Areazero
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10 de dezembro de 2014
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13:15

Delimitação da zona rural de Porto Alegre causa polêmica e discórdia

Por
Sul 21
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Foto: Divulgação/PMPA
Projeto delimita novamente área voltada à atividade primáriaFoto: Divulgação/PMPA

Jaqueline Silveira

O restabelecimento da zona rural de Porto Alegre promete um debate quente nesta quarta-feira (10), às 19h, na Câmara de Vereadores, quando ocorrerá a audiência pública para discutir o projeto de autoria do Executivo. Desde 1999, com a entrada em vigor do novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), a Capital não tem área rural.

Pela proposta encaminhada pela prefeitura à Câmara, a zona rural contemplará cerca de quatro mil hectares da região Extremo-Sul voltados à agricultura, pecuária e ao extrativismo. A extensão corresponde a 8,28% da área total do município de Porto Alegre e abrangerá, parcialmente, as localidades do Lami (a praia não está contemplada), Canta Galo, Lageado, São Caetano, Belém Novo e Extrema. A limitação do meio rural foi definido por um Grupo de Trabalho (GT) criado pela prefeitura com a participação de secretarias municipais, da Câmara e de representantes do Sindicato Rural.

Presidente do Sindicato Rural, Cléber Quadros Vieira diz que o retorno do meio rural é uma reivindicação da entidade e dos produtores, que, segundo o dirigente, encontram dificuldades para ter acesso a financiamentos por oficialmente pertencerem à zona urbana. “Esse é um problema que está acontecendo na Zona Sul. A zona rural existe de fato, mas não existe de direito”, explica Vieira. Hoje,  Porto Alegre ocupa a 10ª posição entre as cidades do Estado que fornecem produtos a Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa). Hortaliças, pêssegos, melões, uvas e ameixas  integram a produção da zona rural, porém o cultivo da fruticultura não está no Extremo-Sul. A maioria dos agricultores está isento do Imposto Territorial Urbano (IPTU), chamado de rururbano, desde que comprovem que cultivam em pequena propriedade familiar.

Fruticultura tem presença forte na região|Foto: Luciano Lanes/PMPA
Fruticultura tem presença forte na região|Foto: Luciano Lanes/PMPA

A limitação da zona rural deve render muita polêmica, já que os ambientalistas, especialmente do Projeto Cinturão Verde de Porto Alegre, são contra o projeto por não contemplar as áreas de preservação, além de a proposta, de acordo com eles, não contribuir para frear a urbanização da Zona Sul, onde já foram erguidos loteamentos populares e condomínios de luxo e há projeções de novas construções. O grupo lançou, inclusive, um documentário (assista abaixo) de 28 minutos na noite de segunda-feira (8) . No vídeo, os representantes do coletivo mostram o desmatamento de algumas áreas, a preservação de outras, além do avanço da urbanização. Também há depoimentos de produtores ecológicos e de representantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Pesquisadora da UFRGS, Andrea Loguercio comenta que a  Região Sul “já perdeu alguma característica” e “vive uma expansão imobiliária”, além de sofrer com o desmatamento. Boa parte dos problemas, avalia ela no documentário, é devido à falta de zoneamento ambiental para estabelecer “o que o que pode e o que não pode”. A pesquisadora critica, ainda, a flexibilidade do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental  para permitir construções. “O Plano Diretor traz uma vertente ambiental, mas que, a todo momento, por um projeto de lei, por uma costura política, por uma costura imobiliária, ele pode ser modificado”, argumenta Andrea.

“Zona rural já nasce retalhada”

“As nascentes ficaram todas de fora”, argumenta o ambientalista Felipe Viana, do Instituto Econsciência, uma das entidades que integra o coletivo Cinturão Verde, sobre a área delimitada no projeto. Membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente, ele afirma que a sociedade civil não foi chamada para integrar o Grupo de Trabalho depois de sua reativação, em agosto de 2013. O GT foi instituído em 2012 com a participação das entidades, mas o trabalho foi suspenso devido ao período eleitoral. “O meio ambiente está todo fora (do projeto). O resto está suscetível a virar condomínio”, alerta Viana, que acompanha o assunto há 15 anos. “Para mim, o grande equívoco é que a zona rural já nasce retalhada”, avalia ele, acrescentando que o adequado seria a regularização das moradias já existentes na área e oferecer infraestrutura.

Porto Alegre tem a segunda maior área rural do país – só perde para Palmas, capital de Tocantins. Parte dela é de Mata Atlântica e cercada por 44 morros. A definição da zona rural proposta no projeto, conforme o presidente do Sindicato Rural, foi a viável. “Foi a possível, é melhor ter uma área preservada do que não ter nada, mas acho que é muito pouco. A gente tem o pulmão na Zona Sul”, argumenta Vieira. Ela afirma que os morros não foram contemplados porque já estão preservados em legislação. O presidente acredita que com esses 8,28% de zona rural assegurados será possível conter a “especulação mobiliária”, já que como área urbana não há como proibir as construções de loteamentos e condomínios.

Arquiteta da Supervisão de Desenvolvimento Urbano da Secretaria Municipal de Urbanismo, Andréa Oberrather diz que foi delimitada como zona rural a área que já está incluída no Plano Diretor como de produção primária, além de ser uma decisão do “gestor (governo)” quanto à extensão contemplada no projeto. “É essencialmente o Extremo-Sul”, acrescenta ela. Em relação às áreas de proteção ambiental, a arquiteta ressalta que “há dispositivos” no próprio Plano Diretor que protegem “os bens naturais” ao estabelecer restrições nesses locais.

Na audiência desta quarta-feira, os ambientalistas tentarão convencer a prefeitura a ampliar a zona rural para garantir uma maior preservação.


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