Cultura
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21 de novembro de 2022
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19:15

FestiPoa Literária começa com a potência dos versos de escritoras negras

Por
Luciano Velleda
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Negra Jaque, Luna Vitrolira, Valéria Barcellos e Preta Guardiã estiveram presentes na abertura do FestiPoa Literária, no bar Agulha. Foto: Luiza Castro/Sul21
Negra Jaque, Luna Vitrolira, Valéria Barcellos e Preta Guardiã estiveram presentes na abertura do FestiPoa Literária, no bar Agulha. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Eu sou Agnes. O g é mudo, eu não.”

O bordão com que a poetisa Agnes Mariá encerrou as poesias declamadas na edição especial da FestiPoa Literária, iniciada no último domingo (20), ainda que sem intenção serviu como resumo da programação do primeiro dia do evento. Em pleno 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a abertura do festival foi marcada por ecoar as vozes de pessoas negras, principalmente mulheres.

Agnes Mariá. Foto: Luiza Castro/Sul21

Além de Agnes, Negra Jaque, Valéria Barcellos, Luna Vitrolina, Preta Guardiã (Helena Meireles), Eliane Marques e Mariam Pessah ocuparam o palco do bar Agulha, uma trupe completada por Rafa Rafuagi e sessão de autógrafos com Everton Behenck.

Depois da 13ª FestiPoa Literária ter sido realizada totalmente virtual, em maio de 2021, uma edição especial e presencial ocorre na capital gaúcha até a próxima quarta-feira (23). No Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa se concentrarão algumas mesas de debate, roda de samba e sarau irão embalar a última noite no Espaço Cultural 512, enquanto o próprio Agulha recebe saraus e shows.

Nesta edição especial, a curadoria da FestiPoa Literária convidou os homenageados da 13ª edição, Sérgio Vaz e Ana Maria Gonçalves, para virem a Porto Alegre e dividirem mesas, leituras, saraus e celebrações com outros importantes escritores e artistas da cultura brasileira. Embora num formato mais curto do que os eventos anteriores, a expectativa pelo reencontro presencial na festa literária tem animado os participantes.

“A gente poder chegar no 20 de novembro de 2022, o ano que a gente pode voltar a fazer um encontro desse presencialmente, se abraçando, voltando a ouvir leituras, a ver performance de poesia e sentindo de novo, no corpo, a vibração dessas palavras de mulheres ocupando seus espaços de direito, é muito importante, é muito fortalecedor e devolve pra gente uma perspectiva do futuro que a gente quer construir”, analisa a poetisa Luna Vitrolira.

Presença constante no FestiPoa há 10 anos, a pernambucana considera o evento um dos maiores e mais importantes festivais de literatura do Brasil. A opinião se baseia justamente na preocupação do festival em acompanhar as discussões e os debates que a sociedade vem trazendo, o que inclui trabalhar com o protagonismo das pautas feministas e antirracistas.

“Começar a FestiPoa no dia 20 de novembro, depois de atravessar uma pandemia, num encontro presencial e podendo questionar várias novas pautas, inclusive desse Brasil tão polêmico e tão perturbador que a gente vem sentindo na pele, literalmente, tem sido um processo de renascimento”, afirma a autora de Aquenda, o amor às vezes é isso.

Eliane Marques, Luna Vitrolira e Mariam Pessah conversaram sobre o fazer poético e as diferentes possibilidades de expressão. Foto: Luiza Castro/Sul21

Entre versos e o relato da experiência de serem mulheres negras fazendo literatura no Brasil, Negra Jaque, Valéria Barcellos, Luna Vitrolina e Preta Guardiã (Helena Meireles) discutiram os descaminhos pelos quais a história do País foi contada sempre pelas mãos de pessoas brancas, quase sempre homens. Juntas, elas refletiram sobre como a branquitude opera a estratégia de manutenção do poder.

“Acredito que branquitude conhece sua própria história, até porque foram as pessoas brancas que escreveram os livros de história e contaram a sua própria versão, onde são os dominadores, os colonizadores, os detentores de poder que escravizaram e saquearam nossas riquezas, nossa intelectualidade, nossas sabedorias, nossas tecnologias e tornaram suas, inclusive, pra construir um projeto político que deu muito certo no Brasil”, afirma Luna.

Por seus olhos, um ônibus lotado às 17h cruzando as ruas do Recife reflete os “navios negreiros” da atualidade. “O que mudou?”, questiona. Na essência, de certa forma, mudou a embalagem. Os “navios negreiros” ainda continuam transportando dores pelo País. “A gente vai ver as condições de trabalho, os direitos trabalhistas que a gente tem perdido, a gente percebe que toda essa condição escravocrata ainda está aí, só que ela está refinada. Existem novas formas de manter esse projeto político. A branquitude sabe o que faz e sabe o que tá querendo manter.”

Ciente da luta árdua que há pela frente, um projeto de poder muito defendido por Jair Bolsonaro (PL) e, o que é pior, com apoio de quase metade da população, a poetisa reconhece que o processo de transformação de uma sociedade como a brasileira é lento. Uma guerra de mentalidade onde as palavras têm muita força.

“A escrita é poder e a gente não tinha acesso a essa escrita. Agora que a gente tem, estamos estabelecendo um campo de disputa de narrativa onde a gente também conta a história. Então não é apenas uma versão da história, são pelo menos duas versões da história que a gente vai ter. E isso mostra que a verdade não é absoluta. É uma disputa de narrativa, então a gente está contando a nossa versão do que foi a história desse Brasil na colonização, e o que é que a gente quer”, ressalta a poetisa.

E para promover essa disputa de narrativa apresentando outras versões da história, Luna acredita que a FestiPoa Literária proporciona um belo momento de unir forças. “Uma programação como essa, com várias mulheres com experiências diferentes de vida, de origem, de nascimento e de território, a gente também está aqui se aquilombando literariamente, poeticamente, artisticamente, porque a gente começa a perceber que essas vozes, quando juntas, elas vão difundir muito.”

O Sarau Desagravo encerrou a primeira noite do FestiPoa Literária, no bar Agulha. Foto: Luiza Castro/Sul21
Luna Vitrolira e Valéria Barcellos no FestiPoa Literária, no bar Agulha. Foto: Luiza Castro/Sul21
Abertura da edição especial do Festipoa Literária foi marcada pela presença de escritoras negras. Foto: Luiza Castro/Sul21
Trailer da livraria Baleia estrategicamente posicionado diante do bar Agulha. Foto: Luiza Castro/Sul21

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