Educação
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9 de outubro de 2023
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18:08

CPI da Educação: respostas evasivas dão o tom do depoimento de ex-coordenadora pedagógica da Smed

Por
Luciano Velleda
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Michele Acosta, em depoimento na reunião conjunta da CPI que investiga a compra de Materiais Didáticos da SMED. Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA
Michele Acosta, em depoimento na reunião conjunta da CPI que investiga a compra de Materiais Didáticos da SMED. Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Corpo técnico, corpo administrativo, corpo pedagógico. Corpo técnico novamente. As expressões marcaram o depoimento de Michele Bartzen Acosta Schröder, ex-coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (Smed), durante a sessão conjunta, nesta segunda-feira (9), das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) da Câmara que investigam supostas irregularidades na compra de materiais didáticos pela Smed.

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As respostas evasivas, sem citar nomes, foram dadas sempre que algum vereador questionou de quem era a responsabilidade pela compra dos materiais escolares sob suspeita de terem sido direcionados para empresas específicas por meio da adesão de ata de registro de preço – procedimento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público dispensando licitação.

Durante as 2h30 de depoimento, a testemunha negou ter havido pressão para dispensar licitação e realizar a compra direta dos materiais escolares com determinadas empresas, como MindLab e Sùdù. A explicação recorrente foi o benefício pedagógico. No caso dos equipamentos comprados da MindLab, definiu-os como “potentes”.

Quando perguntada quem determinou a escolha das empresas e a dispensa da licitação, a resposta se repetia: “O corpo técnico”. Michele argumentou que seu papel era sugerir os materiais por seu benefício pedagógico. Quando confrontada pela ausência de pareceres pedagógicos nos processos de compra, refutou a crítica e disse que os pareceres técnicos existem. Entretanto, segundo as vereadoras Biga Pereira (PCdoB) e Mari Pimentel (Novo), no processo de compra constam apenas informações publicitárias da própria empresa.

“Deu para ver que ela não conseguia responder as perguntas e tentava sempre fugir para o lado do embasamento pedagógico. Foi uma boa sessão, que mostra que a coisa tem que ser investigada, uma vez que ela não conseguia nem dizer quem fazia parte do corpo técnico”, analisa Mari Pimentel, presidente da CPI da Educação.

Para ela, que comandou a sessão conjunta desta segunda-feira, Michele se contradisse e fez um depoimento protegendo a ex-secretária de Educação de Porto Alegre, Sônia da Rosa.

A compra de materiais didáticos da empresa MindLab dominou boa parte do depoimento da ex-coordenadora pedagógica do governo do prefeito Sebastião Melo (MDB). Michele reforçou, mais de uma vez, que a MindLab foi indicação de Lia Wilges, ex-servidora da Smed e atualmente funcionária no gabinete de Melo. Michele disse que o processo, a partir da indicação de Lia, seguiu os ritos oficiais, com agendamento de reunião com a equipe técnica e coordenadores, finalizando com a indicação de compra, a partir da análise favorável da metodologia pedagógica.

No entanto, ela reconheceu que a elaboração do plano de trabalho foi feita após a sugestão de compra dos materiais da Mindlab e não o contrário, ou seja, primeiro ter havido o plano pedagógico e depois a busca pelo material mais apropriado para executá-lo. Ainda assim, Michele disse não ter conhecimento de que o processo de compra tenha sido irregular.

A resposta, no entanto, não satisfez o vereador Roberto Robaina (PSOL), para quem o depoimento confirma que a compra teve início a partir da indicação dos materiais da Mindlab, o que levanta a suspeita de um processo direcionado. O parlamentar ainda destacou que a MindLab está sendo investigada por fraude em outros municípios do Brasil.

Nesse sentido, Mari Pimentel perguntou sobre a falta de concorrência na compra dos produtos da MindLab e por que a Smed aderiu a uma ata de registro de preços vencida pela Mindlab, se a empresa já era alvo de notícias de irregularidades em outros municípios. A ex-servidora explicou que “nenhuma outra empresa apresentava a mesma capacidade, o mesmo impacto e a mesma ação na rede”. Segundo ela, tratava-se de uma metodologia específica e não havia concorrente.

“Ela reforça que não existe nenhuma análise prévia com relação aos fornecedores escolhidos, (a compra) começa já com a adesão a ata de registro de preço, já escolhendo a empresa, e mostra que ela não tem nada para comprovar que eles ampliaram a concorrência ou que fizeram embasamento realmente pedagógico dentro do projeto, e sim que começa direto com a decisão de compra do material”, afirma a presidenta da CPI da Educação.

“Uma vez que ela é coordenadora pedagógica e não tem nada de embasamento pedagógico nas compras, já acusa o golpe. Ou ela mentiu que não tinha ninguém orientando ela, ou ela não fez o trabalho dela como coordenadora pedagógica e acabou direcionando para um fornecedor”, pondera a vereadora, levantando a questão de qual motivo levaria a ex-coordenadora a fazer isso.

Outro ponto duvidoso relacionado a compra dos materiais didáticos da empresa MindLab se refere a necessidade de alteração curricular, orientada pela própria empresa, para o correto uso do material nas escolas. A mudança, todavia, não foi feita na rede municipal de Porto Alegre. Segundo a ex-coordenadora pedagógica, o acordo feito com as escolas é de que cada uma usasse o material como quisesse, conforme suas necessidades. “Foi um acordo com as escolas”, justificou.

O depoimento de Michele Acosta também mostrou como alguns parlamentares da base de apoio de Melo têm agido para proteger o governo. Logo no começo dos questionamentos, a vereadora Comandante Nádia (PP) foi ao microfone cobrar para que fosse cumprido o tempo de três minutos para cada parlamentar fazer pergunta. A vereadora do PP faria o mesmo movimento em outros momentos da sessão.

O gesto mais efusivo de proteção à testemunha partiu do vereador Idenir Cecchim (MDB), líder do governo Melo na Câmara e presidente da CPI governista que, em tese, deve investigar as compras suspeitas da Secretaria Municipal de Educação (Smed).

Em determinado momento, quando Mari Pimentel questionava com firmeza a ex-coordenadora pedagógica, Cecchim interrompeu as perguntas e acusou a presidente da CPI da Educação de estar “induzindo” as respostas da testemunha.

“Ela falou que não recorda. A senhora pare de induzir. A senhora não pode fazer isso”, esbravejou o líder do governo.

José Freitas (REP), Moisés Maluco do Bem (PSDB) e Cláudia Araújo (PSD) foram outros vereadores que fizeram intervenções amenas visando proteger Michele Acosta. Cláudia Araújo, inclusive, abraçou a testemunha ao final do depoimento, na entrada do plenário, e lhe parabenizou pela postura.   

Na avaliação de Mari Pimentel, apesar da ação de proteção de alguns parlamentares, ela interpreta que a maioria dos vereadores da base do governo não estão mais querendo se expor na defesa da Prefeitura. “Eles estão com dificuldade de fazer os vereadores defender o governo. Os vereadores já estão vendo que têm indícios fortes de irregularidades”, afirma.

Com relação a Cecchin, ela avalia que o papel da CPI proposta pela governo é o de abafar o caso envolvendo as compras suspeitas de materiais didáticos da Smed. “O desafio dele é tentar controlar a narrativa e não dar prejuízo para o governo”, comenta. Quando a sessão se aproximou de 2h30 de duração, Cecchin tentou encerrar o depoimento alegando falta de quórum. Ao ouvir vaias vindo do plenário, fez uma careta de deboche. Houve mais algumas poucas perguntas e a sessão então foi finalizada.


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