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20 de fevereiro de 2011
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20:00

Daniel Bordignon: “O PT é um partido que choca por ter suas convicções”

Por
Sul 21
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Deputado Daniel Bordignon, líder da bancada do PT na Assembleia gaúcha/ Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

O petista Daniel Bordignon está no segundo mandato na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Nos dois próximos anos ele tem a missão de liderar a bancada do PT, a maior do parlamento gaúcho e a maior da história do partido na Assembleia. São 14 deputados. O ex-prefeito de Gravataí (1996-2000 e 2000-2004) tem, também, a tarefa de apoiar e defender o governador Tarso Genro, primeiro petista eleito no primeiro turno. Sobre o seu partido, ele afirma: “O PT é um partido que choca por ter suas convicções. Diante do PT ninguém fica neutro, pois temos bandeiras e as defendemos. Então, ou tu admira ou tu odeia o PT”.

Bordignon tem a expectativa de uma nova relação entre o executivo e o legilativo gaúchos. Em conversa com o Sul21, ele falou sobre a importância da ampla coalizão experimentada pelo PT na eleição do ex-presidente Lula. O deputado, responsável pela coesão da bancada petista, acredita na maioria construída por Tarso Genro e garante que a base aliada aprovará os projetos do executivo. Com a propriedade de um ex-líder do governo Lula no parlamento gaúcho, Bordignon discorreu sobre temas nacionais, como a relação da religião com a política, a origem do PT e a sua expectativa com a reforma política.

O líder petista criticou a postura da oposição ao governo gaúcho, que, segundo ele, faz um debate evasivo em relação aos projetos encaminhados à Assembleia até agora pelo governador Tarso Genro. Prevendo uma possível instabilidade na base do governo, em consequência das eleições municipais em 2012, ele foi enfático quanto às futuras composições do PT na disputa pela prefeitura de Porto Alegre: “Não tem chance de ficarmos com o PMDB contra os aliados da esquerda no Rio Grande do Sul”.

Sul21 — O senhor foi prefeito de Gravataí por dois mandatos e está no segundo mandato como deputado estadual. Além disso, é um dos quadros antigos do PT e integrante de uma importante corrente do partido. Com foi o seu envolvimento com a política e o PT?
Daniel Bordignon
— (Foi nos) Parque dos Anjos em Gravataí. Fui morar perto de uma fábrica de papelão. Toda semana chegavam dois, três caminhões com revistas. Então eu lia muito. Eu adorava as histórias americanas, (como a) Guerra da Independência. Sempre gostei de história. Minha formação teve muita influência das leituras que eu fazia fora da escola. Mas, minha família também sempre teve uma veia contra os ricos. Eu lembro que quando morreu Che Guevara eu tinha oito anos e chorei. Nós ouvíamos tudo no rádio e eu sabia o que estava acontecendo lá. Tínhamos a esperança de que as coisas iriam melhorar na época da ditadura militar, quando o Brizola voltasse do exílio. Então sempre tivemos identidade com a esquerda.

Minha família era do MDB e muito católica. E eu ia à missa todos os finais de semana. A Igreja era um dos poucos espaços de socialização durante o regime militar. Eu participava do movimento de jovens da igreja e do movimento sindical da indústria em que trabalhava. No mesmo período um cara chamado Luiz Inácio Lula da Silva liderava uma greve no ABC. Nós ouvíamos tudo por rádio. Logo em seguida veio a greve dos bancários, liderada por Olívio Dutra, e a da construção civil. O movimento estudantil foi para as ruas. Daí surgiu um desejo de que se tivesse um partido dos trabalhadores. O PT surgiu do fragor da batalha. Nós criamos um partido de esquerda pelos trabalhadores.

Ramiro Furquim/Sul21

“A revolução não se dá do jeito que a gente quer e, sim, do jeito que dá para fazer”

Sul21– Quais as mudanças pelas quais o partido passou e que, hoje, justificam as políticas de alianças, inclusive com partidos do centro, construídas pelo PT?
DB
— O PT surgiu de um desejo de revolução. Não é um partido da ordem. Não era um partido de nenhum cargo legislativo. Eram metalúrgicos, professores e estudantes. Em 1974, para a eleição ao Senado, o MDB elegeu 16 senadores e a Arena seis. O partido da ditadura foi derrotado. Não tinha mais base para a ditadura. Foi a transição lenta gradual e segura de Geisel. Mais tarde, no processo de formação do PT, em 1982, existiam duas táticas: a da transformação pelo processo revolucionário e a da ocupação de espaços na institucionalidade, disputando eleições. Optamos por disputar as eleições e elegemos apenas dois vereadores em Porto Alegre. Então, a revolução não se dá do jeito que a gente quer e, sim, do jeito que dá para fazer.

O PT foi se constituindo como um partido de esquerda. Resistimos à cooptação. Em 1985, não fomos ao colégio eleitoral. Fomos o único partido que não foi. Expulsamos três deputados do partido que foram. Nós votamos contra a Constituição de 1988. Portanto, o PT não é um partido igual aos outros. Ele polarizou o país. Evidente que, em 1990, com a queda da União Soviética e do leste europeu todo, aquela visão de esquerda mais tradicional, de tomada do poder pelas armas, como tinha sido na Nicarágua (1979) e Cuba (1959) mudou. Mudou a tática. Até porque não havia mais um ponto de apoio das revoluções no mundo inteiro.

Sul21 — Mas como entender a mudança nas ações dos representantes do PT? Há expectativas de que o partido aja dentro dos seus princípios. Por exemplo, as grandes reformas do país não aconteceram no governo Lula. O senhor acredita que a Reforma Política é a mais próxima de acontecer no governo Dilma?
DB
— Se não dá para fazer socialismo, vamos melhorar a vida do povo. Construir propriedades. Mas tudo sempre dependerá da correlação de forças. Vamos fazer o que dá para fazer. O secundário está sempre subordinado ao principal. A Reforma Política depende de maioria no Congresso. Uma coisa é a intenção do governo, outra é a maioria política parlamentar. Nosso sistema político tem graves distorções, que foram mantidas pela Constituição de 88. O sistema majoritário é importante para avanços sociais significativos no país. Se nós tivéssemos o sistema parlamentarista no Brasil seria muito difícil, pois o peso econômico é muito forte nos parlamentares e senadores. O Lula foi eleito em 2002 com quase 60% dos votos e o PT elegeu 82 deputados, em um universo de 513. O campo de esquerda que apoiou o Lula, originalmente, tinha em torno de 110 deputados. Para se ter uma ideia, em 1981, elegemos 11 deputados. Então, é importante ter a maioria. Compor um governo de coalizão, com ministérios pluripartidários. Atender aos interesses dos partidos e aos interesses estaduais. No Congresso, o governo federal tem maioria para votar as questões de interesse do governo, mas temas de interesse do PT não têm. No máximo, de 513 deputados, temos 150 que votam com o PT. Dependemos muito do PMDB, que também é um partido grande. Todos dizem que questões como a reforma política, bem como a tributária, são necessárias. Mas, não se consegue maioria para votar dentro do Congresso. Há muitos setores interessados na manutenção do atual modelo eleitoral, que distorce a representação no Senado, na Câmara.

Sul21 — Quais as são chances reais de sair a reforma política no Brasil?
DB
— Há um clima. A opinião pública está favorável, mas as chances são em aprovar alguns pontos, como voto em lista, fim das coligações nas proporcionais e financiamento público de campanha. O vice-presidente Michel Temer, que é presidente do PMDB, será importante e tem feito movimentos no sentido de uma reforma política. O sistema atual enfraquece os políticos e os parlamentares. Portanto, por um instinto de sobrevivência dos partidos tradicionais, deve-se, pelo menos, tentar fazer algumas mudanças no sistema de representação, para que os partidos possam ter controles sobre os parlamentares, pois acabam se elegendo pessoas que não têm nada a ver com a política, que resolvem um dia ser candidato.

Sul21 — A sua vivência religiosa e política justificam a pergunta: qual a influência da religião na política no século 21?
DB
— Tem peso. A Igreja latino-americana, de um modo geral, foi por muito tempo progressista. O que já não é hoje. A Igreja se tornou muito mais conservadora. A sucessão de papas, por exemplo, João XXIII e Paulo VI eram progressistas. O Paulo VI, inclusive, era chamado de comunista; era o “Cardeal Vermelho de Milão”. O papa que o sucedeu, João Paulo I, era considerado de esquerda e, ao que tudo indica, foi morto. João Paulo II já era mais conservador. A Igreja católica, historicamente na América Latina, apoiava os movimentos sociais, as lutas pela reforma agrária e contra o imperialismo. A partir do pontificado de João Paulo II, ela foi se aproximando das teses da direita. Mas dentro da Igreja existem muitos católicos com visões progressistas. Agora, até que ponto isto se relaciona com a política?

O Evangelho é o exemplo de luta social contra os ricos. O cristianismo é por essência libertador, contra a opressão, pela igualdade social.

Eu acredito que, de um modo geral, há muito sentimento de mudança e transformação. Por outro lado, como qualquer instituição que expressa a sociedade, existem as alas mais conservadoras. Hoje, elas estão sendo tensionadas. Os evangélicos votaram, em 2006, massivamente no PT, o que não ocorreu com a Marina (Silva, candidata à presidência pelo PV). A Dilma, no segundo turno, teve mais votos de evangélicos, mas os temas como aborto e pedofilia foram colocados pela direita e é evidente que o PT é um partido que choca por ter suas convicções. Diante do PT ninguém fica neutro, pois temos bandeiras e as defendemos. Então, ou tu admira ou tu odeia o PT.

Mas o PT amadureceu. Os seus quadros hoje aprenderam e têm mais humildade em não se achar donos da verdade. Hoje, somos mais capazes de ouvir. É o processo político.

Ramiro Furquim/Sul21

“Depois que chegamos a um acordo, não rachamos. É o que chamo de centralismo democrático”

Sul21 — No seu primeiro mandato como deputado estadual (2006-2010), o senhor foi líder do governo Lula. Nesta legislatura, será líder da bancada do PT. O que muda na sua forma de atuar na Casa?
DB
— A bancada do PT representa a metade dos 28 votos que o governo precisa para aprovar projetos. Então, a coesão da bancada é fundamental. Todos os olhares estarão na bancada do PT. Se nós tivermos divergências internas ou vacilarmos em alguns projetos, a oposição utilizará isso contra o PT. Até porque, embora tenha uma ampla coalizão, o discurso da oposição é que “é o governo do PT”. O que é bom. Porque quando dá certo é também um governo do PT.

Sul21 — Como será a articulação das diversas correntes do PT para garantir a unidade do partido do governador Tarso Genro?
DB
— Todas estão representadas na bancada do PT. A minha corrente é a Democracia Socialista e tem cinco cadeiras. Mas todos os partidos têm correntes. A corrente dos outros partidos é a partir do mandato de deputados. E as correntes são opiniões. As pessoas tem que ter opinião. Historicamente, o PT se construiu por tendências, mas não quer dizer que ele está imune à união por interesses. Mas, o que une são as ideias. Depois que chegamos a um acordo, não rachamos. É o que eu chamo de centralismo democrático, que é o máximo de liberdade de discussão e o máximo de unidade de ação. O PT nunca votou separado. Eu vou articular o partido, coordenar o debate na bancada e afinar com as demais bancadas. Ajudar a líder do governo, Miriam Marroni. A maioria será construída não apenas no caráter formal. É (construída) na política diária e vai se externar no debate do plenário e nas manifestações junto à sociedade. Não dá para ter uma maioria dentro da Assembleia e não ter junto à população, quando se vai ao interior. Tem um exemplo que é interessante. Em 1986, o PMDB teve uma oportunidade de ouro. Elegeu 308 deputados federais e só perdeu um estado no senado. Tinha maioria absoluta. Se tivesse unidade no partido teria feito o que tinha que fazer. Perdeu-se a oportunidade.

Sul21 — O governador já realizou diálogos diretos com os partidos de oposição, como fez durante a campanha e na transição de governo. O diálogo com a oposição será feito pelo governador ou pela líder do governo Miriam Marroni?
DB
— Nós somos o partido do governador, temos 14 deputados e temos um papel. Os demais partidos da composição também têm o seu, mas não impede a governança de dialogar com a oposição. O governador pode se dirigir diretamente aos deputados. Ele pode delegar isso à Casa Civil ou à assessoria legislativa ou fazer isso diretamente. Isto é valorizar o papel dos partidos. A democracia existe na diversidade.

Sul21 — A oposição ao governo na Assembleia é composta por cinco partidos: PP, PPS, PSDB e DEM. É, praticamente, o mesmo número de partidos da base aliada (PT, PSB, PCdoB, PDT, PTB).
DB
— A oposição ao governo hoje é maior do que no primeiro governo do PT. Na gestão do Olívio Dutra tínhamos 19 deputados com o governo, 13 de esquerda e mais seis do PDT. A oposição tinha 36. No governo Yeda nós tínhamos 10 deputados do PT, um do PCdoB e dois do PSB. Total 13, contra 42. Hoje temos 32 e a oposição 23. É muito mais equilibrado hoje. A maioria não é muito maior hoje. É do tamanho necessário. Em sistemas mais avançados, como na Itália, Inglaterra ou Alemanha, o partido que ganha eleição tem maioria no Congresso. Então, normalmente, os presidentes tem maioria. Quando o sistema é muito pulverizado, como no Brasil, para construir maioria é necessária a ampla coalizão. Aqui o Tarso fez 55% dos votos. Há alguma dúvida sobre a vontade do povo gaúcho? O povo não quer que a oposição tranque o governo, porque quer a execução do programa apresentado pelo governador.

Ramiro Furquim/Sul21

“O RS está atrasado em relação ao restante do país. Não podemos perder tempo para nos recuperar”

Sul21 — Mas o debate com a oposição não é legítimo, para que exista o controle e a fiscalização das ações do governo na aplicação deste programa?
DB
— O debate tem que acontecer quando apresentado os projetos. O governo tem todo o interesse de debater. Mas, com a estrutura que cada deputado conta na Assembleia, 40 dias são suficientes para analisar e debater os projetos. São 40 assessores na bancada para analisar os projetos. Pode votar tudo em uma semana. Existe tudo na internet, ao acesso de todos. Temos mecanismos de consulta, divulgação e transparência. As informações não são monopolizadas. Tudo está ao acesso da população. Não é possível que se leve seis meses para aprovar um projeto de interesse do estado do Rio Grande do Sul. Um mandato de quatro anos de um governador não pode ficar submetido aos interesses de uma minoria. A crítica do PT sobre a urgência em governos anteriores não é argumento. Eu, por exemplo, nunca fiz esta crítica. Eu já fui prefeito e sei o tempo da gestão pública. A demanda é grande e, com o tempo de quatro anos, não temos continuidade administrativa garantida, então, processos de mudanças ficam no meio do caminho. O RS está atrasado em relação ao restante do país, vários índices nós perdemos. Não podemos perder tempo para nos recuperar. O governo Yeda, por exemplo, enviava projetos com urgência no terceiro e quarto ano de governo. Urgência de dois dias. E, eventualmente, precisa mesmo. Existem editais que abrirão em um dia e fecharão no outro e precisa de projeto com aprovação do legislativo, tem que enviar com urgência. O interesse público tem que estar acima das formalidades. E, no começo do governo Yeda, já foi traído o programa apresentado para a população. Aprovou-se com urgência, em dois dias, um projeto para aumentar impostos. Dois dias consideramos pouco, agora, 40 dias, dependendo das circunstâncias, é muito.

Sul21 — A apresentação do projeto que considera, ainda que de forma restrita, beneficiar ex-governadores com aposentadorias, não é uma atitude que vai contra os princípios do PT? A posição de muitos petistas é de que os ex-governadores não deveriam receber qualquer remuneração.
DB
— Este debate não é uma questão de princípios do PT. Nós temos uma visão republicana. Os aposentados tem que ser todos pelo INSS. Logo, não dá para ter desigualdades na aposentadoria. Em princípio. Existem circunstâncias especiais. Como deixar um ex-presidente sem proteção? Não. A pessoa que lida combatendo o crime, na linha de frente de assuntos de todos os interesses do país, não deve poder ser facilmente sequestrado. Então, esta é uma ponderação razoável para fazermos no caso dos ex-governadores. O PT tem sim a posição pelo fim dos privilégios, mas temos que analisar as situações. A pensão até agora é superior ao salário do governador. O beneficio ficava para os filhos e para a viúva. Agora, apresentamos um projeto que cria um auxílio financeiro na metade deste valor, para dar uma dignidade ao final da vida deste governador. Não conseguiríamos nem ao menos aprovar alguma proposta diferente disso. Existem posições diversas dentro da Assembleia Legislativa. Propostas do PT já tinham sido apresentadas pelo Raul Pont e pelo Flávio Koutzii e não houve nem sequer acordo para colocar em votação. Nós (PT) achamos mesmo que tem que extinguir. Até o Tarso pensa isso. Mas, foi apresentada uma proposta que possa, pelo menos, transitar e talvez ser aprovada. Ao menos moralizamos a situação.

Sul21 — A criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) foi criticada pela oposição como um instrumento de enfraquecimento do legislativo. Qual a influência no trabalho dos parlamentares destes tantos espaços de consenso no governo, como o CDES, o conselho político do governo, as comissões da Casa Civil?
DB
— O Conselhão tirou legitimidade da Câmara ou do Senado? Não teve alteração. É um órgão consultivo e de debate com os setores da sociedade. Mas ouvir as sugestões da sociedade é fundamental em todos os modos de participação popular. Este discurso é utilizado pela oposição para tentar desqualificar o Conselho ou dizer que há um plano do executivo para reduzir o papel do parlamento. Não é real. Muito pelo contrário. Não tem como aprovar leis ou projetos sem ser dentro da Assembleia. As comissões da Casa Civil são para facilitar as negociações. As democracias direta e representativa têm que andar juntas e ouvir a sociedade é dever do estado.

Sul21 — Com base no discurso da oposição, que critica a forma como as propostas foram encaminhadas ao legislativo, mas não o conteúdo dos projetos, o senhor diria que, no fundo, a oposição concorda com o conteúdo?
DB
— Quando fica na forma não vai à essência. É impossível a oposição atacar o mérito do projeto. Por isso, se apega nos aspectos secundários. Se não houvesse envio de projetos, a oposição iria criticar, porque não foram enviados projetos. Se enviasse sem urgência, iria questionar que deveria ter urgência. É assim a falta de política. Esta oposição é diferente das de outros governos. Quando ganhamos o governo pela primeira vez a eleição foi muito apertada. Depois, em 2002, disputamos e perdemos por quatro pontos. E depois de novo disputamos a eleição e por quatro pontos a Yeda se elegeu. Agora fizemos o dobro dos votos de toda nossa história e fomos eleitos em primeiro turno. Está claro o desejo do povo de que este governo tem que fazer o que prometeu. Tem dois meses que o governo está instalado e não houve transição. A ex-governadora não favoreceu o acesso aos dados. E ainda temos uma anomalia de não assumir no legislativo ao mesmo tempo que o executivo (assume). Ficamos um mês de férias. Isso atrasou o envio dos projetos do governo. Mas, seguimos o Congresso. Mas, lá tem Medida Provisória. Os governadores não têm esse mecanismo. Então, os parlamentares ficam um mês descansando e voltam exigindo que o governo não mande projetos para 30 dias. O debate para eles é difícil. A população nos deu o poder para mudar a vida do estado e é isso que eles vão nos cobrar daqui quatro anos. Quando a oposição critica o salário do chefe de gabinete do secretário da Saúde, que cuida de 11 milhões de pessoas, por receber R$ 4 mil, ele não está olhando para o seu chefe de gabinete que ganha R$ 11 mil.

Ramiro Furquim/Sul21

” Nós somos uma aliança original, que elegeu o governador com três partidos de esquerda: PT, PSB e PCdoB”

Sul21 — Na votação do reajuste do salário mínimo nacional a relação entre o governo Dilma Rousseff e a base governista no Congresso Nacional se mostrou conturbada. E no RS, quando for discutido um tema com reflexo direto na sociedade, o que pesará na votação? O interesse dos parlamentares ou a unidade da base aliada de Tarso?
DB
— Aqui na Assembleia Legislativa a base aliada será unânime. Os projetos do governo terão no mínimo os 32 votos da base do governo. Os projetos de lei de reestruturação administrativa e políticas públicas, que são de interesse do executivo, tenho certeza que a articulação feita pelo governador Tarso Genro terá êxito. Temos que entender como funciona a realidade do RS. Nós somos uma aliança original, que elegeu o governador com três partidos de esquerda: PT, PSB e PCdoB. Era a base do Lula em 1989. Este é o núcleo do governo. Depois, na coalizão, entrou o PDT e o PTB, que são duas vertentes do trabalhismo, oriundas de Getúlio Vargas. Somos uma base de esquerda que chega ao centro-esquerda, nem ao centro. Então temos um plano de governo programático. Nenhum destes partidos defende uma política pública neoliberal, do estado mínimo. Defendemos as estatais e os trabalhadores. Este bloco histórico nos une. Os projetos apresentados pelo governador nestas semanas vêm ao encontro deste programa. Uma coalizão, que não está centrada num programa ideológico, na mesma visão de mundo, terá evidentemente alguns momentos de incisão do governador na base política. Como, por exemplo, o governo Britto. Quando ele vai para a privatização das estatais, ele se choca com os princípios do PDT e do PTB. Quando o PDT optou em apoiar o PMDB eu falava para os deputados aqui na Assembleia: para implementar o programa feito pelo José Fogaça, fatalmente haveriam choques com o PDT. A tendência era que o PDT rachasse e os partidos de direita, com mesmo espectro político que o PMDB, como DEM e PSDB, entrassem no governo. Não há nenhuma chance de que estes partidos entrem no governo estadual agora. O próprio PSDB teve que abandonar o programa deles para governar. Então, na Assembleia, o governo não é uma justaposição de partidos. A base política é programática e sintonizada com o programa apresentado na eleição.

Sul21 — A Lei de Responsabilidade Fiscal moraliza as administrações estaduais e municipais ou cria problemas para os gestores? Como desenvolver um município e respeitar esta norma?
DB
— Eu fui prefeito por quatro anos com esta lei já em vigor. O gestor tem que ter responsabilidade. A lei é boa. Não dá para a prefeitura se endividar e gastar mais do que arrecada. Tem que haver planejamento. Evidentemente que, em alguns momentos, as leis se chocam com a realidade. A lei é criada no ideal, de como as coisas devem ser, mas, como diria Nelson Rodrigues, tem a vida como ela é. A prática da vida, às vezes, contradiz as leis. Em casos onde há descalabros de saúde e educação, tem que haver flexibilidade. Se o município tem baixa arrecadação, a aplicação desta lei é algo fatal para a gestão. Compromete a saúde das pessoas, faltando médico em hospitais. Este é o dia a dia das decisões de um prefeito e de ou um governador. Nomear ou contratar.

Sul21 — Em 2012, com as eleições municipais, a disputa pela prefeitura de Porto Alegre poderá trazer instabilidade à coalizão do governo? Existem, pelo menos, três partidos que desejam ser cabeça de chapa.
DB
— O governador tem consciência disso. Ele já colocou isso para alguns partidos no almoço que tivemos no palácio com base. Ele expôs que é preciso debater as eleições municipais e Porto Alegre será nosso desafio. Não podemos ter divisão no governo. Precisamos coezionar bem os interesses dos partidos que querem ter chapa. Os partidos que compõem o governo deverão trabalhar para estarem juntos nas eleições municipais. Onde? Onde der.

Sul21 — Mas o PT, o PCdoB e o PDT já declararam interesse e nomes para as chapas. Os três partidos estão no governo. Como equacionar isso?
DB
— Mas o próprio PT ainda terá que resolver internamente seus candidatos. Tem o Adeli Sell, a Sofia Cavedon o Adão Villaverde, entre outros nomes bons. Dependerá da construção coletiva. Porém, é evidente que há uma afinidade maior entre PT, PCdoB e PSB. Nós tendemos a nos compor. O PDT ingressou na coalizão depois e não apoiou o governador no primeiro turno, além de ter um governo na Prefeitura de Porto Alegre aliado a partidos de direita. A bancada do PT sinalizou ao prefeito (José Fortunati) que um reforço do PMDB no governo significaria um distanciamento do PT nas eleições. Ele fez este reforço. A possibilidade de compormos com partidos de direita contra partidos de esquerda é zero. Ou o prefeito faz uma guinada à esquerda e convida PSB e PCdoB para o seu governo hoje, em detrimento da direita, ou não haverá consenso.

A esquerda não acabou. Defendemos nosso conjunto de princípios socialistas. Mas, na disputa à prefeitura de Porto Alegre, o cenário é complexo. O PMDB está com o PT em nível nacional. Na verdade, o PT está onde deveria estar. Estamos com o governo federal, com o governo do estado e aliados a partidos de esquerda. O problema é do PDT. Nós temos posição. No nosso projeto não cabe o PSDB e o DEM. Temos incompatibilidade sanguínea. Em muitos casos temos esta incompatibilidade com o PMDB. Não tem chance de ficarmos com o PMDB contra os aliados da esquerda no Rio Grande do Sul.


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