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18 de novembro de 2011
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10:00

Estatísticas de roubos de carros escondem cartel de seguradoras e polícia

Por
Sul 21
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Estatísticas de roubos de carros escondem cartel de seguradoras e polícia
Estatísticas de roubos de carros escondem cartel de seguradoras e polícia
Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Por não se tratarem de crimes contra a vida, os delitos contra o patrimônio não são a principal prioridade nas políticas dos governos para a segurança pública. Por outro lado, o assalto a mão armada passou a se tornar uma ameaça muito mais próxima dos brasileiros, como reflexo da tecnologia anti-furto dos veículos. A partir das ocorrências policiais, surge uma rede de negócios fora da lei, que vão do golpe em seguradoras a quadrilhas que praticam roubos forjados e desmanches. Algo que, segundo especialistas, poderia ser combatido com medidas relativamente simples, como a inclusão obrigatória de GPS nos veículos brasileiros.

As ocorrências de roubos de carro em Porto Alegre apresentam redução de 2008 para 2011. Porém, há uma média acima de 900 casos por mês que se mantém desde o começo do ano. Só em setembro, último mês registrado no sistema da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-RS), foram 920 casos registrados. No Rio Grande do Sul, houve um crescimento gradual nos indicadores de roubos de veículos. De janeiro a setembro de 2011 foi registrado o mesmo número de casos que todo o ano de 2002, chegando a pouco mais de 8 mil casos.

Segundo a titular da Delegacia de Furtos de Veículos, Vivian Nascimento, em 60% dos casos os veículos são recuperados, tanto pela Polícia Civil como pela Brigada Militar. “No caso da Polícia Civil, nós atuamos com a repressão para retirar as quadrilhas das ruas. Após as ocorrências fazemos investigações”, explica.

A parte preventiva e ostensiva nas ruas cabe à Brigada Militar e, segundo o coronel Carlos Bondan, “há capacidade de resposta por parte da polícia militar”. Ele argumenta que para a eficiência do atendimento de ocorrências, é necessário que a vítima ligue para o 190 no ato do roubo. “Se passar de 10 minutos do episódio já fica mais difícil de agirmos. Mas, ainda assim, na maioria dos casos conseguimos recuperar os carros com as barreiras e o serviço integrado nas regiões”, comenta.

A representante comercial, Paula Salis, teve o carro roubado no dia 14 de outubro, ao chegar ao trabalho, no bairro Higienópolis. “Era 8h30 e eu estava indo estacionar” conta ela, que foi rendida por um homem armado. “Ele levou meu carro e tudo o que tinha dentro, coisas do trabalho e outras que me fazem muita falta hoje”, conta. Ela disse que a primeira providência foi ligar para a Brigada Militar, mas que a primeira viatura a aparecer levou mais de uma hora para chegar ao local. “Tem um policial que trabalha na mesma quadra, porque tem o consulado do Uruguai naquela região, mas ele só entra para trabalhar às 9h”, comenta.

No mesmo mês, outras quatro pessoas próximas a Paula também tiveram os carros roubados em Porto Alegre. Ainda em outubro, dois políticos foram vítimas do mesmo tipo de crime. O deputado federal Fernando Marroni, em Pelotas e o deputado estadual Nelsinho Metalúrgico, em Canoas. No caso de Paula e do deputado Marroni, os veículos apareceram cerca de 24 horas depois.

Mudança no Código Penal influenciou

Na projeção da delegada Vivian Nascimento, as prisões qualificadas feitas pelo Departamento de Investigações sobre Crime Organizado (Deic) desmontam quadrilhas que impactam em fortes reduções nas estatísticas. Mas o número volta a crescer devido ao ciclo vicioso no sistema da segurança pública. “Os ladrões são pegos com os carros mas, se a vítima não reconhece o criminoso, é considerado receptação”, explica. Com a mudança do Código Penal em junho de 2011, a receptação de veículo roubado é afiançável e não enseja mais prisão preventiva. “Acabamos ficando na mão de vítimas que nem olham para os assaltantes ou não reconhecem os autores por medo”, explica.

A nova lei, aprovada em junho no Congresso Nacional, muda a atuação da justiça em caso de prisões em flagrante por crimes graves (tráfico de drogas, roubo seguido de morte, estupro, homicídio doloso, etc.). Ao receber a informação da polícia, o juiz tem 48 horas para decidir se o criminoso responderá ao processo em liberdade. A lei das prisões dá alternativas ao juiz ao avaliar a situação do preso em flagrante. Uma delas é fixar a fiança, que pode chegar a R$ 10 milhões.

“Obrigatoriedade do GPS eliminaria o problema”, diz Rolim

Na avaliação do especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, Marcos Rolim, a mudança no Código Penal não é uma explicação adequada para a estagnação das estatísticas de roubos de veículos. “Se examinarmos a evolução deste tipo de crimes em Porto Alegre, veremos uma constante. Há uma tendência de se manter a estatística alta. O furto de veículos diminuiu com a tecnologia dos carros e aumentou os roubos com assalto a mão armada. Vincular isso com mudanças na lei penal é uma impropriedade. É como se os meliantes soubessem das mudanças no Código na íntegra e agissem de acordo com a lei”, critica.

Na avaliação de Rolim, roubos de veículos são crimes delicados porque não se sabe quando terá risco de morte. Mas tanto furtos quanto roubos poderiam ser eliminados no Brasil se houvesse a obrigatoriedade do GPS como acessório básico dos carros. “Hoje só tem isso quem paga ou tem seguro do carro”, afirma.

Cartel das seguradoras e golpe do seguro

Outro fator relacionado à manutenção das estatísticas diz respeito a corretoras de seguros, nos golpes perpetrados por alguns clientes, e a policiais que permitem o ciclo vicioso dos desmanches em cartéis de carros roubados. “Vários carros não são registrados como roubados e são segurados nos desmanches para dias depois ser feito o registro. Cerca de 30% das ocorrências não são registradas para alimentar esta prática”, disse um policial que preferiu não se identificar.

Segundo ele, também existe uma premiação das corretoras de seguro aos policiais que encontram os carros, para evitar prejuízos das seguradoras com um novo veículo ao segurado. “Tem policial civil envolvido nisso, e já teve brigadianos também. As seguradoras pagam até R$ 5 mil para o policial que encontra o carro. Acaba que muitos ajudam a criar os roubos para poder ganhar o extra”, complementou.

A delegada Vivian Nascimento confirma que as estatísticas registradas pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP) não correspondem à realidade. “A renovação da frota, quando há baixas de carros que são vendidos como sucata, não é atualizada. Estes dados são apenas os das ocorrências registradas quando do roubo”, fala.

Corretora de uma seguradora de Porto Alegre, Deise Brocca diz que não conhece esta prática no mercado de seguros. Segundo ela, a localização dos carros é feita por um sistema de rastreamento privado na empresa e tem 90% de êxito. “O perfil é sempre assalto a mão armada e em dia de semana. Os carros mais visados são Gol, Omega, Audi, Parati e Stilo”, conta.


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