Educação
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3 de outubro de 2023
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14:15

CPI da Educação: Depoimento de ex-secretária tem denúncias envolvendo pendrives e presidente do MDB

Por
Luciano Velleda
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A ex-secretária de Educação, Sônia da Rosa, está no centro das compras investigadas. | Foto: Paulo Ronaldo Costa/CMPA
A ex-secretária de Educação, Sônia da Rosa, está no centro das compras investigadas. | Foto: Paulo Ronaldo Costa/CMPA

O depoimento da ex-secretária de Educação de Porto Alegre, Sônia da Rosa, na reunião conjunta das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) da Câmara que investigam supostas irregularidades na compra de materiais didáticos pela Secretaria Municipal de Educação (Smed), foi marcado por perguntas sem respostas e respostas dadas não por ela, mas por seu advogado, Pedro Poli.

Ao final, a audiência desta segunda-feira (3), com quase quatro horas de duração, foi considerada boa pela vereadora Mari Pimentel (Novo), presidente da CPI da Educação. Para ela, a sessão conseguiu demonstrar que havia direcionamento nas compras da Smed por meio da adesão de ata de registro de preço – procedimento conhecido como “carona” por acelerar o gasto público dispensando licitação.

A presidente da CPI da Educação avalia que a ex-secretária ficou nervosa e se contradisse, não respondeu várias perguntas e chegou ao final do depoimento com a fisionomia desgastada. Com o advogado sentado ao lado, em muitos momentos, coube ao defensor responder pela ex-secretária.

Como exemplo de pergunta sem resposta, Mari cita o áudio exibido na CPI, de Mabel Vieira, ex-assessora técnica que instruía processos de compras de materiais da Smed. A gravação indica que circulavam pendrives na secretaria com indicação de a quais atas aderir e que a secretária, tratada no áudio como “Soninha”, orientava destruir os pendrives. As indicações sobre a quais atas aderir seriam feitas por Alexandre Alves Borck da Silva, conhecido como “Xandão”, secretário extraordinário de Modernização e Gestão de Projetos e presidente do MDB de Porto Alegre. Durante o depoimento, a ex-secretária Sônia da Rosa não comentou o áudio exibido.

“É um fato grave que ela não conseguiu explicar”, afirma Mari. “Então, abre margem para se pensar porque não foi explicado esse áudio e qual é a relação do Alexandre com a secretária ou com quem está acima dela’”.

A vereadora Biga Pereira (PCdoB) chegou a perguntar se Alexandre Borck visitava a secretária ou se ela passou pendrives com solicitação de ata de registro de preço para compra de determinados fornecedores. Sônia disse que tratava com Borck sobre demandas do Orçamento Participativo e demandas impositivas da própria Câmara. “Eu desconheço esse áudio, não vou opinar sobre ele e eu não entreguei nenhum pendrive, nem nenhum documento pra nenhum servidor”, respondeu.

O áudio e a falta de explicação foram considerados “graves” por Mari. “É grave, mostram que a adesão da ata de dispensa sempre foi com a conotação de direcionar para algumas empresas vencedoras”, afirma. O conteúdo da gravação também foi destacado pelo vereador Roberto Robaina (PSOL), ao indicar o suposto direcionamento do presidente do MDB e funcionário do gabinete de Melo nas adesões por ata.

Outro ponto que chamou atenção no depoimento da ex-secretária de educação tem conexão com a contratação, em abril de 2022, da empresa Ambiética Assessoria Ambiental, fundada pelo ex-secretário do Meio Ambiente de Canela, Jackson Müller, também do MDB. A empresa foi contratada sem licitação, sob a justificativa de “notório saber”.

Como Jackson Müller estava afastado da empresa por ocupar cargo público em Canela, o contrato da Prefeitura de Porto Alegre foi feito com seu filho, Gustavo Müller, sócio e responsável técnico da empresa. O detalhe é que na contratação de Gustavo Muller por “notório saber”, a Prefeitura anexou o currículo de seu pai como se fosse dele. Jovem, sem experiência suficiente para dispensar a licitação, o “ notório saber” do pai foi usado como se fosse seu.

Jackson Müller foi preso duas vezes em 2022, investigado pela Polícia Federal na Operação Caritas, que trata de um esquema de corrupção em Canela relacionado a dispensas ilegais de licitação, ocultação de bens e valores, por montar uma organização criminosa junto à Secretaria do Meio Ambiente e delitos de falsidade ideológica, além de lavagem de dinheiro. Na segunda prisão, em julho do ano passado, o ex-secretário foi detido acusado de intimidar testemunhas e forjar um assalto na própria casa para destruir provas. Mesmo com ele preso, a Prefeitura de Porto Alegre manteve o contrato em vigor.

“Como Porto Alegre tem uma prestação de servido por inex (ineligibilidade de licitação) com o secretário do MDB que estava preso numa operação de fraude?”, questiona Mari.

A situação também é destacada por Robaina como um dos principais momentos do depoimento da ex-secretária de Educação do governo Melo. “O filho foi contratado pela secretária Sônia por notório saber, ocorre que o notório saber do filho não podia ser demonstrado porque ele não tinha, quem tinha o notório saber era o pai. Então foi contratado o filho com o currículo do pai”, enfatiza.

Além do caso envolvendo a contratação da empresa Ambiética Assessoria Ambiental, Robaina diz que documentos do Tribunal de Contas do Estado mostraram irregularidades na adesão ao registro de ata de São Leopoldo e na compra do material MindLab, por suposto direcionamento. Auditoria do TCE apurou se a Prefeitura de São Leopoldo teria direcionado licitação para fornecedora de telas interativas. Em dezembro de 2022, a Secretaria de Educação de Porto Alegre aderiu à ata de registro de preço de São Leopoldo para comprar 188 telas com preço final de R$ 6 milhões.

A ex-secretária disse não saber a respeito. O vereador estranha a ex-secretária dizer que não sabia, pois os apontamentos do TCE foram enviados à Prefeitura. “Se ela não sabia, logo quem tinha que saber então era o prefeito”, especula.

O desconhecimento alegado por Sônia relativo ao caso da empresa do ex-secretário de Canela preso também causa surpresa ao vereador. “É uma secretária incompetente, pra dizer o mínimo, para não saber que uma empresa contratada por ela está envolvida em investigações da Polícia Federal. Ficou muito evidente a existência de um cartel que influenciou a Secretaria de Educação para desviar recursos. E a secretária Sônia, diante do seu silêncio, da sua expressão de desconhecer, foi realmente preocupante. Dizer que não conhece os documentos do tribunal, que não sabe que a pessoa que deu currículo pra contratarem o filho por notório saber, tem envolvimento com o crime, que não conhece os antecedentes que ela contrata, investigado pela Polícia Federal por fraudes em inúmeros municípios, é algo de deixar a gente chocado”, afirma Robaina.

Presidente da CPI da Educação, a vereadora Mari Pimentel acredita que o depoimento da ex-secretária Sônia da Rosa mostrou novos caminhos a serem investigados pela Câmara. Cuidadosa nas palavras, avalia que as novas revelações e o fatos levantados pela CPI até o momento, ainda não demonstram envolvimento direto do prefeito Melo, mas deixam dúvidas no ar.

“Hoje não posso dizer que chega no prefeito, mas nitidamente ela não teve explicação para perguntas e isso gera um tom de questionamento. Ela não chegou a mencionar o prefeito. Acho que a gente ainda tem muito para andar para chegar no prefeito.”

Mari também afirmou que o defensor da ex-secretária seria pago pela Prefeitura. “Por que um advogado contratado pela Prefeitura, um advogado caro, estava defendendo a ex-secretária de educação? Por que o Melo está tão preocupado com isso?”. Procurado, o governo negou a denúncia. De acordo com a assessoria do Município, Pedro Poli atua como consultor jurídico da Secretaria Municipal de Parcerias (SMP), mas a atuação dele como advogado de Sônia Rosa se dá no âmbito privado, em relação profissional estabelecida entre ambos. “O Município não paga advogado para prestar serviços à ex-secretária”, respondeu em nota ao Sul21.

A Prefeitura ainda não respondeu sobre a suposta participação de Alexandre Borck nas compras da Smed.


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