Opinião
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13 de março de 2024
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06:49

O crescimento da economia em 2024 será diferente do de 2023 (por Flavio Fligenspan)

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

No primeiro dia de março o IBGE divulgou as informações sobre o desempenho do PIB brasileiro em 2023, confirmando-se o resultado projetado por muitos analistas durante o segundo semestre do ano, de um crescimento de 2,9%, com destaque para a Agropecuária (15,1%), pela ótica da oferta, e para o Consumo das famílias (3,1%) e as Exportações (9,1%), pela ótica da demanda. Deve-se lembrar que há uma relação forte entre o desempenho da Agropecuária, com a super safra agrícola de 2023, e as Exportações, com presença significativa de produtos primários.

O Consumo das famílias se destaca por sua taxa de crescimento e pelo peso que tem no PIB total – quase dois terços –, mas é importante verificar a desaceleração que ocorreu ao longo do ano. No início de 2023 a taxa acumulada em quatro trimestres era de 4,7% e no fim do ano a taxa foi de 3,1%. No entanto, a informação que mais chama atenção é a taxa negativa da Formação Bruta de Capital Fixo, popularmente conhecida como Investimento (-3,0%). As taxas da Formação de Capital não entusiasmavam desde 2022, mas pelo menos não haviam chegado ao terreno negativo, o que aconteceu na segunda metade 2023.

Se o Consumo das famílias desacelerou ao longo de 2023, o PIB total simplesmente estagnou no segundo semestre de 2023, com taxas de crescimento zero nos seus dois trimestres, o que nos deixa um legado frágil para 2024. Tão frágil que, se o nível do PIB do final de 2023 se mantivesse por todo 2024, teríamos neste ano uma taxa de crescimento de apenas 0,2%, o que os economistas chamam de “taxa de carregamento”. Mas é certo que isto não vai acontecer. Neste momento, tal como aconteceu no ano passado, as previsões já estão melhores do que se fazia em janeiro. Lembre-se que no início de 2023 boa parte das projeções de crescimento giravam em torno de 0,8%, taxa que foi continuamente elevada durante o ano, chegando no meio do segundo semestre a aproximar-se dos 2,9% que realmente ocorreram. Agora, desde janeiro as projeções já passaram de pouco mais de 1% para algo próximo de 2%.

No entanto, as fontes de expansão da atividade em 2024 serão diferentes das que a sustentaram em 2023. Como se comentou anteriormente, no ano passado foi a super safra agrícola – com destaque para a soja e o milho –, o Consumo das famílias e as Exportações que explicaram o desempenho da economia. Ocorre que os fatores que apoiaram tal desempenho não se repetirão ou, pelo menos, não com a mesma intensidade: a safra agrícola de 2024 será até um pouco menor que a safra recorde de 2023; o Consumo das famílias não se beneficiará tanto das variáveis que o influenciaram positivamente em 2023; e o mercado internacional não absorverá nossas exportações – principalmente as agrícolas e as da extrativa mineral – com a mesma combinação favorável de alta de preços e quantidades.

Atendo-se ao Consumo das famílias, em 2023 houve uma conjunção positiva de: melhora sensível do mercado de trabalho; redução além da esperada da inflação, com destaque para a queda dos preços da alimentação no domicílio; início do ciclo de queda dos juros; aumento real do salário mínimo; e gasto adicional com transferências governamentais, em especial o Bolsa Família. Ora, estes fatores levaram a um aumento inesperado da renda das famílias que desembocou na expansão do consumo, mas isto não vai se repetir da mesma forma em 2024. O que pode acontecer de melhor neste ano são os efeitos da continuidade da queda dos juros, a elevação de rendimentos médios devido à pressão de demanda por trabalhadores qualificados em alguns setores, e os efeitos positivos dos programas de renegociação de dívidas de pessoa física.

Neste momento, diante da incerteza sobre o desempenho dos vários fatores que influenciam o Consumo das famílias, ainda não se pode ter certeza sobre qual será o crescimento desta variável em 2024. Mas tudo indica que a Formação de capital e a Construção civil terão taxas positivas não desprezíveis. A continuidade da redução dos juros, a expansão do crédito e uma série de obras de infraestrutura que estão sendo anunciadas, tanto pelo setor público como pelo setor privado, além de melhoras institucionais em curso, darão sustentação a taxas positivas. A Formação de capital e a Construção civil bem podem colher os frutos das novas inversões da agenda ESG no Brasil, não só em 2024, como nos anos a seguir. As manifestações recentes de grandes empresas estrangeiras, destacando a posição privilegiada do Brasil nesta agenda e os movimentos internacionais de relocalização industrial, apontam neste sentido.

É interessante observar que nosso grande gargalo dos últimos anos, a taxa de investimento, pode ter números bem melhores em 2024, até pela entrada do capital estrangeiro, mas aí aparecerá um outro problema, que é a carência de mão de obra qualificada para um novo ciclo de expansão. Basta lembrar que a sequência de duas recessões nos últimos dez anos (a de 2014-2016 e a da pandemia) retirou do mercado muitos trabalhadores treinados e não os repôs. Além disso, o processo de mudança demográfica segue ocorrendo, os problemas crônicos de formação técnica permanecem e, na melhor das hipóteses, as mudanças educacionais em curso, como o novo ensino médio, vão demorar muito tempo para produzir resultados.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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