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5 de junho de 2021
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12:28

Com escolas fechadas, diminuem denúncias de violência sexual contra crianças em Porto Alegre

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Sul 21
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Foto: Arquivo/Agência Brasil
Foto: Arquivo/Agência Brasil
Pesquisa em Porto Alegre constatou diminuição das denúncias de violência sexual feitas nos conselhos tutelares. Foto: Arquivo/Agência Brasil

Luciano Velleda

A pandemia do novo coronavírus trancou dentro de casa crianças e adolescentes por um longo período. Com escolas fechadas e o medo do contágio, o isolamento logo trouxe o receio sobre a possibilidade de aumento da violência sexual contra meninos e meninas. Afinal, por característica, esse tipo de violência é mais comumente praticada por familiares ou adultos com livre acesso à rotina da vítima.

Foi pensando nessa possibilidade que um grupo de pesquisadores decidiu, logo no começo da pandemia, em abril e maio de 2020, tentar entender o que estaria acontecendo nas casas das crianças mais vulneráveis. Na mídia, algumas notícias divulgavam aumento de casos, mas sem dados que pudessem embasar tal fato.

O que saia na imprensa como “certeza” do aumento de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, as pesquisadoras colocaram como dúvida para então realizar o estudo.

“Foi uma preocupação com o momento, uma reação que resolvemos transformar em pesquisa”, explica Tatiana Savoia Landini, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e umas das coordenadoras do estudo intitulado “Violências sexuais contra crianças e adolescentes em tempos de pandemia por covid-19”.

Cinco cidades foram escolhidas: Manaus, Recife, Goiânia, Belo Horizonte e Porto Alegre. A escolha levou em conta elementos práticos, diante do desafio de realizar a pesquisa em meio ao isolamento. Assim, houve a preocupação de escolher uma cidade em cada região do País e capitais que tivessem populações semelhantes, em torno de 1 milhão de habitantes. A pesquisa foi toda feita de modo on-line ao longo do segundo semestre de 2020 e os resultados foram divulgados agora no final de maio. Os dados do estudo não foram suficientes para confirmar a hipótese de aumento da violência sexual contra meninos e meninas durante a pandemia. 

“Não dá pra gente apostar tanto nesse hipótese”, diz Tatiana. “O que ficou mais agudo foi o isolamento da criança, e isso torna, possivelmente, a violência mais grave. A criança e o adolescente não tem com quem conversar, ou está mais tempo em casa junto com o agressor, mas não necessariamente houve aumento no número de casos, isso não temos como dizer.”

Na capital gaúcha, o estudo analisou as denúncias reportadas aos oito conselhos tutelares da cidade. Houve diminuição das denúncias recebidas em relação ao período pré-pandemia. Uma situação até esperada pelos pesquisadores e que foi confirmada.

A professora da Unifesp explica que esse tipo de violência tem dinâmica própria, não sendo uma violência que começa de um dia para o outro, ou que acontece um dia e depois não acontece mais. “A dinâmica é daquela violência que acontece por anos. Ela é contínua até o momento em que algo acontece e acaba aparecendo a denúncia”, explica.

Porto Alegre

De modo geral, dos oito conselhos tutelares de Porto Alegre, metade relatou receber menos denúncias, três disseram que o fluxo estava normal e um relatou receber mais denúncias. Dois conselhos disseram que as denúncias estavam mais severas. 

“Conseguimos ver claramente uma diminuição no número de denúncias, ainda que os conselheiros não tenham os números objetivos, isso é muito difícil pra passar os registros”, explica Tatiana Landini.

O destaque ficou por conta das escolas. A pesquisadora enfatiza o papel das instituições de ensino como locais em que sinais da violência sofrida podem ser percebidas. Com o fechamento das escolas durante a pandemia, perdeu-se essa possibilidade de detecção de casos. Antes da pandemia, todos os oito conselhos tutelares disseram que recebiam denúncias vindas das escolas. Agora, durante a crise sanitária, só dois continuaram recebendo.

“As escolas trazem pra gente um cenário bem complexo, que inclui o medo de diretores e professores de denunciarem, de construírem uma relação de confiança com os conselhos tutelares, no sentido de levar as denúncias, o despreparo dos professores para ouvir as crianças e os adolescentes, perceber sinais, então as escolas têm uma deficiência muito grande em termos de formação que possibilite com que elas atuem na proteção. O que vimos com a pesquisa é que mesmo tendo essa dificuldade, as escolas fizeram muita falta, foi a principal forma em termos de denúncias”, explica a professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unifesp.

Além da queda nas denúncias provenientes das escolas, dos quatro conselhos tutelares que costumavam receber denúncias de instituição de acolhimento, somente um continuou recebendo. Também caíram as denúncias vindas de profissionais da saúde e da rede de assistência social dos CRAS e CREAS. E dos sete conselhos que recebiam denúncias provenientes de organizações da sociedade civil, em apenas três se manteve o fluxo.

Por outro lado, se mantiveram as denúncias feitas por familiares, vizinhos ou membros da comunidade.

Os pesquisadores querem agora dar continuidade aos estudos. A intenção é realizar uma nova investigação em agosto deste ano e em 2022. O objetivo é descobrir se as denúncias que não foram feitas durante a pandemia, irão então aparecer, incluindo possíveis novos casos de violência que não existiam antes da crise sanitária. 

“Talvez tenha que esperar um tempo para a gente ouvir sobre a possibilidade desses casos. A gente não fecha a hipótese de um aumento, não dá pra confirmar ou desconfirmar”, explica Tatiana. 


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