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24 de abril de 2020
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12:35

Para além do #forabolsonaro

Por
Sul 21
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Panelaço pelo Fora Bolsonaro. Projeção na Cidade Baixa. Foto: Luiza Castro/Sul21

Céli Pinto (*)

Frente à crise política que o Brasil vive desde a eleição de Bolsonaro e que se aprofunda com a emergência sanitária causada pela covid-19, urge que pensemos em um projeto que possa se viabilizar a curto ou médio prazo e que impeça o debacle total, que pode levar o país a décadas de miséria.

Nestes momentos gravíssimos, gritos de guerra aqui e acolá são ouvidos, muitas vezes como desabafo legítimo, outros apenas para se colocarem como arautos da radicalidade em uma atitude acusatória.

Podemos pensar em vários cenários: 1. o fim imediato do governo Bolsonaro; 2. a organização robusta e urgente de uma frente que reúna a esquerda e a centro-esquerda, visando as eleições de 2022; 3. a combinação das duas alternativas.

Em primeiro lugar, é preciso ter claro o que significa Bolsonaro. O que é o governo Bolsonaro? Suas posições políticas golpistas, seus três filhos caricatos, um astrólogo alucinado e um ministro das Relações Exteriores que faria sucesso em qualquer pátio de manicômio? Seria projeto deste grupo bizarro manter-se no poder com a ajuda de alguns fanáticos eleitores? Bom seria se essa fosse toda a verdade! Mas o Brasil é um país muito complexo, com 210 milhões de habitantes, uma das 20 maiores economias do mundo e quem está no poder não é este grupo, que cumpre com maestria o papel de manter o circo, as atenções da mídia e de todos nós.

Bolsonaro é indispensável para os donos do poder? É importante, mas não indispensável. No momento em que se tornar por demais incômodo, será arremessado ao pátio de seu condomínio no Rio. O impeachment de Collor é uma boa lição. Nos faz bem lê-lo como consequência de uma juventude vestida de preto nas ruas, mas não podemos esquecer que Collor caiu porque perdeu apoio no Congresso Nacional, não servia mais para os interesses conservadores lá representados.

Atualmente o país está sendo governado por militares de alta patente, generais da ativa ou de pijama, que desta vez chegaram ao poder sem tanques, sem golpe. Bolsonaro é uma figura que serve muito bem a estes militares. Primeiramente porque sua estupidez os eleva a técnicos altamente competentes. Depois, porque dá legalidade ao governo, já que o ex-tenente foi eleito. A nomeação de um executivo para Ministro da Saúde, com um secretário da Intendência do Exército, dá a medida de quem está mandando. Bolsonaro preferiria o deputado médico terraplanista, mas o executivo que também foi médico, em suas próprias palavras, serve melhor aos militares e aos que eles representam. O senhor Teich parece completamente perdido, tem um semblante de susto e não diz coisa com coisa. Mas é, ou foi, proprietário de uma clínica na Barra da Tijuca no Rio. E isso é um currículo incontestável, principalmente para a classe média. Para ele, é só vantagem, a exposição diária, independente dos resultados, só lhe dará lucros. Há um bom número de casos de ministros que fracassaram em suas pastas, principalmente da Fazenda, e enriqueceram dando consultorias após deixarem o governo.

Os generais não governam para si, nem mesmo para as Forças Armadas. Não foi assim durante a ditadura militar, não é assim agora. São interlocutores confiáveis dos setores financeiros, do agronegócio e dos empresários em geral e não têm o rechaço de boa parte da direita e da centro-direita no Congresso Nacional, nas altas cortes de justiça ou mesmo no ministério público.

Portanto, uma primeira conclusão: a questão é maior do que depor Bolsonaro e sua bizarra corte, a questão é ter um projeto para enfrentar a direita no poder.

Bolsonaro poderá sair da presidência de duas formas, por impeachment ou por renúncia. Quanto à primeira, depende muito das relações de força que estão se acomodando no Congresso Nacional. Os militares já viram o perigo nesta via: o General Braga Neto, Chefe da Casa Civil, se aproximou das lideranças do centrão, a parte mais fisiológica do Congresso, para angariar apoios. É considerada a parte mais fisiológica porque não pode almejar voos maiores do que o de uma galinha, como poderia, por exemplo, o DEM, que por isto cobra mais caro seu apoio. É ainda possível pensar que Bolsonaro radicalize ainda mais seu comportamento demente. Nesse caso, um impeachment cairia bem para os militares e a quem eles servem. O problema está no projeto de mais longo prazo, isto é, 2022. Bolsonaro ainda é um candidato forte à reeleição. Quem os generais colocariam em seu lugar?

A segunda possibilidade é a renúncia e esta só viria com uma campanha popular que tornasse sua permanência inviável, ou por um golpe dos próprios militares, que tomariam de vez o poder com Mourão como presidente. A campanha popular, com setores diferenciados da sociedade civil pressionando, apontaria uma possibilidade muito promissora, mas meu otimismo não vai a tanto. Deixando de lado os #forabolsonaro do Facebook, me impressionou, outro dia, quão poucas pessoas estão dispostas a por seu nome e cpf em uma campanha dessa natureza. O golpe militar intramuros seria bastante temerário, pois poderia alimentar a figura do mito para 2022.

Não estamos frente a soluções fáceis. Caindo ou não Bolsonaro, é urgente o crescimento de um movimento que reúna a esquerda com a centro-esquerda para enfrentar 2022. Não me parece crível formar uma frente em que haja lugar para uma centro-direita democrática. A direita tradicional, como o DEM, e a centro-direita, como o PSDB, estão se organizando para enfrentar Bolsonaro sem perder tempo. O DEM domina o Congresso Nacional, neste momento com a presidência de suas duas casas, e tem renovado sempre, no limite de sua ideologia, a defesa na democracia. Tem sido um bom aliado do governo real e pode ser uma alternativa, se a demência do ex- tenente avançar níveis não convivíveis.

O PSDB tem um problema e uma solução, talvez duas. O problema é Doria, o governador de São Paulo, que praticamente deu um golpe de estado no velho estamento tucano paulista. Repaginado de governador responsável, que enfrenta a covid-19 sob o signo da ciência, pode ser uma solução para a volta do partido ao poder. A Rede Globo tem apostado muito nisso, e transmite na Globonews, praticamente todos os dias, meia hora de entrevista coletiva de Doria e seus competentes médicos, tratando de fazê-lo conhecido em todo o Brasil. Se Doria falhar, ainda tem o infante ungido por FHC, Eduardo Leite, o jovem governador do Rio Grande do Sul.

O pior dos mundos é chegarmos a 2022 tendo Bolsonaro no segundo turno disputando com Maia, Doria ou mesmo Eduardo Leite. Luciano Huck, depois que seu sócio declarou, em alto e bom som, preferir hamburgueres a vidas, virou garoto propaganda da Magalu. Está em um lugar que lhe cai bem e aí deverá continuar.

O cenário é muito assustador. Em 2022, o país estará vivendo as consequências da crise pandêmica, e não só dela, mas também das formas como ela foi tratada pelo governo. Necessitamos urgentemente reorganizar o campo progressista da esquerda. Gritar #forabolsonaro não é suficiente, defender o impeachment também não. Podemos concordar ou não com as duas alternativas, mas não podemos depender delas. Elas necessariamente não tornarão a vida do campo progressista mais fácil.

Uma campanha #forabolsonaro talvez seja um excelente espaço para nos organizarmos. Tem grande simbolismo e possibilidade de definição de um novo projeto para o Brasil. Precisamos juntar gente, precisamos dos movimentos sociais, dos partidos, dos movimentos populares de comunidades, de sindicatos, associações de classe. O #forabolsonaro precisa significar muito mais do que um demente a menos governando o Brasil.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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