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24 de dezembro de 2012
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07:58

Márcio Pochmann: Natal será de grande consumo, mas menos aquecido que 2010

Por
Sul 21
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Sentido religioso do Natal agregou valores comerciais que hoje são fundamentais para movimentar a economia | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

O filho que volta para casa do exterior para estar com a família. O renascimento de um bebê. A criança que espera o Papai Noel. São inúmeras as representatividades e símbolos dos sentidos e emoções que envolvem o Natal, reproduzidos como mensagens comerciais nesta época do ano. O sentido religioso e espiritual original desta celebração agregou valores comerciais que hoje impulsionam a economia. Em entrevista ao Sul21, o economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann, explica que o período das festas de final de ano é de maior consumo devido à injeção do 13º salário. Embora prevendo um Natal de comércio aquecido, ele não crê em números como os de 2010, quando o final do governo Lula foi marcado por um aumento significativo da classe média.

Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os oito itens mais consumidos no Natal tiveram elevação média de 9,8%. Entre eles estão as nozes, o frango especial e as avelãs. Apesar disso, o economista que presidiu o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) acredita que, devido à ascensão social dos brasileiros nos últimos anos anos, este Natal terá uma ceia mais brasileira. “Já tivemos em outros Natais, quando a nossa moeda estava muito desvalorizada, muitos produtos importados na mesa. Não deve ser o caso este ano. Temos também um aumento das viagens para o exterior de famílias que agora podem ver o Natal em outros países”, fala.

“O Natal é mais apelativo em termos de publicidade”, argumenta Márcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O Natal, antes de tudo, é um evento econômico?
Márcio Pochmann – Há o que os economistas chamam de comportamento sazonal. Ao longo dos doze meses do ano nós temos períodos de baixa e alta. De maneira geral, isso não inclui a produção agrícola, apenas produção urbana: nós tendemos a ter um segundo semestre mais forte do que o primeiro, influenciado evidentemente pelos eventos do final de ano. Isso também se soma ao aporte de renda que existe no Brasil nesta época, que é o 13º salário. É injeção de um salário a mais do que o tradicional, que se recebe em duas etapas, mas concentrado em um único mês. Como vivemos em uma sociedade capitalista, isto é uma oportunidade para impulsionar vendas sazonais em determinados setores. Mas não é exclusividade do Natal. Na Páscoa há a questão do apelo principalmente para a compra do chocolate. O mesmo acontece com determinados produtos no Dia das Mães, Dia dos Pais e Dia das Crianças. São eventos que foram sendo constituídos no Brasil, com impulso tradicional nas vendas. Porém, as festas de final de ano tendem a ter o adicional salarial, o que gera mais apelo. A indústria se prepara antecipadamente para atender esta demanda. É o período de atração para o setor de serviços e comércio.

Sul21 – A publicidade do Natal parece ser mais forte. Historicamente, temos a influência de grandes marcas como a Coca-Cola, que mudou a cor do Papai Noel para vermelho, por exemplo. Por outro lado, os comerciais relacionados ao Natal estão cada vez mais emotivos. Há uma transformação do sentido da data na sociedade em função do apelo ao consumo?
Márcio Pochmann – Sim. O Natal é mais apelativo nesse sentido. Ao acompanharmos o volume das vendas nos setores do comércio, constatamos que é um evento com maior dinâmica comercial. Sem dúvida que este evento se transformou em um evento comercial. Em sua origem não tinha este sentido. Surgiu sem ter esta característica propriamente dita. Foi se constituindo ao longo do tempo como uma data religiosa e de congraçamento com a proximidade da virada do ano. Os calendários gregorianos e chinês, em que a mudança não segue o calendário ocidental, também trazem outro sentido. O espírito comercial acabou surgindo, mas também traz um aspecto positivo para a organização da produção, venda e geração de emprego no final do ano.

Renda extra de 13º salário, trabalhos temporários e horas extras é disputado por comércio e serviços | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Podemos dizer que o Natal deste ano terá grandes diferenças de consumo, comparado com anos anteriores? As pessoas estão com mais dinheiro e, portanto, vão consumir ainda mais, movimentando a economia?
Márcio Pochmann – O adicional de renda que ocorre por força do 13º salário, ou da renda de contratações de trabalhadores temporários, ou da ampliação da jornada com hora extra para atender a demanda de compras – toda essa renda extra é disputadíssima. Para onde vai esta renda adicional? Dois segmentos fortes a disputam. O consumo e o comércio e serviços disputam a apropriação desta renda. De outro lado, tínhamos anteriormente a participação dos bancos, que facilitavam o pagamento de contas com taxas de juros ou estímulo a rendimentos na poupança para o cidadão poder comprar depois os produtos com preços elevados ao seu orçamento. Essa disputa continua. Tivemos um acréscimo no endividamento das famílias brasileiras – e mesmo diante de uma taxa de juros menor, pagar dívidas atrasadas continua sendo melhor do que mantê-las em troca da ampliação do consumo. Acredito que parcela importante do adicional deriva para compras entre os brasileiros. Diante dos crescimentos econômicos mais fracos dos dois últimos anos, ainda teremos um final de ano bastante empolgado de consumo, mas não no mesmo ritmo de 2010, quando houve a explosão da ascensão social do final do governo Lula.

Márcio Pochmann: “A grande mudança na base da pirâmide social simbolizada pelo aumento da classe média está sendo pautada pelo quê? Pelo consumo?” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Qual relação o senhor faria entre esse aumento do poder aquisitivo das famílias, as políticas dos governos Lula-Dilma e os reflexos na relação do consumo?
Márcio Pochmann – De maneira geral, Natal e final de ano são eventos para relação comercial no mercado interno. Com a elevação da renda no Brasil, alguns segmentos começaram a ter a possibilidade de viajar para outros países e passar o Natal no exterior. Isso é outro aspecto positivo. De qualquer modo, há um problema de consciência política escondido nessa situação. Segundo pesquisa recente da Fundação Perseu Abramo, 70% dos entrevistados que representam a nova classe média se consideram trabalhadores e não classe média. Para parte desta parcela da sociedade, a ascensão social está ligada aos méritos próprios e não a uma política de governo. Eles não compreendem que isto é também reflexo de decisões políticas. A política está cada vez mais distante deste segmento. Eles não vão para partidos políticos, associações de bairros ou movimentos estudantis. Nem mesmo para igrejas. E é este segmento vai liderar o Brasil daqui a dez anos. A grande mudança na base da pirâmide social que este segmento representa hoje está sendo pautada pelo quê? Pelo consumo? Isso é uma debilidade dos segmentos emergentes.

“O reposicionamento da taxa de câmbio é um fator real na economia, que acredito que gera um fator maior, que é a valorização dos produtos de natureza nacional” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – E qual o reflexo dessas mudanças na ceia do brasileiro? Teremos uma mesa mais farta, com produtos diferenciados?
Márcio Pochmann – O reposicionamento da taxa de câmbio é um fator real na economia, que acredito que gera um fator maior, que é a valorização dos produtos de natureza nacional. Já tivemos em outros Natais, quando a nossa moeda estava muito desvalorizada, muitos produtos importados na mesa das famílias brasileiras na hora da ceia. Isso, de certa maneira, não estará refletido neste Natal. Por outro lado, esta pressão de consumo termina fazendo com que tenhamos elevação ocasional dos preços. Porém, isto não se sustenta nos outros meses subsequentes.


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