Cultura
|
27 de junho de 2023
|
14:37

Casa do escritor Dyonélio Machado corre risco de ser demolida em Porto Alegre

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Atual proprietário pretende vender o terreno onde existe a casa do aclamado escritor modernista. Foto: Luiza Castro/Sul21
Atual proprietário pretende vender o terreno onde existe a casa do aclamado escritor modernista. Foto: Luiza Castro/Sul21

O livro “Deuses Econômicos” começa com uma cena de cidade destruída (a obra se passa durante o Império Romano), casas derrubadas por falta de cuidado do poder público. Ironia do destino, ficção e vida real, o trecho do livro foi recentemente lido durante uma caminhada literária em frente à casa do escritor Dyonélio Machado. O imóvel do autor de Deuses Econômicos agora está sob risco de também ser derrubado.

Localizada na Rua General Souza Doca, 131, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, a casa do escritor e político gaúcho foi redescoberta em meados de 2022 por Jonas Kunzler Moreira Dornelles, há nove anos pesquisador da obra de Dyonélio Machado. Ele conta que, até então, a localização do imóvel era desconhecida.

Ao contrário de onde morou Erico Verissimo, endereço conhecido na rua Felipe de Oliveira, nº 1.415, sabia-se que Dyonélio havia morado bem próximo, na rua Souza Doca, mas não exatamente em qual casa. Engajado na pesquisa sobre a vida e a obra do escritor, Dornelles acabou descobrindo um documento com a assinatura de Dyonélio e, em seguida, que a casa estava à venda, mas como terreno.

Sem perder tempo, o pesquisador criou um perfil no Instagram para começar a divulgar o caso e defender a permanência do imóvel, tendo na memória, inclusive, o que aconteceu recentemente com a casa do escritor Caio Fernando Abreu, no Menino Deus, demolida em 2022.

Ao descobrir a casa do escritor modernista, autor de obras importantes como “O Louco do Cati”, “Os Ratos” e “Deuses Econômicos”, entre outras, Dornelles soube também que havia um inventário do bairro Petrópolis em curso. De posse da documentação comprovando quem era o antigo proprietário da casa, o pesquisador enviou o material para a Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), órgão do município responsável pela memória e patrimônio de Porto Alegre. Cerca de dois meses depois, o imóvel foi inventariado no EPAHC.

“Acho que ajudou o fato de já ter ficado feia a questão da casa do Caio Fernando Abreu… isso fez com que fosse inventariado muito rápido”, avalia o pesquisador.

O atual proprietário do imóvel, todavia, entrou com recurso contra o inventariamento. No recurso, o proprietário alega que a casa está em condições precárias e precisa ser demolida. Diz também que desconhecia a importância histórica de Dyonélio Machado.  Ele também é o dono da casa ao lado, que pertenceu a Cecília, filha do escritor.

A expectativa é que o recurso seja julgado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC) nos próximos dias. O resultado selará o destino do imóvel.

“A casa está para ser demolida”, alerta Dornelles.

Autor modernista escreveu obras importantes durante o período em que viveu na residência. Foto: Luiza Castro/Sul21

Nascido em Quaraí no dia 21 de agosto de 1895, Dyonélio Tubino Machado faleceu em Porto Alegre, no dia 19 de junho de 1985.

Dornelles explica que, se o inventariamento da casa for confirmado, ela estará protegida de ser derrubada, pelo menos a estrutura. Neste caso, o proprietário ficará responsável por reformar e manter a casa. Porém, se o recurso for aceito, ele acredita que o destino do imóvel será virar cinzas.

“A gente tem certeza de que, no momento que sair um parecer positivo para o dono, a casa vai estar derrubada no dia seguinte”, projeta o pesquisador.

Para evitar que isso aconteça, Dornelles explica que tem sido feito um movimento de memória cultural e literária do bairro Petrópolis, de maneira a preservar o seu patrimônio imaterial, considerando pontos de referências culturais e artísticas. Afinal, a poucos minutos de caminhada ficam situadas as casa de Dyonelio Machado e Erico Verissimo, além do local onde existiu a casa de Cyro Martins, esta já derrubada e com a memória apagada. Os três são os principais autores modernistas do RS.

“Só esses três modernistas, que são os maiores escritores da década de 30 e 40 no Rio Grande do Sul, morando na mesma rua, é uma grande referência da memória histórica da nossa cidade”, enaltece o pesquisador.

O bairro Petrópolis abriga ainda a casa do jornalista, escritor, poeta e cronista Manoelito de Ornellas e, segundo levantamento em curso, de mais 20 artistas.

Casa ao lado, que era da filha de Dyonelio, também pertence ao mesmo dono do imóvel em que viveu o escritor. Foto: Luiza Castro/Sul21

Estudioso da vida e obra de Dyonélio Machado, para dar visibilidade à necessidade de preservação da casa, Jonas Dornelles criou um roteiro cultural passando pelos três lugares onde viveram os escritores modernistas, contando a trajetória biográfica de Dyonélio, sua vida no Petrópolis e sua produção literária.

“É uma trilha literária que a gente fez que serviria muito bem para um projeto de ensino de escolas… levar os alunos ali no bairro para falar sobre a literatura do nosso Estado, de escritores importantes”, explica.

A obra-prima O Tempo e o Vento, por exemplo, Erico Verissimo escreveu enquanto morava no Petrópolis. O Louco do Kati, a principal obra de Dyonélio Machado, também foi escrita enquanto ele vivia na casa do bairro. Deuses Econômicos, Desolação e Passos Perdidos são outras obras escritas durante o tempo em que ele morou ali.

“Se a gente derruba a casa do Dyonélio, a gente vai perdendo esses espaços de memória, que podem ser preservados e devem ser preservados, para a gente ter isso na memória do nosso povo”, afirma o pesquisador. “É um jeito diferente de habitar a cidade. A gente está cultivando a memória coletiva, cultural e literária, justamente por escritores modernistas que começam a falar da questão da urbanização mais radical, da verticalização do centro. O livro ‘O resto é silêncio’ (Erico Verissimo), por exemplo, trata de uma mulher que se suicidou pulando de um prédio, no final dos anos 30, começo dos 40. Antes da década de 30, quase não tinha prédios altos em Porto Alegre. É curioso que seus escritores estão falando da história urbana da cidade justamente nesse período da modernização”, pondera.

Para Dornelles, a preservação da casa de Dyonélio Machado permite uma reflexão sobre Porto Alegre a partir dos locais onde moraram os escritores modernistas. Uma “trilha literária” que, por si só, defende o pesquisador, já é um grande projeto e justifica a existência do imóvel. “A preservação é muito importante para criar a memória cultural do nosso povo”, afirma.

Como na Roma Antiga do imperador Nero, retratada no livro “Deuses Econômicos”, o destino da casa do escritor Dyonélio Machado será decidido nos próximos dias.

 

Confira o vídeo: 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora