Donos da Cidade
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6 de novembro de 2023
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15:34

Com estudo de impacto ambiental ‘enganoso’, projeto da Fazenda do Arado avança na Capital

Por
Lidiane Blanco
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Fazenda do Arado, localizado na zona sul de Porto Alegre. Foto: Luciano Pandolfo/Smamus PMPA
Fazenda do Arado, localizado na zona sul de Porto Alegre. Foto: Luciano Pandolfo/Smamus PMPA

A reunião do Conselho do Plano Diretor (CMDUA) do dia 22 de agosto deste ano – que aprovou o Estudo de Viabilidade Urbanística para urbanização da antiga Fazenda do Arado – estava no ar há 15 minutos quando o arquiteto José Rodolfo Fork, responsável técnico da proposta, usou seu tempo de fala para dizer que concordava que o projeto deveria ser discutido com honestidade intelectual, responsabilidade ética e social. “Quero dizer que concordo que essas premissas devem ser a base do debate. Por isso, é essencial ressaltar que há alegações equivocadas de que o projeto está expandindo da zona urbana para a zona rural, quando na verdade está situado em zona urbana rarefeita. A flora e fauna serão preservadas. Além disso, a alegação de que o projeto poderia causar inundações ao bairro Belém Novo também carece de fundamento”, disse.

Ao finalizar sua manifestação, Fork pediu que os demais conselheiros considerassem esses princípios ao tomarem suas decisões naquela noite. Além de representante do empreendedor, o arquiteto também tem um assento no Conselho do Plano Diretor. A empresa dele, a Fork Projetos e Construções, presta serviço à Arado Empreendimentos Imobiliários, proponente do projeto.

O engenheiro Vinicius Galeazzi, conselheiro representante do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul, não esperou o início da votação – que ocorre no final da reunião – para emitir opinião contrária à implementação do projeto. Ao antecipar o voto, ele afirmou que a instituição [SENGE-RS] acredita que uma cidade ideal é compacta e equilibrada, e que deve ser economicamente viável e sustentável, o que não acontece quando há grandes distâncias e vazios urbanos. “A cidade merece ser inclusiva, democrática, não segregadora. Com esse projeto, o município vai expandir, crescer, o que vai encarecer para todos os porto-alegrenses. Entendemos também que os Projetos Especiais devem ser avaliados de diversas perspectivas técnicas e sociais, deve ter vocação pública e ser exceção e não se proliferar pela cidade”, afirmou.

Galeazzi também lembrou os colegas que a lei que aprovou o redesenho urbanístico do terreno não realizou estudo técnico para seu embasamento, há inquérito civil instaurado na 9ª Vara Federal de Porto Alegre, existe uma ação demarcatória da área indígena ainda em curso na Justiça, além do estudo de impacto ambiental e seu relatório que não tiveram validade e por isso estão sendo investigados. “Não existe novo EIA/RIMA. É judicialmente inseguro levar adiante esse processo. Portanto, nesse momento, classificamos a continuidade da tramitação desse EVU como prematura e irresponsável”.

“O que embasa o projeto para que ele possa tramitar? Sugiro que o senhor secretário tenha o cuidado de levar à Procuradoria-Geral do Município os questionamentos feitos pelo conselheiro Vinícius”, solicitou o conselheiro representante da Região de Planejamento 01, Felisberto Seabra. “O que há são tentativas vindas de opiniões divergentes e ingresso de ação judicial para tentar impedir a tramitação, mas nenhuma foi exitosa”, justificou o secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm. “Além disso, a PGM faz parte da comissão que aprovou o EVU”, complementou o secretário.

Dez conselheiros ligados a entidades de classe, universidade e representantes da comunidade seguiram o mesmo entendimento e votaram contrários à aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística do empreendimento. Foram favoráveis dois membros da comunidade, um representante da área da construção civil e todos os oito representantes do governo, definindo pela aprovação do EVU.

Em 2018, um inquérito policial foi aberto para apurar as denúncias de irregularidades e omissões no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). A Polícia Civil concluiu ter havido omissões sobre a existência de fauna ameaçada de extinção, como o gato-maracajá. As irregularidades também envolviam os estudos sobre o estágio da Mata Atlântica na Ponta do Arado, além da baixa altura do terreno nas áreas próximas ao Guaíba, em nível inferior ao estipulado pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para a construção de empreendimentos. A baixa altura exigiria um grande aterro dentro da Área de Preservação Permanente.

Esse mesmo estudo, declarado em parte como “falso/enganoso/omisso” no laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), embasou o Projeto de Lei Complementar elaborado pelo governo de Sebastião Melo (MDB) para mudar o regime urbanístico da Fazenda do Arado tornando-a adaptada para a construção do empreendimentos imobiliários, conforme apurou o Sul21.

A previsão da empresa é separar os 426 mil m² do terreno em 2.300 lotes para a construção de imóveis, o que trará um aumento populacional de 70% para o bairro Belém Novo. A audiência pública, exigida pela legislação para alteração do regime urbanístico, foi feita de forma virtual em 2021 – 50 pessoas se inscreveram para falar – cerca de 20 eram moradores da região. A Prefeitura também ofereceu a sede do Centro dos Funcionários da Assembleia Legislativa para quem quisesse participar presencialmente, mas com espaço limitado a 60 pessoas por conta da pandemia de covid-19.


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