Cidades
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31 de dezembro de 2020
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10:37

Futura secretária de Educação de Porto Alegre promete diálogo: ‘A gente vai atender todas as escolas’

Por
Luís Gomes
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Futura secretária de Educação de Porto Alegre promete diálogo: ‘A gente vai atender todas as escolas’
Futura secretária de Educação de Porto Alegre promete diálogo: ‘A gente vai atender todas as escolas’
Janaína Audino será a próxima secretária de Educação de Porto Alegre | Foto: Divulgação/Instituto Jama

Luís Eduardo Gomes 

Escolhida pelo prefeito eleito de Porto Alegre, Sebastião Melo, para comandar a Secretaria Municipal de Educação (SMED) a partir de 1º de janeiro, Janaina Franciscatto Audino conversou com a reportagem do Sul21 na tarde desta terça-feira (30). Em uma conversa por telefone que durou cerca de 20 minutos, a futura secretária falou de qual será o foco do início de sua gestão, sobre os desafios para a educação municipal em tempos de pandemia, sobre a relação que pretende ter com os professores do município e sobre possíveis parcerias com a iniciativa privada.

Audino defende que a retomada das aulas presenciais é necessária em 2021, mas pontua que seguirá as recomendações sanitárias e que é preciso ainda aguardar para ver em que estágio da pandemia a cidade estará quando iniciar o próximo ano letivo. “A nossa defesa é de que, sim, aos poucos a gente precisa fazer a retomada do ensino presencial. Com todo o cuidado, considerando a questão de saúde dos protocolos e também de todo o apoio que a gente precisa dar para a escola em relação à pandemia. Eu quero ter o cenário mais positivo possível em relação a isso, como cidadã e como uma pessoa que pensa que a gente vai conseguir superar a questão da pandemia. Mas a gente tem um movimento de dois meses ainda pela frente, janeiro e fevereiro, que a gente precisa acompanhar para ver como é que vai se comportar em relação ao número de casos”, diz, acrescentando ainda que a pasta irá olhar o lado das famílias, dos alunos e dos professores para tomar as decisões.

Por outro lado, destaca que um desafio inicial que terá no comando da pasta será realizar estudos e levantar dados sobre o que foi perdido pelos alunos das escolas municipais em razão do ano pandêmico para que, num segundo momento, a Secretaria proponha estratégias de recuperação de conteúdos. “Uma grande preocupação é com aqueles alunos que não conseguiram acessar, que não tiveram contato com a escola e com os seus professores, porque eles acabam perdendo o interesse, abandonam a escola, acabam saindo do sistema escolar e isso prejudica todos os indicadores e toda a sociedade. Quando a gente perde um aluno, a educação não cumpriu com o papel dela. Então, o nosso grande desafio no primeiro momento é fazer uma sondagem para saber quem são esses alunos, que não conseguiu, de nenhuma forma, ter o contato com algum professor em 2020”, afirma.

Pedagoga de formação, Audino é pós-graduada em Gestão Escolar pela ESPM mestre e doutora em Educação pela pela Unisinos. Desde 2010, ela atua como consultoria-executiva do Instituto Jama, entidade ligada à família Sirotsky, proprietária da RBS, e que atua na promoção de projetos na área educacional. Contudo, a futura secretária faz questão de frisar que tem experiência no ensino público, pois atuou na Secretaria Estadual de Educação entre 2003 e 2010.

A seguir confira a íntegra da conversa com a futura secretária municipal de Educação.

Sul21 – Qual será o principal foco da sua gestão na Secretaria de Educação?

Janaina Audino: A primeira questão importante, falando em foco, é a gestão. A gente precisa ter melhores informações para trabalhar com os dados e a gente vai precisar fazer uma sondagem na rede. Se a gente não tiver um bom diagnóstico, uma boa sondagem, fica cada vez mais difícil a gente propor soluções e propor as melhores estratégias. Então, a gente vai se debruçar nesse início já de gestão a coletar melhor as informações, a compreender melhor os indicadores educacionais e, a partir deles, a gente construir com a rede algumas soluções e algumas estratégias.

Quando eu falo de indicadores educacionais, é importante a gente saber que tem uma variedade de taxas que a gente precisa compreender. Por exemplo, além da taxa de aprovação e reprovação, que é o que se acostumou a padronizar no final de um ano letivo, a gente tem a taxa de abandono, a gente tem a taxa de evasão, a taxa de distorção idade-série, a gente tem o índice de complexidade da gestão escolar que o Ministério da Educação criou e é um índice que pode ser muito usado para a gente compreender o quanto é complexo fazer gestão escolar numa escola pública. Então, a gente tem vários indicadores e fatores que precisam ser compreendidos.

Além dos indicadores que eu citei, a gente tem a questão da estrutura física das escolas, a questão da proposta pedagógica. Então, quando a gente fala em educação de qualidade, a gente tem que ter o cuidado para não limitar a um indicador só. Esse é o nosso desafio enquanto gestão, ter muito claro e ser muito transparente na gestão de dados e indicadores educacionais.

Sul21 – A rede municipal de ensino ainda está em fase de retomada das aulas presenciais. O prefeito eleito Sebastião Melo tem sido veemente na defesa da reabertura total da cidade. Como a senhora relaciona esse posicionamento com a questão das aulas presenciais?

Janaina Audino: Então, 2020 realmente foi um ano atípico para todos nós e educação no Brasil, e no mundo todo, ela sofreu. Porque a educação é interação, a gente trabalha o desenvolvimento humano, trabalha o desenvolvimento de habilidades e isso é muito importante quando a gente consegue estar lado a lado, professor e aluno, com a troca, construindo junto. Quando a gente vive esse momento de pandemia que a gente precisa se isolar, que a gente não tem essa interação, com certeza o ensino e a aprendizagem ficam comprometidos. Mas é importante a gente compreender que, antes da pandemia, nós já discutíamos a importância da gente inovar na educação, de trazer processos tecnológicos. A internet e as tecnologias nos ajudam no processo de ensino e aprendizagem e o que a pandemia nos mostrou? Que é possível, claro que a gente tem muitos desafios, fazer um bom trabalho considerando diferentes caminhos e metodologias. Eu acompanhei muito o trabalho de alguns professores, pela proximidade que eu tenho na rede pública, e sei que muitos conseguiram propor alternativas para os seus alunos.

Agora, uma grande preocupação é com aqueles alunos que não conseguiram acessar, que não tiveram contato com a escola e com os seus professores, porque eles acabam perdendo o interesse, abandonam a escola, acabam saindo do sistema escolar e isso prejudica todos os indicadores e toda a sociedade. Quando a gente perde um aluno, a educação não cumpriu com o papel dela. Então, o nosso grande desafio no primeiro momento é fazer uma sondagem para saber quem são esses alunos, que não conseguiu, de nenhuma forma, ter o contato com algum professor em 2020. Isso é muito importante, porque a gente está falando de defasagem de aprendizagem, então a gente sabe que 2020 foi um ano que prejudicou muito o aprendizado dos alunos e vamos ter que, em 2021, propor alternativas para, primeiro, resgatar esses alunos e, segundo, para a gente conseguir trabalhar com essa defasagem que já existia na rede antes da pandemia, e não só na rede municipal de educação, mas na educação com um todo, e vamos ter que propor juntos algumas estratégias de correção de fluxo, de correção de desenvolvimento de habilidades e competências. Isso vai ser muito importante para conseguir o sucesso escolar de todos os alunos.

Sul21 – Justamente nesse sentido, o que é possível fazer para recuperar o que foi perdido neste ano em termos de aprendizado e também com relação os alunos que evadiram e se espera que eles retornem para a rede municipal? Já foram conversadas estratégias específicas para a recuperação desses alunos?

Janaina Audino: A gente tem que entender que são várias as situações quando a gente fala de recuperação dos alunos. Primeiro, a gente tem uma taxa que se chama distorção idade-série que é contabilizada quando o aluno tem dois anos de distorção. A gente sabe que, com dois anos de distorção idade-série, a gente precisa ter programas de correção de fluxo. Por quê? Porque não é num espaço curto de tempo que não vamos conseguir nivelar ou fazer com que esses alunos consigam acompanhar quem tá num nível, vamos dizer assim, superior de aprendizagem. Então, isso é muito, a gente precisa mapear esses alunos que estão distorção de idade e série de dois anos. Quem não conseguiu acessar em 2020, mas vinha numa situação de acompanhar o fluxo escolar, a gente tem aí uma defasagem que não é tão grande. Esse trabalho, daqui a pouco, a gente consegue fazer uma recuperação com os nossos professores, com projetos complementares, e isso também é outra estratégia. Então, recuperar todos os alunos é o nosso grande desafio, porém a gente vai ter o cuidado de fazer uma boa sondagem e propor estratégias diferenciadas. A gente sempre diz assim: na educação, nem todos aprendem da mesma forma e do mesmo jeito. Nós temos que ter o cuidado de propor estratégias para atingir determinados níveis de dificuldades de aprendizagem.

Sul21 – Só voltando ainda à questão da pandemia. A senhora acha que 2021 será um ano de aulas presenciais mais próximo do normal?

Janaina Audino: Bom, a gente está vivendo aí um cenário de aumento de casos e vamos ter que ter o maior cuidado. Quando a gente defende essa volta do ensino presencial, é justamente para poder resgatar esses alunos que estão em potencial abandono. Então, a nossa defesa é de que, sim, aos poucos a gente precisa fazer a retomada do ensino presencial. Com todo o cuidado, considerando a questão de saúde dos protocolos e também de todo o apoio que a gente precisa dar para a escola em relação à pandemia. Eu quero ter o cenário mais positivo possível em relação a isso, como cidadã e como uma pessoa que pensa que a gente vai conseguir superar a questão da pandemia. Mas a gente tem um movimento de dois meses ainda pela frente, janeiro e fevereiro, que a gente precisa acompanhar para ver como é que vai se comportar em relação ao número de casos.

Sul21 – Tem se falado da possibilidade de inclusão dos professores entre os grupos prioritários da vacina.

Janaina Audino: Esse é outro ponto. Assim como a gente vai fazer uma boa sondagem dos alunos, a gente precisa também entender como é que está o cenário dos nossos professores. Eu acompanhei esse ano muitas pesquisas que fizeram e, em primeiro lugar, a gente precisa ter o cuidado com a saúde dos nossos professores. Se a gente quer uma educação de qualidade, a gente precisa ter professores de qualidade. O que eu estou dizendo com isso? A nossa rede municipal de educação conta com 84% dos professores com ótima qualificação, mestrados e doutorados. Mas, num cenário de pandemia em que todos nós somos afetados, a gente tem que ter o cuidado que todos nós temos famílias, todos nós temos grupos de amigos que, de alguma forma, são afetados pela pandemia. Então, fazer essa sondagem de como está a realidade enquanto professores e enquanto gestores também é muito importante. Ao mesmo tempo que a gente vai olhar o lado das famílias e dos alunos, a gente também vai ter todo o cuidado nessa relação do professor e aluno.

Sul21 – Muito se falou de que o ensino digital veio para ficar no pós-pandemia, mas o que foi proporcionado para os alunos da escola pública, especialmente na educação básica, está muito aquém do ideal. Muitas propostas apresentadas nesse sentido durante a pandemia ficaram mais na vontade do que na prática, também porque há uma dificuldade do município em fazer os investimentos que são necessários. Como garantir os investimentos para proporcionar ferramentas digitais a par da rede privada, próximo disso ou que ao menos possam garantir que os alunos terão aulas de qualidade?

Janaina Audino: Primeiro, acho que a gente precisa partir de uma boa sondagem. Como eu falei antes, a gente vai ter o compromisso de entender e compreender a rede municipal. Como a gente faz isso? Olhando os dados e fazendo todo o levantamento de dados. Com relação a investimentos, a gente fala de um indicador que se chama qualidade do gasto público. Ou seja, a gente tem que fazer uma boa gestão de entender se aquilo que a gente está investindo, onde a gente está investindo, está gerando resultados. Ou seja, se a gente vai investir num projeto de X ou Y, espera-se que ele vai dar resultado. Então, fazer a sondagem da rede é o primeiro desafio, olhar e compreender e essa rede e, estamos já fazendo isso no processo de transição, para entender os movimentos da rede. Existem projetos, existem alguns investimentos que foram feitos e é isso também que a gente precisa compreender para, daqui para frente, propor as melhores estratégias.

Sul21 – Um dos grandes desafios da gestão anterior no campo da educação foi o fato de o prefeito Marchezan e o secretário Adriano terem praticamente rompido com o Simpa e com a Atempa logo no início do mandato, na questão da mudança das rotinas. Como a senhora pretende se relacionar com a representação dos professores municipais e como vislumbra também os desafios dessa relação?

Janaina Audino: Primeiro, eu quero dizer que trabalho muito com gestão e, às vezes, a gente foca muito nos problemas e não foca nas soluções. Eu gostaria de dizer assim: o que passou, passou, e o nosso compromisso é daqui para frente. A gente está num processo de transição que é curto, mas estamos analisando muitas informações e isso vai ser fundamental para seguir em frente. Em relação a abrir esse diálogo, primeiro que o nosso trabalho está sendo proposto muito na linha do diálogo. O que eu falo com diálogo? Diálogo não é apenas conversar, é abrir um bom processo de escuta para ajudar a construção. A educação ganha quando a gente constrói juntos. O que eu estou querendo dizer com isso? Eu represento uma rede municipal de educação, então eu represento diretores, represento professores e represento a comunidade escolar. Esses atores precisam estar juntos numa gestão compartilhada. O que a gente vai propor como diretrizes da Secretaria de Educação é justamente o que vamos construir juntos. Então, essa abertura para o diálogo que o prefeito Sebastião Melo vem trazendo nas conversas é muito a linha da nova gestão. A gente poder abrir esse processo de escuta. Essa semana mesmo, a gente já fez um movimento bem importante que foi escutar alguma o movimento Vozes da Cidade que nos entregou um material que tem muito conteúdo que a gente precisa analisar, que a gente precisa ter um cuidado de considerar. Então, o diálogo é nesse sentido de construção coletiva.

Sul21 – A contratualização já é um fato concreto na educação infantil, com a maioria da rede municipal de creches sendo administrada hoje por parcerias. A gestão anterior iniciou um processo de contratualização também no Ensino Fundamental. A senhora é a favor de parcerias nessa etapa também? Como vê essa situação?

Janaina Audino: Eu enxergo a parceria público-privada como muito importante. Acho que a gente precisa discutir melhor o termo parceria público-privada no sentido de que ela não vem só para nos dar recursos financeiros. Uma PPP vem para nos dar recursos técnicos, nos ajuda a ter inovação na rede, ajuda em processos que gente sabe que, às vezes, é mais demorado, é mais difícil. Então, as PPPs precisam ser entendidas nesse contexto de apoiar o Estado justamente onde a gente tem as maiores dificuldades e os maiores desafios, numa plataforma de ensino, numa inovação, numa formação de professores. Ou seja, aquilo que limita o Estado colocar em prática para a gente ter resultados mais imediatos, a parceria público-privada é bem-vinda.

Sul21 – Algo a acrescentar?

Janaina Audino: Eu quero só agradecer o espaço do Sul21 pela possibilidade de a gente poder conversar sobre a educação municipal de Porto Alegre, mas também queria agradecer toda a receptividade que eu estou tendo dos professores. Isso é muito importante num início de gestão. Como eu disse, o diálogo vai ser do início ao fim, vai ser permanente na nossa gestão. Eu queria agradecer a todos os professores e todos os diretores que, de alguma forma, estão chegando através da nossa equipa com muitas mensagens. E dizer que, a partir de janeiro, a gente vai montar um cronograma de visitas e conversas em que a gente vai atender todas as escolas.


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