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31 de julho de 2012
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10:52

Ingresso da Venezuela no Mercosul fortalece bloco na política internacional

Por
Sul 21
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Prensa Presidencial - Miraflores
"Com a matriz energética da Venezuela, o Mercosul e os países que dele fazem parte ganham peso", diz professor da UFF | Foto: Prensa Presidencial - Miraflores

Felipe Prestes

Atualizada às 15:52 do dia 1/8/2012

O ingresso da Venezuela no Mercosul, que será formalizado nesta terça (31), em Brasília, tem inúmeros reflexos, mas na política internacional reside um de seus principais impactos. Com a adesão de um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o bloco se fortalece nas negociações internacionais. “Com a matriz energética da Venezuela, o Mercosul e os países que dele fazem parte ganham peso. Na hora em que o bloco negociar na Organização Mundial do Comércio (OMC), terá um reforço importante”, exemplifica Eduardo Manuel Val, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) que tem o Mercosul como um de seus principais temas de pesquisa.

Para Eduardo Val, o ingresso da Venezuela pode, inclusive, dar mais um empurrão ao pleito brasileiro por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. “É mais do que comércio. Tem um caráter político, é estratégico nas relações internacionais”, afirma.

No comércio, é claro, a entrada do país caribenho tem também grande importância. A união aduaneira faz com que os países cobrem taxas semelhantes do ponto de vista formal, bem como as normas de controle sanitário ou de documentação necessária para o ingresso dos produtos. Isto facilita sobremaneira a interação econômica. “Vai aumentar a circulação de bens e mercadorias e facilitar que empresas participem de projetos e licitações, por exemplo”, explica o professor da UFF.

A Venezuela vai deixar, pouco a pouco, as regras aduaneiras que tinha adotado pelo Pacto Andino, bloco que deixou em 2006 e do qual faz parte a Colômbia, país do qual importa US$ 6 bilhões em matéria-prima por ano, para adotar as normas do Mercosul. “A Venezuela terá melhores condições de fazer isto com seus novos sócios”, afirma Val, embora ressalte que o próprio bloco ainda esteja, aos poucos, harmonizando as normas aduaneiras entre os países-membros. “Não temos toda a característica de mercado comum. Estamos em um processo”.

Além disto, o Mercosul também amplia sua área até o extremo norte do subcontinente, o que pode facilitar, inclusive, o comércio entre o bloco e países da América Central e Caribe. “Os venezuelanos já têm estas redes de comércio e distribuição, as quais poderemos aproveitar”.

Prensa Presidencial - Miraflores
Entrada de Venezuela no bloco pode até reforçar pleito brasileiro por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU | Foto: Prensa Presidencial - Miraflores

Venezuela pode alavancar investimentos em infraestrutura

Lucas Kerr, diretor de Pesquisas do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) e estudioso da integração energética regional, concorda com a importância do mercado venezuelano. “Só perde para Brasil e Argentina na América do Sul. Devido ao petróleo, a Venezuela tem superávit comercial com muitos países, até mesmo com os Estados Unidos. Por isto, ela não se importa em ter um grande déficit com o Brasil. Eles compram muitos produtos industrializados de nós”.

Ele afirma também que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já realizou vários estudos sobre as possibilidade de integração produtiva entre Brasil e Venezuela, o que pode se dar em amplos setores da economia. Além disto, a entrada do país presidido por Hugo Chávez no bloco dá mais confiança ao empresariado dos países vizinhos. “Muitos empresários dizem ter medo de investir na Venezuela, achando que podem ter suas empresas nacionalizadas, por exemplo. O Mercosul impõe uma série de salvaguardas institucionais”.

Kerr espera ainda da entrada da Venezuela no Mercosul maiores investimentos em infraestrutura, por meio do Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem) que faz investimentos a fundo perdido nos países membros – está melhorando, por exemplo, a rede que leva a energia de Itaipu até Assunção. “O Brasil põe muito pouco dinheiro no Focem. Era para colocar bilhões e bilhões. O Brasil tem plenas condições de investir os dólares que tem em excesso em infraestrutura na América do Sul. A Venezuela também tem dólares em excesso. Uma das coisas que falta ao Mercosul é investir pesado em infraestrutura. Talveza entrada da Venezuela dê um fôlego a isto”.

Entre os investimentos possíveis, está a retomada do Gasoduto do Sul, um projeto que está paralisado, e que forneceria gás venezuelano a Brasil e Argentina. “Garantiria segurança energética a Brasil e Argentina por bastante tempo. Seria importante especialmente à Argentina, pois volta e meia seu crescimento econômico esbarra na falta de energia”, explica Kerr. Outro investimento possível seria em hidrovias que unissem as bacias do Orinoco e do Amazonas. “As hidrovias ainda são o meio mais barato de transportar mercadorias pesadas”.

O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, prevê vantagens para a criação de empresas binacionais, o que até hoje não alavancou a criação de nenhuma grande empresa unindo dois países membros. A Venezuela, para Kerr, também poderia alavancar esta integração, ou então aumentar os consórcios entre os países. Neste aspecto, Brasil e Venezuela já têm um importante investimento conjunto, a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que uniu PDVSA e Petrobras.

Valter Campanato / ABr
Reunião de chanceleres em Brasília, ocorrida na segunda-feira (30), antecedeu oficialização de entrada da Venezuela no Mercosul | Foto: Valter Campanato / ABr

Kerr ressalta que o apoio do Brasil ao desenvolvimento das nações mais pobres do subcontinente é importante para a própria segurança do país, tendo em vista o tráfico de armas e drogas. “Não adianta pôr polícia na fronteira, tem que haver desenvolvimento. Os Estados Unidos têm mais fronteira com o Canadá que com o México, mas os problemas deste tipo são muito maiores no México”, exemplifica.

Integração de pessoas ocorre, apesar de pouco difundida

“Não é muito divulgado, mas qualquer pessoa do Mercosul tem o direito de trabalhar com carteira assinada nos demais países do bloco. Neste caso, profissionais brasileiros da área petrolífera, por exemplo, poderiam trabalhar lá e vice-versa”, conta Lucas Kerr, elencando como a integração com a Venezuela pode aumentar do ponto de vista da integração das pessoas. “Há, inclusive, a integração das previdências”, complementa.

Além disto, o diretor de Pesquisas do ISAPE relata que há integração na área educacional, embora ainda esteja patinando. “Há previsão de validação dos diplomas, mas o MEC é lento nisto. Outro problema é que os currículos escolares não são semelhantes nem dentro dos próprios países, quanto mais em todo o Mercosul”.

Na área do turismo, Kerr também prevê maior fluxo à Venezuela. “A gente esquece, mas a Venezuela faz parte do Caribe. Já é fácil entrar lá, mas a livre circulação de pessoas dentro do Mercosul facilitará ainda mais”. Ainda sobre a circulação de pessoas, Eduardo Val ressalta que já é possível obter um passaporte do Mercosul. “Te facilita a entrada. É documento mais consistente”, ressalta.

O professor da UFF acredita que pode haver um aumento considerável do intercâmbio cultural. “A Venezuela tem uma identidade bastante específica na América do Sul, por estar no Caribe. A troca cultural será riquíssima”, afirma. Val explica que o Mercosul possui protocolos que preveem a realização de eventos, a promoção da cultura dos países membros. “Em Porto Alegre, há a Bienal do Mercosul”, lembra.

Além disto, ele ressalta que a integração econômica também vai facilitar produções culturais comuns. “Há um caminho fantástico para a indústria do entretenimento. Por que não realizar produções audiovisuais conjuntas? Por que não favorecer traduções de obras literárias?”.

Correção: o cientista político Lucas Kerr não é mais diretor geral do ISAPE conforme havíamos publicado, mas diretor de pesquisas. Ele também ressaltou que há divergências se foi mesmo ultrapassada em PIB pela Colômbia, ou se permanece sendo a terceira economia da América do Sul, atrás apenas de Brasil e Argentina. 


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