Opinião
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2 de maio de 2024
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14:45

UFRGS, do mau ao bom exemplo (por Rui V. Oppermann e Jane F. Tutikian)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Rui V. Oppermann e Jane F. Tutikian (*)

Mais uma vez a UFRGS se vê enredada com o processo de escolha da reitoria. O problema central, para uma parcela da representação da comunidade universitária, é o peso de 70% atribuído aos docentes para a escolha dos dirigentes máximos. Como sempre, narrativas tentam explicar, justificar e até mesmo institucionalizar posições, ainda que legítimas, mas carecem de adesão aos ditames legais que regram o processo. A proporção de 70 % para os docentes está definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) que estabelece no Artigo 56, parágrafo único, “Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes. Sucessivos decretos, portarias e recomendações têm sido empregados pelo Ministério de Educação para regulamentar o processo de acordo com a LDB.

Em manifestação recente, já neste governo, a Secretaria de Educação Superior ( SESu), recomenda que as Universidades, em qualquer circunstância que envolva a escolha do Reitor e Vice-reitor, respeitem o peso de 70% para os docentes, inclusive nas chamadas consultas à comunidade (Ofício N. 15/2024/CGNAE/GAB/ SESU/SESu-MEC).

As consultas podem ser conduzidas pela Universidade como consulta formal ou por representações sindicais e estudantis como consulta informal. As consultas informais se desenvolveram em muitas universidades federais como recurso para estabelecer proporções diferentes da estipulada pela Lei, sendo a mais comum a paridade de pesos (1/3 para docentes, para servidores técnicos e estudantes). O resultado dessa consulta informal, é anunciado e o Conselho Superior da Universidade, responsável pela eleição, elege uma lista tríplice, em geral respeitando o resultado da consulta informal.

Ainda assim, qualquer docente habilitado para concorrer poderá se inscrever como candidato junto ao Conselho mesmo que não tenha participado da consulta informal. Uma vez formada a lista tríplice pelo Conselho, que tem uma proporção de 70% de representantes docentes, ela é enviada ao MEC para a nomeação por parte da Presidência da República.

Com exceção do último governo onde mais de 20 reitores eleitos em primeiro lugar na lista, inclusive na UFRGS, não foram nomeados, há um respeito de governantes democratas nomeando o primeiro da lista.

Na UFRGS, o Estatuto da Universidade estabelece no Artigo 12, Inciso XVI “promover, na forma da lei, com a presença de pelo menos 2/3 (dois terços) dos Conselheiros, o processo de escolha do Reitor e do Vice-Reitor, que incluirá consulta à comunidade universitária;” É aqui que se dá a cisma com a qual a UFRGS tem se confrontado a cada 4 anos.

Quando o Estatuto foi aprovado, em 1995, vivíamos ainda com a memória da ditadura e as incertezas quanto à participação democrática da comunidade no processo de escolha para reitor e vice-reitor. Garantir que o processo se desse na forma da lei e que houvesse uma consulta promovida pelo CONSUN foram os principais argumentos, de sindicatos e representações estudantis ao defenderem o artigo 12. Hoje, é um consenso que a consulta à comunidade deve fazer parte obrigatória do processo.

Na UFRGS, para alguns segmentos da comunidade, essa consulta, da forma como o Estatuto estabelece, poderia ser realizada com a paridade de pesos. No passado houve tentativas de flexibilizar a interpretação do Artigo 12, Inciso XVI, sempre rejeitadas pelo CONSUN, amparado em pareceres da Procuradoria da Universidade.

Nessa legislatura, o CONSUN aprovou uma proposta de consulta paritária em um processo no qual o atual reitor e vice não fizeram parte. Agora, às portas da necessidade de se iniciar o processo eleitoral, a Procuradoria da UFRGS, provocada pela reitoria, exara um parecer alertando para a discordância do processo aprovado pelo CONSUN com os instrumentos legais existentes e os riscos que assumem os conselheiros e conselheiras perante a Lei. Alerta ainda que a simples denominação de consulta como informal, mantidos os vínculos dela com os órgãos colegiados e administrativos da UFRGS, não lhe confere o que pretendem os defensores da decisão do conselho. Em paralelo, alguns conselheiros, na sua declaração de voto, alertam para os mesmos riscos apontados pela Procuradoria e unidades acadêmicas, como a FCE, se manifestaram publicamente contrárias ao processo proposto pelo CONSUN por seu potencial caráter de ilegalidade. Aparentemente sindicatos, representações docentes e estudantis não conseguem, por si só, chegar a um lugar comum sobre realizar a consulta paritária informal.

Alegar que é um processo político e por isso transcenderia o instituto legal pode até ser um argumento a ser utilizado na tentativa de superar os instrumentos legais, mas fazer isso às vésperas do processo eleitoral, tendo em vista datas limites no calendário para envio da lista tríplice ao MEC, é um risco para a UFRGS, justamente em um momento em que já se encontra fragilizada pela falta de legitimidade política da atual reitoria.

Na nossa campanha para a reeleição à reitoria em 2020, Jane Tutikian e eu nos comprometemos, como primeiro ponto de pauta, uma vez empossados, convocar uma estatuinte. Com isso poderíamos rever nosso Estatuto e Regimento já anacrônicos, vencidos pelo tempo e pelas transformações de quase 30 anos. Certamente, não seria o colocado em último lugar na consulta e na eleição e ainda assim nomeado por afinidade com o ex-presidente que convocaria uma estatuinte. Mas aqueles cuja narrativa é de que quem venceu eleições no passado, respeitando a lei, também não teriam sido legítimos representantes da UFRGS, ficaram quatro anos calados, esperando a oportunidade de tentarem mais uma vez o caminho mais fácil mesmo que com grandes riscos de afrontar a Lei.

Ser a favor ou contrário à paridade está além do escopo desse artigo. Defendemos que a UFRGS deve, democraticamente, com a participação de toda a comunidade universitária e seu entorno escolher seu caminho para o futuro, superando seus entraves e estabelecendo uma base legal para que volte a crescer e ocupar os espaços nacionais e internacionais a que sua grandeza faz jus.

Esperamos que as candidaturas que concorrerão para a Reitoria comprometam seus programas com uma estatuinte que supere, de vez por todas, essa cisma, eliminando o oportunismo eleitoreiro de ocasião seja ele qual for.

(*) Rui V. Oppermann foi reitor da UFRGS, gestão 2016-2020. Jane F. Tutikian foi vice-reitora e Pró Reitora de Coordenação Acadêmica da UFRGS, gestão 2016-2020.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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