Opinião
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26 de setembro de 2023
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14:05

A economia cresceu! Surpresa! Mas…para quem? (por Marcelo Milan)

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Marcelo Milan (*)

A divulgação dos dados do PIB para o segundo trimestre de 2023, no dia 01/09 (o número é anunciado sempre na mesma data para que os picaretas das previsões não errem inclusive o dia da divulgação) pelo ótimo IBGE, trouxe, supostamente, uma surpresa. Ninguém, ou melhor, nenhum adivinhadeiro pesquisado pelo levantamento semanal do Banco Central, ‘previu’ o resultado. Na verdade, o resultado foi três vezes maior que a mediana das ‘preerrevisões’ (não corrija, revisor!), ou o que se chama consenso (do nonsense). E quantas vezes ainda maior no caso da previsão ‘de menor valor esperado’. Ou seja, surpresa só para os embusteiros que mal sabem o que comeram no jantar do dia anterior (só lembram que foi caro e provavelmente bancado pela viúva). E mesmo que tenha sido feijão moyashi, eles sempre arrotam caviar ouro branco. Não sabem. Não têm como saber. E também não precisam saber, pois não importa. Enquanto houver otário comprando previsão, haverá esperto vendendo. Assim como leite de cobra. Os que nunca acertam suas previsões darão as desculpas (sempre as desculpas…) que Márcio Pochmann já está manipulando as estatísticas do IBGE e que a bananilga está numa sofrência econômica danada. 

A picaretagem não se observa apenas na Bananilga. Os ‘analistas’ (pausa para gargalhar) da OCDE, por exemplo, deixaram clara sua inutilidade. Em 17 de Março eles ‘previam’ 1% de aumento anual para o PIB do País. Menos de três meses depois, em 7 de Junho, revisaram para 1,7%. Um aumento de 70%! No dia 19 último, a previsão explodiu para para 3,2%, quase 90% de revisão frente a três meses atrás! E mais de 200% em relação ao relatório de Março!!! Definitivamente, eles não sabem o que estão fazendo… Repetindo: P-I-C-A-R-E-T-A-S !!! É claro, além da impossibilidade objetiva, os Nostradamus do ‘mercado’ e os ‘analistas’ das instituições auxiliares do ‘mercado’ deveriam evitar cheirar suas ‘carreiras’ antes de divulgarem seus chutes… Olhem só a vida boa dos fanfarrões da OCDE: os caras trabalham em Paris, na sede do organismo. Pegam um macaco e fazem ele atirar um dardo em um disco com números para previsões. E depois de umas cafungadas, divulgam o número como se fosse previsão científica! E depois vão flanar, ops, ‘viajar’ em Paris! Baudelaire não faria (lima) melhor.

Os embusteiros fazem uma revisão seguida de outra, em um intervalo curto de tempo, quando os principais aspectos da economia não podem mudar tanto (por inércia, histerese e carregamento estatístico – o que deveria facilitar a vida de qualquer vidente sério). Por óbvio, se há revisões frequentes, as previsões anteriores estavam erradas (isso mesmo sem os dados reais serem disponibilizados). E como as previsões de hoje serão revistas depois de amanhã, isso quer dizer que estão erradas também. Os erros em sequência deveriam afetar a reputação de quem sempre erra. Mas como essa não existe, não faz diferença. As adivinhações como tentativas de antecipar o futuro são inúteis. Ou melhor, servem apenas para continuar a enganar aqueles que pagam (caro) para serem enganados. O cálculo do PIB passado já é por si só complexo. Por isso o IBGE demora dois meses para divulgar o resultado… Só esse PIB existe de fato e só ele pode ser conhecido com certeza, e mesmo assim sujeito a revisões (legítimas, neste caso).

A questão central não é nem mesmo avaliar as previsões para um trimestre ou semestre, pois como tem muita gente chutando (querem vender leite de sucuri para os incautos de qualquer jeito), a chance de alguém chutar menos longe do gol é grande. É em períodos mais longos que se mostra de forma mais clara a capacidade de errar o tempo todo. No longo prazo cronológico a jiripoca pia. (Cer)Veja bem: estamos no final de Setembro. São meros três meses para a terra fechar sua voltinha ao redor do sol. E o pessoal que vende previsão está batendo cabeça desde o ano passado (quando chutavam uma expansão de 0,8% para 2023) tentando prever (ou fingindo tentar) o PIB de 2023… Ou seja, a surpresa com os dados do segundo semestre só vale para quem faz previsão furada, mesmo sabendo (ou talvez não, porque ignorância e economia andam juntas) que o futuro é ontologicamente imprevisível. 

Os trapaceiros querem substituir um problema ontológico por uma (falsa) solução baseada em uma suposta fundamentação epistemológica, adotando técnicas consideradas (por eles mesmos) sofisticadas do ponto de vista dos instrumentos mobilizados e da capacidade cognitiva necessária para manipulá-los (e nunca para questioná-los em sua serventia). Mas a incapacidade de previsão é uma restrição fenomênica estrutural que não pode ser modificada por qualquer arranjo intelectual ou idealista, ainda que o empreendimento de adivinhação fosse sério. Mesmo que todos os gênios da humanidade passassem a estudar a economia (e não a teoria econômica), em lugar da atual malta desqualificada, não conseguiriam prever o futuro.  

Tentar prever o futuro utilizando modelos estatísticos é, assim, como utilizar uma bomba nuclear para destruir um micróbio desconhecido. Ou mobilizar um acelerador de partículas para dar vida material à mão invisível. A bomba, por seu fundamento científico, dá uma segurança para quem lança ou mesmo para quem avalia o fenômeno. Ela funciona, mesmo que para motivos torpes. Mas nenhum físico sério defenderá o uso do dispositivo explosivo para matar micróbios, ainda mais desconhecidos. Ou seja, a bomba é desenvolvida a partir de uma ciência de verdade, diferente da economia. Por outro lado, as previsões econômicas não têm muitos efeitos ou mesmo danos importantes, além de enriquecer indevidamente quem as vende e enviar sinais sobre como o colegiado operando para o ‘mercado’ (copom) deve se comportar no caso do levantamento do BC. 

Por outro lado, nem todo mundo erra seus chutes. Lula acertou na previsão, até porque não é economista e não tem um vigarista para chamar de ‘seu posto ipiranga’. Mas é voluntarista ou ingênuo em acreditar que é apenas uma questão de trabalho do governo. Por mais que o desgoverno anterior não trabalhasse para valer, caso fizesse algum esforço positivo poderia até ser pior. Para o médio e longo prazo, a ação do governo não é definidora da dinâmica capitalista (as previsões erram por várias razões, inclusive por manterem a crendice de que o crescimento, no capitalismo, depende da situação fiscal do governo). A questão fiscal pode ter alguma influência no curto prazo, como visto no caso do estelionato eleitoral proto-fascista de 2022 e na flexibilização fiscal limitada negociada (a peso de ouro – não necessariamente na bíblia ou no pneu do trator, mas na CAIXA…) no final do ano passado. O resultado de 2023 reflete em parte (e só em parte) as medidas adotadas, isto é, a flexibilização da austeridade imbecil do teto de gastos. Contudo, o governo caminha para perder um pouco da sua reduzida influência com contingenciamentos frequentes. Só este ano já foram quase R$ 4 bilhões bloqueados das áreas sociais (é claro) para se enquadrar aos imperativos da Faria Lima e do rentismo. O crescimento de curto prazo poderia até ser um pouco maior… 

Mas que atividade econômica cresceu até agora? Cabe lembrar que a economia agregada é uma ficção. Uma síntese que dá uma ideia geral do todo, embora incompleta, e que esconde diferenças setoriais, regionais, raciais, de gênero, de classe etc. Do ponto de vista dos capitais e dos valores de uso, o setor de seguros influenciou o desempenho do setor de serviços, por exemplo. Estariam as pessoas que compram seguros (ricos e classe média) com um maior medo de perder algo? O agroatraso, hoje desesperado pelo fim do roubo representado pelo marco temporal, se retraiu na comparação com o rápido aumento no trimestre anterior (sim, produzir soja, com concentração no primeiro trimestre, é condição sine qua non para o desenvolvimento, como mostra a história econômica…). E a acumulação de capital, que dá a dinâmica do capitalismo ao longo do tempo, já era baixa e estagnou na comparação. Além de ser muito volátil. Agora vem a chorumela de injetar bilhões a fundo perdido (na verdade reinvestido no mercado imobiliário de Miami) na ‘neoindustrialização’. Vão culpar as taxas de juros… Mas seria essa a razão para a baixa capacidade de acumulação de capital? 

Como argumentado em outro artigo, a taxa de juros estratosférica na bananilga não exerce muito efeito primário sobre a dinâmica da renda real tanto quanto sua distribuição, pois, assim como no caso da alta inflação, a sociedade fica anestesiada e aprende a conviver com ela e a aceitar deixar os rentistas mais ricos, mas apenas de forma gradual. A sociedade cria arranjos para suavizar as transferências. Por exemplo, pelas compras parceladas sem juros visíveis. Bob Fields Grandson, que tem orgasmos apenas de ouvir a palavra ‘juro’, quer acabar com isso. É R$ 1 trilhão ou 10% do PIB que seus comparsas e patrões deixam de ganhar (e o bônus para a galera que não acerta suas previsões comprar feijão moyashi…). Mas e então? O comércio está perdendo renda financeira, as empresas de maquininhas estão perdendo renda financeira ou os consumidores estão ganhando R$ 1 trilhão ao ano? Mestre Fligenspan explica de forma didática o truque (mais um truque da economia dos bobos). Em uma economia financeirizada, os juros vão para os detentores de ativos rentabilizados pela… taxa de juros! Se os principais agentes do parasitismo são os rentistas, o resto do capital financeirizado, incluindo o capital comercial (atacado, varejo e atacarejo) e o industrial, não deixa de receber sua parcela. Elementar, meu caro Joseph Who Hella. Assim, o efeito da política monetária é muito mais distributivo que determinante da trajetória da renda real (não de seus eventuais movimentos ou flutuações) na primeira rodada (e como a distribuição afeta a dinâmica dos gastos, ela afeta a atividade apenas em um segundo momento). 

O que cresceu no segundo trimestre então? O consumo das famílias. Endividadas. Consumo à vista ou parcelado com juros embutidos mas que, dado o anestesiamento, não impede o gasto. Os salários pararam de cair e experimentam algum ganho. A flexibilização do austericídio permitiu elevar as transferências para o andar de baixo. E também o gasto público, com a brecha aberta pelas negociações no final de 2022. Isso permitiu ampliar o bolsa família e elevar o salário mínimo. E ao governo gastar mais. Todavia, mesmo com o PAC 3, que é extremamente tímido, não há como manter um crescimento sustentado das demais rendas, isto é, das rendas não financeiras, com base nestas despesas. 

Assim como Dilma, o presidente Lula e seu ministro da fazenda, garoto de recado da finança, acreditam que o investimento privado, doméstico e estrangeiro, virá forte algum dia. Esperem Godot também. Aliás, o ministro desaprendeu tudo o que aprendeu no mestrado em economia pela USP. Após a divulgação do crescimento pelo IBGE, afirmou que crescimento neste ritmo e com a taxa de juro do seu subchefe Bob Fields (os chefes de fato estão na Faria Lima) é milagre…pausa para gargalhar. Para quem não consegue pensar fora da caixinha do financismo e dos adivinhadores do passado, é isso mesmo. Ou é surpresa ou é milagre. Não sabe que a taxa elevada em grande parte apenas garantirá que a maior parte deste crescimento pontual vá para os parasitas. A expansão das economias capitalistas tem uma dinâmica (ou falta dela) própria que escapa aos haríolos. 

Ou seja, a economia agregada, no prazo mais longo, não seguirá com este ritmo de crescimento, que não é surpreendente para ninguém que conheça as desventuras do capitalismo periférico nas repúblicas bananeiras. Mas por outras razões. E uma razão menor é o próprio calabouço fiscal, desenhado para travar o crescimento e que acaba tendo algum efeito negativo. E a razão maior é a incapacidade crônica da burguesia nacional de acumular e reproduzir seus capitais em bases efetivas e ampliadas. Ou seja, a estagnação secular da bananilga não é previsão. É determinação estrutural. Sua base é ontológica. Portanto, os charlatões que vivem de previsões furadas nada sabem da economia (isto é, de relações econômicas no mundo real). Pensam que fazer modelinhos irrelevantes auxilia na previsão da economia real, que felizmente opera fora das suas mentes esquizofrênicas. Apenas fingem prever o que não pode ser previsto para seguir vendendo leite de jiboia, utilizando a desculpa da surpresa (ou do milagre) para sua inutilidade. 

(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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