Areazero
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17 de junho de 2015
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19:05

Vereadoras visitam abrigos para jovens e constatam: “não tem como se sentir em casa”

Por
Sul 21
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Vereadoras visitam abrigos para jovens e constatam: “não tem como se sentir em casa”
Vereadoras visitam abrigos para jovens e constatam: “não tem como se sentir em casa”
| Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Casa João de Barro, com paredes riscadas| Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Débora Fogliatto

Casas amplas, mas sem alma. Foi essa a impressão que teve a equipe da Câmara de Vereadores de Porto Alegre que esteve nos abrigos Quero-Quero e João de Barro, onde vivem jovens encaminhados pelo Conselho Tutelar, nesta terça-feira (17). A visita foi feita em conjunto pelas vereadoras Sofia Cavedon (PT), presidente da Frente Parlamentar da Situação de Rua, e Fernanda Melchionna (PSOL), que está vistoriando aparelhos voltados a crianças e adolescentes através da presidência da Comissão de Direitos Humanos.

“Alguns vêm direto da Fase através de audiências, todos vêm pelo Conselho Tutelar. E todos estão matriculados em escolas, mas nem sempre vão”, explicou a coordenadora dos abrigos Potira dos Santos. As faltas nas escolas acontecem por motivos diversos: alguns estão defasados em muitos anos e não querem estudar com os mais novos, outros sofrem preconceito pelo local onde vivem. A coordenadora contou que uma escola pediu para saber os “motivos do acolhimento”, não permitindo que o jovem estudasse lá sem ter essa informação, enquanto outra exigiu um “atestado de sanidade mental”.

Outra dificuldade enfrentada pelas casas no momento é a falta dos repasses do pronto-pagamento, verba disponibilizada pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) para reparos e melhorias. Atualmente, há vidros quebrados que não puderam ser consertados devido ao atraso, que vem desde janeiro, segundo a coordenadora. Mas mesmo nos setores em que não há problema financeiro, os jovens têm pouca individualidade. A Fasc investe mais de R$ 900 mil em armários, camas, roupas e produtos de limpeza, que são fornecidos aos moradores, mas não são escolhidos por eles.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Meninos dividem quartos com pelo menos outros três moradores | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

A relação dos jovens com os pais varia caso a caso. Alguns visitam as famílias nos fins de semana, enquanto outros perderam completamente o vínculo. Um menino que completa 18 anos nos próximos meses irá voltar a viver com a mãe, que antes não havia condições de moradia e agora foi contemplada com uma casa na Restinga. O desligamento dos adolescentes é acompanhado pela coordenação, que encaminha para atendimento nos Centros de Referência Especiais de Assistência Social (Creas) das comunidades.

Quero-Quero

No abrigo Quero-Quero, na zona Sul da cidade, vivem onze meninos de 13 a 18 anos. Alguns deles são egressos da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), outros ainda cumprem medidas em regime semi-aberto no local, enquanto outros não passaram por conflitos com a lei, mas não têm quem se responsabilize por eles.  A casa é alugada e gerida pela Fasc, que tem três convênios terceirizados para limpeza, cozinha e educadores. O quadro de funcionários está completo, com uma assistente social, uma psicóloga, uma enfermeira, quatro técnicos de enfermagem em sistema de plantão e 12 educadores, divididos em três turnos.

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Futebol é uma das ocupações dos jovens na Quero-Quero| Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Durante a visita, três jovens jogavam futebol no pátio da casa. Um exibiu um complexo cisne de origami, mas não quis explicar onde havia feito a obra nem como havia aprendido o ofício. Arthur disse gostar “mais ou menos” de viver no local, e resumiu sua rotina: “eu fico mais jogando bola e conversando com os guris”, contou, enquanto lia um exemplar do Diário Gaúcho. Ele, que completou 16 anos há poucos dias, foi encaminhado por ordem judicial ao Quero-Quero após cumprir medida na Fase.

A morosidade descrita pelo jovem é compreensível. Na casa, faltam objetos básicos de lazer, como livros, jogos, vídeo-games, computadores. Também não se trata de um ambiente acolhedor, devido às paredes brancas, o chão frio sem tapetes, a ausência de qualquer objeto de decoração. Por isso, a vereadora Sofia constatou que “não tem como se sentir em casa” no local. “Não tem uma alma no lugar”, refletiu. A opinião de Fernanda foi parecida: “não tem ‘cara’ de casa”, disse ela.

Abrigo João de Barro 

Também na zona sul, o João de Barro tem a mesma administração que o Quero-Quero, mas um aspecto um pouco mais aconchegante. Há uma sala de convivência com livros doados por uma educadora, uma mesa de fla-flu, televisão com DVD. Em um canto, chama atenção a presença de computadores empilhados, ainda não instalados. Lá, onde as paredes são riscadas com canetas, com frases e desenhos, vivem 13 meninos, divididos em dois quartos.

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Na João de Barro, local é mais acolhedor | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

A vereadora Fernanda observou que, em visita que acompanhou há alguns meses, o local estava com entulho e sujeira, com a piscina nos fundos verde e com água parada. Desta vez, o pátio estava limpo, mas ela destaca que a visita foi agendada previamente, enquanto em sua primeira ida ao local isso não havia ocorrido. Uma das críticas das vereadoras é a falta de acesso dos jovens à cozinha, que é considerada “industrial”, e portanto só pode ser frequentada pelos trabalhadores da empresa responsável.

O jovem Max, de 17 anos, acompanhou a visita da equipe da Câmara, comentando e mostrando a casa de forma receptiva. Ele completa 18 anos em poucos dias e seu futuro ainda é incerto. Quando criança, morava com os avós, que faleceram há alguns anos, quando acabou ficando sem ter para onde ir. A mãe é ex-usuária de drogas, tem outros três filhos para criar, tem “seus próprios problemas”, conforme definiu Max. Ele até visita a família, mas acredita que não irá morar lá, até porque “a casa é muito pequena”.

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Computadores esperam para serem instalados | | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Potira explicou que está havendo um diálogo com o jovem, que não será deixado sem assistência. Ele admite que não frequenta a escola onde está matriculado, o que atribui ao fato de não ter “boas roupas”. “Cada um tem que fazer sua parte, mas isso é um processo que está sendo encaminhado”, afirmou a coordenadora.

Fasc

A coordenadora em exercício de Proteção Social Especial de Alta Complexidade da Fasc, a psicóloga Fernanda Moraes, afirmou que o atraso no pronto-pagamento está sendo reparado e, segundo ela, se restringe a esses dois locais. “Deve ter havido algum problema, mas não é recorrente. Esses abrigos geralmente recebem mensalmente o recurso”, garantiu. Sobre a instalação dos computadores empilhados no abrigo João de Barro, ela explicou que a Fasc estuda os serviços para instalar computadores e internet nas casas da rede, mas isso depende da parceria com a Procempa.

Ela explicou que a Fasc destina recursos para todas as necessidades básicas, embora também haja eventuais doações. “São 10 a 20 adolescentes em um espaço, então é natural que a manutenção seja constante. Além disso, nenhum espaço já vem pronto, casas não têm ainda estrutura de abrigo”, ponderou. Os serviços de saúde e educação são feitos em parceria com as secretarias correspondentes, mas algumas vezes há dificuldades no acompanhamento de saúde mental, segundo Fernanda. “Estamos tentando estreitar relação com os CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial)”, afirmou.

Frente e Direitos Humanos

A Frente Parlamentar da Situação de Rua foi lançada há cerca de uma semana e irá centrar em alternativas de moradia e educação, a partir de diálogo com o poder Executivo. Na segunda-feira (16), foi realizada a primeira reunião do grupo de trabalho que lida com esse objetivo, onde Sofia disse ter percebido uma “completa dissintonia” entre a Fasc e o Departamento Municipal de Habitação (Demhab). Os parlamentares vão realizar outras reuniões, tratando também do caso da Escola Porto Alegre (EPA).

Já a Comissão de Direitos Humanos tem visitado uma série de abrigos para crianças, com o intuito de produzir um relatório. Foi selecionada uma amostragem de 10% das 106 instituições do tipo existentes na cidade. Fernanda contou que o abrigo visitado nesta segunda-feira (6), o Sabiá 7, tem um bom acolhimento, mas reflete que o ideal seria haver políticas públicas para que crianças não precisassem ficar nesta situação.

Veja mais fotos: 

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Pátio da João de Barro | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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Arthur lendo o Diário Gaúcho | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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Arthur disse que gosta de jogar bola | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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Sofia Cavedon (E) conversando com Potira (D) | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Quarto na quero-Quero | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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Jovem fez cisne de origami | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
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Cozinha, onde jovens não entram | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

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