do Estado apresentou o projeto elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a revitalização do Cais Mauá. Pela apresentação, o projeto prevê a alienação da área das docas, onde poderão ser construídas nove torres comerciais e residenciais, a revitalização dos armazéns e a derrubada parcial do Muro da Mauá.

Dias antes, a reportagem do Sul21 havia acompanhado a apresentação de uma proposta alternativa elaborada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representantes do Coletivo Cais Cultural Já para que a revitalização do Cais Mauá fosse destinada para a promoção de atividades culturais e para que não fosse necessária a privatização da área.


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