Educação
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18 de fevereiro de 2023
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10:10

‘Desvio de finalidade’ na reforma do Instituto de Educação é denunciado ao MP de Contas

Por
Luciano Velleda
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Comunidade escolar do Instituto de Educação diz que planos do governo desrespeitam projeto de reforma do prédio. Foto: Luiza Castro/Sul21
Comunidade escolar do Instituto de Educação diz que planos do governo desrespeitam projeto de reforma do prédio. Foto: Luiza Castro/Sul21

A longa história até que o Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE) volte à comunidade escolar de Porto Alegre teve mais um capítulo na última quarta-feira (15). Depois da restauração do icônico prédio começar em 2016, paralisar em 2019, e recomeçar apenas em 2022, o destino da escola segue em disputa. Isso porque o governo de Eduardo Leite (PSDB) mudou o projeto de restauro licitado em 2016 e pretende implementar no local um Centro de Referência em Educação e o Museu da Educação para o Amanhã – uma alteração de projeto feita à revelia da comunidade escolar que há mais de 10 anos luta pela reforma do prédio.

A concepção do projeto para a construção do Museu da Educação para o Amanhã contou com o auxilio do Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), entidade que administra o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

A controvérsia levou a deputada estadual Sofia Cavedon (PT), a presidenta da Comissão de Restauro do IE, Maria da Graça Morales, e o vice-presidente do Cpers Sindicato, Edson Garcia, a entregar ao Ministério Público de Contas (MPC) um requerimento solicitando a análise do órgão sobre os documentos referentes à reforma do Instituto de Educação (IE). O grupo defende que a escola permaneça 100% pública, sem alterações no projeto original licitado e executado, que prevê áreas de tecnologia, ciência, esportes, cultura, inclusão, acessibilidade, segurança, climatização e, principalmente, o número de vagas para os alunos.

A presidente da Comissão de Restauro destacou que o novo desenho da escola proposto pelo governo Leite é diferente daquele projetado pelo governo estadual em 2014, cujo estudo foi elaborado ao custo de R$ 600 mil. Na ocasião, o projeto aprovado contou com a participação da comunidade escolar, secretarias estaduais e órgãos do patrimônio na sua elaboração.

Maria da Graça sustenta que toda e qualquer intervenção realizada não pode desfigurar a finalidade e os fundamentos que justificaram o tombamento do Instituto de Educação, assim como seu valor histórico, cultural e imaterial.

Recebida pela procuradora-geral substituta, Dra. Daniela Wendt Toniazzo, a deputada estadual alertou que a intenção do governo estadual em ceder ou dividir o prédio do IE restaurado e reformado com a instalação de um Centro de Referência em Educação e o Museu da Educação para o Amanhã, nada mais é do que a cessão do espaço à iniciativa privada, ao arrepio da legislação.

“Nos documentos anexados fica evidente o desvio de finalidade do projeto e de ilegalidades nos atos administrativos do governador”, afirma. Sofia diz que as obras ficaram paralisadas entre 2019 e 2022 por decisão meramente política do governo estadual, ainda que falasse da falta de orçamento.

Desde o anúncio da retomada das obras, em janeiro de 2022, a situação agora mudou. A restauração está em curso, porém, com o desvio de finalidade denunciado pelo grupo que foi ao Ministério Público de Contas (MPC).

“Se o Tribunal de Contas não intervir, vai haver um gasto a mais, porque o governo está tentando fazer uma parceria com a Organização de Estados Íbero-Americanos (OEI) com o dispêndio de 43 milhões para construir as diretrizes desse museu privado dentro do Instituto de Educação, trazendo prejuízo e reduzindo o atendimento que a escola fará”, alerta a parlamentar.

Na visão dela, esse valor que o governo se dispõe a pagar poderia ser investido para recuperar outros prédios públicos. “O governo vai botar dinheiro fora de um projeto licitado e reduzir o atendimento da educação, inclusive da educação infantil, sendo que  Porto Alegre deve 6 mil vagas e o Tribunal de Contas acompanha esse tema.”

Os R$ 43 milhões projetados pelo governo para o estudo da construção do museu também foram comparados por Sofia aos R$ 30 milhões anunciados nesta quinta-feira (16) pelo governador para obras em escolas estaduais do Rio Grande do Sul. Deste total, R$ 27 milhões serão distribuídos entre 2.311, e R$ 3 milhões irão para as 176 escolas classificadas em situação de urgência – o que dá uma média de apenas R$ 17 mil para cada escola reconhecida pelo governo como em situação de urgência.

“O Instituto de Educação é a única escola que está com obra em andamento porque as outras, que foram paralisadas em 2019, 2020 e 2021, recebem R$ 30 milhões para resolver problemas graves enquanto R$ 40 milhões é destinado para pensar uma parceria para um museu no local que deveria ser um espaço para a educação”, criticou a deputada horas após o anúncio do governador.

Após longos anos com obras paralisadas, destino do Instituto de Educação segue em disputa. Foto: Luiza Castro/Sul21

A reforma do IE começou a ser pleiteada pela comunidade escolar em 2010, quando se verificou a necessidade de seis reformas nos prédios da escola, que estava com o ginásio de esportes prestes a ser interditado, problemas no telhado, falhas na rede elétrica, entre outros. A reforma só seria aprovada em 2013, no então governo de Tarso Genro (PT), que buscou um empréstimo junto ao Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) para bancar a obra, orçada em R$ 22,5 milhões.

O governo realizou as licitações do projeto e para as obras de fato, que foram vencidas pela empresa Portonovo Empreendimentos e Construções Ltda, mas o contrato só seria assinado no final de 2015, já no governo de José Ivo Sartori (MDB). Para o início das obras, os então 1,6 mil alunos do IE foram transferidos para as escolas Roque Callage, Rio Branco e Felipe de Oliveira no começo de 2016. Apenas as crianças dos anos iniciais permaneceram na Dinah Neri, prédio anexo do IE que seguiu aberto após o início das obras.

No entanto, por conta do atrasos nas obras, que nunca passaram de 10% do cronograma previsto, a Secretaria de Educação (Seduc) decidiu romper o contrato com a Portonovo em agosto de 2017. Um novo processo licitatório foi aberto e só encerrado em 2018. Vencedora do processo, a Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S.A. retomou as obras em 17 de outubro de 2018. No entanto, devido a seguidos atrasos nos pagamentos por parte do governo do Estado, a empresa alegou que não tinha mais condições de seguir a reforma e interrompeu os trabalhos em 1º de agosto e, sem que a situação fosse resolvida, parou totalmente em setembro. Desde então, nada mais havia avançado até janeiro de 2022.

Uma comissão de membros da comunidade escolar criada para acompanhar as obras, a direção e representantes dos pais acionaram o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que abriram processos para apurar possíveis irregularidades envolvendo os contratos e a condução deles pelo governo do Estado.

Desde o anúncio do governador dos seus novos planos para o Instituto de Educação, a comunidade escolar se articula para questionar se o governo poder alterar o projeto original, que era objeto da licitação de 2014, para abrigar os planos atuais para o IE.

Nos documentos de cooperação entre o governo Leite e a Organização de Estados Íbero-Americanos (OEI), a escola já é chamada de “antigo” prédio do Instinto de Educação.

“O projeto de cooperação técnica tem como objetivo central fornecer assistência técnica para o desenvolvimento de capacidades humanas e institucionais, no âmbito da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, para implementar e consolidar as ações de estímulo à produção científica tecnológica e à inovação no ensino estadual por meio do Centro de Referência em Educação, a ser implantado no prédio do antigo Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE), contemplando o Museu da Educação para o Amanhã (Museduca)”, diz trecho do contrato de cooperação.


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