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7 de junho de 2011
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11:40

Especial Fase (I): A realidade que leva os jovens à internação

Por
Sul 21
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O Brasil possui 25 milhões de adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, o que representa, aproximadamente 15% da população. As contradições e desigualdades socioeconômicas ainda existentes no país trazem consequências diretas na condição de vida da população infanto-juvenil. A violência entre jovens na faixa etária de 15 anos aos 24 anos, por exemplo, cresceu no período 1998/2008, segundo a pesquisa Mapa da Violência 2011, elaborada pelo Instituto Sangari em parceria com o Ministério da Justiça. Para ser ter uma ideia, dividindo a população em dois grandes grupos: os jovens — pessoas entre 15 a 24 anos — e os não jovens – de 0 a 14 e 25 e mais anos – teremos um panorama surpreendente. Na população não jovem, só 9,9% do total de óbitos são atribuíveis a causas externas. Já entre os jovens, as causas externas são responsáveis por 73,6% das mortes. Se na população não jovem só 1,8% dos óbitos são causados por homicídios, entre os jovens, os homicídios são responsáveis por 39,7% das mortes.

Leia as outras reportagens:
Especial Fase (II): Quem são e como vivem os jovens internos no RS?
Especial Fase (III): MV Bill e L.F., o bom exemplo acende a esperança
Especial Fase (final): A ressocialização dos jovens é um desafio de todos

A realidade dos adolescentes em conflito com a lei não é diferente dos dados apresentados. Estes também têm sido submetidos a situações de vulnerabilidade. Segundo dados levantados em 2006 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, existem no Brasil cerca de 39,5 mil adolescentes no sistema socioeducativo. Destes, 6.413 estão na região Sul.

O Sul21 buscou despir-se de julgamentos ou preconceitos sobre este tema e visitou as unidades de Porto Alegre da Fundação de Atendimento Sócio Educativo, a Fase, para conhecer oe meninos que estão privados de liberdade no Rio Grande do Sul. Em três reportagens de Rachel Duarte e Ramiro Furquim, apresentaremos como um jovem vai parar em uma unidade da Fase, como é o cumprimento de uma medida sócio-educativa, como é a vida de um adolescente internado, como o estado está prestando os serviços para a recuperação destes jovens e quais as perspectivas reais de um jovem em conflito com a lei. Na primeira reportagem da série, conheça o caminho do jovem até a Fase.

Ramiro Furquim/Sul21

O caminho até a internação

 

Há uma série de fatores que influenciam na vida de um jovem até ele se envolver com a criminalidade. O meio onde estão inseridos, as inúmeras faltas (família, trabalho, estudo), os apelos da sociedade do consumo (ter, ser, poder, ganhar) e o acolhimento da rua. Os valores da vida, o respeito, a dignidade, a solidariedade, e outros, são substituídos pelos aprendidos no crime. Muitos dizem que “a vida me levou”, “eu só queria comprar meus bagulhos”, “eu queria fama, prata, tênis”. Mas, ao mesmo tempo revelam outras circunstâncias que o envolveram no sistema criminal como: “eu não tive escolha”, “minha mãe está presa”, “meus irmãos estão no tráfico, um morreu com 21 tiros”.

Com 17 anos, este jovem foi cúmplice de um homicídio cometido pelo seu parceiro de tráfico. Não usar drogas não impediu que ele enxergasse no crime organizado uma forma de trabalho. Mais do que isso, esta é a forma com que ele aprendeu a se relacionar com o mundo. Abandonou os estudos para traficar e agora está privado de liberdade por 2 anos e 11 meses.

Ramiro Furquim/Sul21

Assim como L.T, no Rio Grande do Sul 827 jovens estão cumprindo medidas sócio-educativas, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A aplicação das medidas varia conforme a gravidade do ato infracional e, no caso da Fundação de Atendimento Sócio Educativo do Rio Grande do Sul (Fase-RS), as medidas podem ser de Internação ou Semiliberdade. No caso da internação, esta pode ser com ou sem possibilidade de atividade externa.

A Fundação foi criada a partir da Lei Estadual nº 11.800, de 28 de maio de 2002, em substituição à Lei nº 5.747 de 17 de janeiro de 1969. O surgimento da Fase é a consolidação do processo que vem do início da década de 1990, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA (Lei 8.069/90), que impôs a necessidade de reordenamento dos órgãos públicos e entidades da sociedade civil que atuam na área da infância e juventude e também provocou o fim da antiga Fundação do Bem-Estar do Menor — Febem.

O sistema de execução de medidas sócio-educativas gaúcho consiste em uma rede de sete unidades de atendimento em Porto Alegre, duas na Região Metropolitana (São Leopoldo e Novo Hamburgo) e oito no interior do estado, nas cidades de Santa Maria, Caxias do Sul, Pelotas, Uruguaiana, Santo Ângelo e Passo Fundo.

Ramiro Furquim/Sul21

Segundo uma das assistentes sociais da Fase, Cíntia da Rosa, para o jovem chegar até uma instituição educativa “uma série de etapas já aconteceram”. Ela afirma que os jovens da Fase normalmente vêm de uma família desassistida pelo estado. “Há uma desestruturação na família. Nos casos de drogadição, em muitos casos, há outros parentes envolvidos com drogadição ou tráfico. Já tentaram atendimento no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), mas desisitiram”, ilustra.

Garantia processual

Os adolescentes só vão para a Fase por determinação judicial. Mas, nenhum adolescente é privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Segundo o juiz da Infância e Juventude do Juizado de Santo Ângelo, João Batista Costa Saraiva, as medidas alternativas são aplicadas como último recurso ao jovem em conflito com a lei. As alternativas são a advertência, a obrigação de reparar o dano e a prestação de serviços à comunidade. “Todo processo de direito penal juvenil prevê uma defesa à acusação feita ao adolescente e uma instrução. O jovem só está internado se as hipóteses que possibilitam infração se configuram ou se ele já é um reiterado autor de crimes. Há uma expectativa de primeiro fazer uma tentativa de atendimento em rede aberta”, diz Saraiva.

Divulgação/jbsaraiva.blog.br

Saraiva atuou como Juiz da Vara das Execuções das Medidas Socioeducativas de Porto Alegre entre 1991 e 1994 e diz que a população em geral tem a sensação de que a delinquência não diminuiu, mas, nos últimos anos, com a criação de programas de atendimento aos jovens, houve uma redução na gravidade dos delitos. “Temos menos adolescentes privados de liberdade hoje. Mais de 12 mil jovens estão sendo tratados em meio aberto no RS, devido à aplicação de medidas alternativas em diversos municípios”, salientou comparando o índice com o número da população de Porto Alegre.

Segundo o juiz, o sistema de justiça juvenil funciona e pode ser qualificado como em evolução no Brasil. “Minha leitura não é pessimista. O problema é que a cada quatro anos, ao mudar os governos, há quebras. Ainda temos necessidade de políticas de continuidade que perpassem os governos”, frisou.

* Primeira de quatro reportagens.


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