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30 de março de 2019
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12:12

Quem foram as primeiras jornalistas do Brasil? Exposição homenageia mulheres da imprensa

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Sul 21
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Capa da publicação ‘O Sexo Feminino’. Imagem: Divulgação/Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Giovana Fleck 

“A mulher patrícia não pode penetrar os arcanos da questão, na sua maioria, escrava da religião, dos trapos, das joias, dos bombons e do salário – não pode pensar senão pela cartilha dos dogmas, das modistas, das vitrinas e da luta pelo estômago. A religião, em constante conflito coma  ciência, tem na mulher a alavanca reacionária contra a evolução para feitos mais altos.”

O parágrafo foi publicado em 1922, em uma das impressões do periódico literário ‘O Corymbo’. Criado e editado pelas irmãs Revocata Heloísa e Julieta de Mello, o jornal teve sua primeira impressão em 1884. O Corymbo foi uma das primeiras publicações brasileiras que se atreveu à pautar notícias sobre as mulheres que não se relacionassem com moda, beleza ou os cuidados da família.

“Era comum que as mulheres tivessem as artes como hobbie; na poesia, no bordado, na pintura… Poucas se aventuraram na escrita diária, sendo publicadas”, explica Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, coordenador do setor de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa. Essas mulheres escreviam sobre política, sobre o voto e sobre as injustiças do patriarcado.

“Nos próprios túmulos do cemitério se vê; a mulher é sempre esposa de alguém. Ela é importante, sim, mas nunca está no espaço de decisões políticas”, afirma o coordenador. Por conta disso, no mês da mulher, o museu decidiu resgatar em seu arquivo publicações assinadas por brasileiras que fazem parte da história do jornalismo. Em formato digital, a exposição ‘Imprensa Feminina: As Pioneiras” integra outro espaço que homenageia poetisas da literatura brasileira.

O Sexo Feminino (1873 -1874), O Corymbo (1883-1943) e o Escrínio (1899-1909) foram selecionados e digitalizados por serem três periódicos dirigidos por mulheres e que se constituíram em espaço de difusão de textos de autoria feminina e circularam nesse recorte histórico-temporal.

Ainda que as publicações representem uma importante conquista de espaço, Costa Leite explicita que a temática feminina raramente encontrava ideias feministas. “Os jornais são para mulheres, mas muitos discursos são para os homens, são para os pais dessas mulheres, maridos.  Foi uma tendência, uma coisa que aos poucos foi transformando”, afirma.

Em 2018, a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Constância Lima Duarte publicou um livro onde compila todas as publicações assinadas por mulheres no século XIX. Na obra, ao acompanhar a luta feminista pela evolução dos periódicos, Constância explica que, depois da educação, veio o direito ao trabalho. “É interessante que a Igreja, sem querer, ajudou nisso. Começou a abrir as escolas, então insistiram que deviam ser mulheres que deveriam ensinar as meninas, para evitar o contato de meninas com homens estranhos à sua família, então a primeira profissão para as mulheres foi de professora. A segunda profissão foi médica, você acredita? A mesma coisa. Mais no final do século, começa um movimento de que mulheres é que deviam olhar o corpo da mulher, cuidar de mulheres. Já tinha as parteiras, então a faculdade de medicina em 1875 abre para moças”.

A pesquisadora lembra que a palavra feminista já existia desde o século 19, mas que, assim como hoje, as publicações muitas vezes eram contraditórias, ao trazerem textos defendendo a educação ao lado de outros ensinando as moças a serem boas esposas. No livro, ela analisa que a mesma contradição se repete em dias atuais. “Nós temos na mesma revista um artigo, uma matéria feminista, defendendo a educação das meninas, como se deve educar hoje as meninas, falando que os pais não podem tornar as meninas inseguras, abrir os horizontes, e ao lado tem as receitas, as formas de receber, e parece que a sexualidade da mulher é toda voltada para agradar o homem.”

Em 1873, uma publicação que buscava quebrar essa lógica era ‘O Sexo Feminino’. Circulando em Minas Gerais, o jornal contou com 44 números assinados pela editora D. Francisca Senhorinha da Motta Diniz e suas colaboradoras. “Essas e outras mulheres estavam impulsionadas por um amplo movimento de redefinição da mulher na modernidade e vinham a utilizar-se do meio impresso como espaço para suas várias reivindicações”, afirma Roberto.

‘O Escrínio’, outra publicação resgatada pela mostra, foi idealizado pela escritora e líder feminista Andradina de Oliveira em 1898. Nascida em Porto Alegre, Andradina se mudou para Bagé onde começou a imprimir cópias da publicação. O jornal, no entanto, deixou de ser publicado em 1911. Andradina já havia deixado a produção diária para se dedicar ao filho doente. No entanto, em 1912, publicou uma série de ensaios chamada ‘Divórcio’, onde defendia o divórcio pleno à todas as mulheres em casamentos infelizes. A obra lhe custou a perseguição da Igreja Católica. Andradina deixou Porto Alegre buscando refúgio no anonimato em São Paulo, onde faleceu em 1935.

“Essas histórias marcam o nosso jornalismo. Marcam a nossa história e a luta das mulheres. E isso não se ensina nas escolas ou nas faculdades, por isso precisamos mantes essa memória viva nos espaços históricos”, afirma o curador. A exposição sobre imprensa feminina segue disponível no museu de terças a sábados, das 9h às 18h.


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