Opinião
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7 de janeiro de 2024
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17:45

Com a cobra no bolso (por Céli Pinto)

Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Céli Pinto (*)

A entrevista do Ministro da Defesa José Múcio Monteiro, publicada no sábado, dia 6 de janeiro, na Folha de São Paulo (p. A5) não deixa dúvidas sobre sua posição e sua completa inadequação a um governo que se apresenta como de centro-esquerda e defensor da democracia. Isto posto, vejamos algumas passagens da entrevista sobre o 8 de janeiro de 2023:

“A esquerda com raiva, achando que as forças Armadas quiseram dar um golpe, e a direita com raiva porque não deram o golpe. Então fiquei com as Forças Armadas e tentando defender as pessoas…”

Porque o ministro ficou com as Forças Armadas? De que esquerda ele fala? Se a direita era representada por Bolsonaro, a esquerda seria o governo?  Sem dizer, o Ministro está dizendo que, se as Forças Armadas achassem que o golpe seria a medida certa, ele aderiria. Declara que ficou defendendo as pessoas. Que pessoas? Um Ministro da Defesa tem de defender o país, as instituições, não pessoas! E mais: Ministro, o senhor realmente acredita que as Forças Armadas brasileiras não têm cor política? Por favor, um pouco de História do Brasil lhe faria bem.

Continuando,  afirma:  “As Forças Armadas não deram o golpe porque não quiseram”. E ele ficou com as Forças Armadas. Fica claro que ele não teria o poder de impedir o golpe que tenta passar, mas que estava do lado das FAs. Raciocinemos: e se elas quisessem dar o golpe, de que lado ele ficaria?

Mais adiante: as pessoas, que estava defendendo pareciam ser seus parentes. “Sempre gostei de dizer a verdade. Havia parentes mesmo. Até hoje tenho relações sequeladas com alguns parentes por conta dessa questão eleitoral.”

Com todo respeito, Ministro, o povo brasileiro, o governo a que o senhor aceitou servir não tem nada a ver com as posturas golpistas de seus parentes, nem poderiam sofrer consequências da monta que sofreram porque o senhor tinha parentes acampados na frente dos quartéis, pedindo um golpe de estado. 

Ainda, para minimizar a tentativa de golpe de 8 de janeiro, afirma: “não havia comando único, não havia liderança … era verdadeiramente um bando de baderneiros, foi um movimento de vândalos” Seus parentes?   Ora, Ministro, não subestime os leitores e as leitoras de sua entrevista.  Esta gente estava acampada na frente dos quartéis desde a vitória de Lula. Se seus parentes não são os financiadores, ou não se autofinanciaram, o senhor poderia perguntar a eles quem os financiou? As barracas, os carros de som, a alimentação, o transporte?  E mais, senhor ministro, o senhor os chama de vândalos. Para sua ilustração, no sentido próprio, o termo vândalo refere-se a uma tribo germânica que invadiu o Império Romano no século V.  Seus parentes são vândalos apenas no sentido figurado, são golpistas, vivandeiros de quartéis.  (talvez nem tenham estado lá, seja apenas uma desculpa sua)

Ao responder se se considera um general sem farda, afirma: “Acho o máximo, eu gostaria que dissessem mais. Porque todas as vezes que dizem isso as Forças ficam satisfeitas. Veem em mim uma pessoa que trabalha por elas. Um dia um competente deputado do PT disse isso num discurso, que era na realidade um ministro das Forças Armadas, não do governo junto às Forças. Você não pode imaginar como isso me fez bem junto às Forças.”

É difícil acreditar que um Ministro qualquer se vanglorie de ser ministro de uma corporação do Estado e não do governo a que serve, mas este cândido senhor declarou isto com todas as letras. Tal declaração admite duas interpretações: ou ele diz isto para não se identificar com o governo, a quem estranhamente serve, ou porque se considera um herói, há um ano o queridinho das forças Armadas, e assim está evitando um golpe. Em quaisquer das duas possibilidades, o governo Lula tem um grande problema para resolver, com nome e sobrenome. É difícil crer que José Múcio Monteiro seja o baluarte da democracia brasileira.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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