Meio Ambiente
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8 de outubro de 2021
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16:01

Projeto na zona sul de Porto Alegre tem estudo de impacto ambiental considerado ‘falso e omisso’

Por
Luciano Velleda
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Orla do Guaíba, em Belém Novo, uma das áreas cobiçadas, hoje, pelo setor imobiliário. (Foto: Luiza Castro/Sul21)
Orla do Guaíba, em Belém Novo, uma das áreas cobiçadas, hoje, pelo setor imobiliário. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

O Projeto de Lei Complementar elaborado pelo governo de Sebastião Melo (MDB) para mudar o regime urbanístico da Fazenda do Arado, em Belém Novo, tornando-a adaptada para a construção de um grande empreendimento imobiliário, se baseia em um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) declarado em parte como “falso/enganoso/omisso”. A afirmação consta em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil concluído em maio deste ano.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) feito para subsidiar o projeto imobiliário foi produzido em 2012 pela empresa Profill Engenharia e Ambiente, para embasar a construção do empreendimento na área de 426 hectares (equivalente a 11 vezes o tamanho do Parque Farroupilha) da antiga fazendo do jornalista Breno Caldas.

Após a apresentação do EIA/RIMA, uma exigência do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA), surgiram dúvidas com relação a diferentes aspectos técnicos. Como as explicações dos responsáveis pelo empreendimento não foram consideradas satisfatórias, o estudo ambiental virou caso de polícia.

Um inquérito policial foi aberto e, em dezembro de 2018, a Direção do Departamento de Criminalística enviou uma equipe de peritos ambientais à Fazenda do Arado, no extremo-sul da Capital. O pedido de perícia fora solicitado pela Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente de Porto Alegre. O objetivo da missão era apurar as denúncia de irregularidades e omissões no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima).

Na ocasião, segundo parecer do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), as irregularidades envolveriam estudos sobre o estágio da Mata Atlântica na Ponta do Arado e sobre espécies ameaçadas, além da baixa altura do terreno nas áreas próximas ao Guaíba, em nível inferior ao estipulado pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para a construção de empreendimentos. A baixa altura exigiria um grande aterro dentro da Área de Preservação Permanente.

Outra acusação, essa feita pelo Coletivo Ambiente Crítico, se referia à omissão do termo Sistema Barreira Laguna IV, o que reduziria a sensibilidade ambiental da área e, portanto, beneficiaria o empreendimento. O Coletivo também apontou alteração nas cores do mapa sobre os sistemas lagunares, não diferenciando assim as classes de terreno e, novamente, podendo favorecer o projeto imobiliário.

A conclusão do inquérito policial que investigou a prática de crime contra a administração ambiental ocorreu em maio deste ano. Nele, a Polícia Civil afirma ter havido alteração nos mapas geológicos da área, e que o EIA não explicou os critérios utilizados para diferenciação entre “áreas úmidas” e “banhados”. As áreas de banhado impactam na definição das Áreas de Preservação Permanente (APP).

No topo do Morro do Arado, o inquérito policial também concluiu que houve omissão nos mapas do EIA sobre a existência de Área de Preservação Permanente (APP). Conforme o plano do empreendimento, no local está prevista a construção de um hotel.

A Polícia Civil ainda concluiu ter havido omissões sobre a existência de fauna ameaçada de extinção, como o gato-maracajá, entre outras falhas do EIA em relação às exigências do Termo de Referência da Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

Diante dos elementos apontados no laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), o inquérito policial concluiu que o Estudo de Impacto Ambiental do projeto imobiliário é “falso ou enganoso, inclusive por omissão”.

Poucos dias antes do governo Melo entregar à Câmara o Projeto de Lei Complementar nº 024/21, o Ministério Público Estadual (MPE) ingressou com ação civil pública com pedido de liminar para que a tramitação legislativa do projeto seja suspensa ou, caso a lei for aprovada, seja declarada nula.

O MPE apresenta uma séria de justificativas contrárias à proposta de mudança do regime urbanístico da Fazenda do Arado. Cita como uma das razões a ação que tramita na Justiça Federal obrigando a União e a Funai a realizarem o processo de identificação, delimitação e demarcação de possível terra indígena Guarani.

O órgão também alega que a mudança do regime urbanístico do Arado não pode ser feita fora do debate mais amplo do Plano Diretor da Capital. Segundo o MPE, é preciso aguardar a revisão do Plano Diretor para ser possível a elaboração de um Projeto de Urbanização específico para a ampliação do perímetro urbano.

O laudo do IGP também é usado como argumento. Para o Ministério Público Estadual (MPE), ao ser declarado como falso, enganoso ou omisso, é necessária a realização de novo estudo de impacto ambiental. O MPE ainda destaca que o EIA/RIMA elaborado em 2012 também não se refere mais a última versão do projeto imobiliário.

“Ausência de EIA/RIMA válido para instrumentalizar o Projeto de Lei Complementar correspondente ao Projeto Especial Ponta do Arado, nos termos do art. 57 do PDDUA, seja porque boa parcela dos estudos relacionados à proposta de alteração decorrem de EIA/RIMA reconhecido como falso/enganoso/omisso e todo o processo de licenciamento ambiental terá de retornar o seu curso a partir do zero, por força da alteração das regras do licenciamento, seja porque o projeto original do empreendimento, sobre o qual foi realizado o Estudo de Impacto Ambiental, dizia respeito a uma situação que não corresponde à atual, onde houve uma significativa ampliação do escopo do projeto, implicando em um maior adensamento populacional e cujos efeitos ambientais deverão ser objeto de novo EIA/RIMA por parte, agora, da FEPAM, em face da extensão da área envolvida”, afirma trecho da ação do MPE.

Após a divulgação do laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) atestando a “falsidade/omissão/enganosidade do estudo”, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) sustentou haver diferença entre o licenciamento urbanístico e o ambiental, e que as conclusões do IGP não seriam suficientes para impedir o envio do novo projeto de lei à Câmara.

A explicação da Prefeitura não convenceu os promotores da Promotoria de Justiça de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística do MPE. Na ação civil pública, os promotores afirmam que o local é de “extrema relevância e sensibilidade ambiental, o que também deve ser sopesado na alteração do regime urbanístico”.

Os membros do MPE ainda sustentam que o novo EIA/RIMA seja feito no prazo mínimo de um ano, considerando que os estudos e análises devem ocorrer em cada uma das estações climáticas do ano. E esse prazo, destacam os promotores, deverá coincidir com as discussões sobre a revisão do Plano Diretor da Capital.

“Mudar o Plano Diretor, em franja e para um empreendimento específico, sem saber se este é adequado do ponto de vista ambiental, é medida temerária e que pode causar graves riscos à ordem urbanística e à tutela ambiental de área tão significativa”, enfatizam os promotores na ação civil pública.

O pedido de liminar aguarda manifestação do juizado da 10º Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre.


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