Opinião
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8 de setembro de 2023
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18:24

Editorial: Leite está surpreso. O Sul21, não

Em setembro de 2023, Vale do Taquari foi devastado pelas chuvas. Fotos: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
Em setembro de 2023, Vale do Taquari foi devastado pelas chuvas. Fotos: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Editorial – Sul21

A tragédia que assola o Rio Grande do Sul nos últimos dias já é uma das maiores de nossa história. Dezenas de mortos, milhares de desabrigados e desalojados. “De tão irreconhecíveis, parece que soltaram uma bomba”, descreveu um morador de Lajeado sobre as cidades da região do Vale do Taquari, as mais atingidas pelas enchentes.

Diante do caos, o governador Eduardo Leite tem insistido no discurso de que as autoridades foram surpreendidas pela magnitude da tragédia. Primeiro, Leite jogou a responsabilidade para os modelos matemáticos de previsão dos institutos meteorológicos, que não teriam indicado o volume de chuva que atingiu o Estado. A Metsul Meteorologia não deixou por menos, divulgou uma nota dura, com links para notícias anteriores às chuvas, advertindo para a possibilidade de volumes acima de 300 mm na metade norte gaúcha.

Não foi suficiente. Em entrevista à GloboNews, Leite voltou a dizer que a chuva intensa não havia sido prevista. Foi então a vez do jornalista André Trigueiro, que acompanha a pauta ambiental há décadas, rebater o governador, lembrando que o discurso é o mesmo repetido por outros políticos, sempre que ocorre uma tragédia como essa. Leite não gostou, acusou o repórter de falta de empatia, e o clima esquentou ao vivo.

A surpresa do governador, entretanto, só pode se explicar pela desimportância que a pauta ambiental tem em sua gestão, e que não é surpresa nenhuma para quem a acompanha de perto. Vejamos:

Muito antes desse episódio, entre junho e julho de 2020, o RS e SC foram atingidos por dois ciclones-bomba, que causaram perdas de vidas humanas e grandes prejuízos materiais. Na ocasião, Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia da UFRGS e coordenador do Laboratório de Climatologia, do Centro Polar e Climático da Divisão de Climatologia Polar e Subtropical da UFRGS, alertou que aquele era um cenário que vinha para ficar e até se intensificar nos próximos anos. Cabe perguntar, o que fez o governo do Estado a respeito?

Se você acompanha o Sul21 com regularidade, provavelmente sabe que a pauta ambiental não é exatamente um tema do qual o governo Leite possa se orgulhar. Em uma retrospectiva do ano de 2021, por exemplo, expomos as controvérsias do governo envolvendo o assunto. Da falta de ação para preservar o pampa, bioma que tem sofrido a maior remoção da vegetação nativa dentre todos os biomas do Brasil, à aprovação do autolicenciamento ambiental, são inúmeros os movimentos do governo Leite, desde o primeiro mandato, que provocam críticas fervorosas de ambientalistas. Ainda em 2021, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) alertava que o “discurso verde” do governador, levado à COP26, na Escócia, priorizava o mercado e não a proteção ambiental.

Da chuva à seca, outro fenômeno climático que tem castigado os moradores do Estado nos últimos anos, sem que o poder público aja em tempo e à altura do que necessita a população, a natureza vem mostrando há anos e com cada vez mais intensidade que os governantes não têm a opção de relegar a pauta ambiental a segundo plano. Em Porto Alegre, não é diferente. Árvores ao chão, prédios ao céu poderia ser o slogan do prefeito Sebastião Melo.

Exercendo nosso papel no jornalismo local, cobramos recentemente da Prefeitura da Capital qual o plano para enfrentar a crise climática. A resposta que obtivemos é que ele está sendo preparado e será apresentado em julho de 2024. Infelizmente, nem precisamos esperar o plano oficial do Município para saber qual o caminho trilhado por Porto Alegre. Em uma das reportagens da série especial Que Porto É Esse?, publicada em 2021, mostramos os rumos do “extrativismo sem limites” na cidade. O geólogo e professor da UFRGS Rualdo Menegat alertava na ocasião que a preocupação com a “carga” que o ecossistema da cidade pode suportar, em especial o Guaíba, deveria balizar o planejamento urbano. Contudo, avaliava que as transformações em andamento na cidade vão no sentido oposto. Em 2022, ele mantinha análise semelhante: ‘Porto Alegre é uma cidade ambientalmente abandonada

Diante de tais escolhas, podem ainda nossos governantes alegar surpresa?

Aqui mais informações sobre como doar aos atingidos pelas enchentes.


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