Opinião
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12 de agosto de 2023
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17:39

Animal antipolítico (por Alfredo Attié)

Desembargador Alfredo Attié (Divulgação)
Desembargador Alfredo Attié (Divulgação)

Alfredo Attié (*)

Um criminoso absoluto, que nunca foi político. Nunca foi político porque se pôs contra a política. Seu mundo é o mundo privado e não o mundo público. O mundo privado do mero interesse. Interesse próprio.

Criminoso absoluto porque o crime não é ato excepcional, mas normal, compõe o seu cotidiano, caracteriza o seu modo de viver e de se apresentar perante os outros. Outros que não importam, não são considerados a não ser da perspectiva do interesse próprio.

Em sua mesquinhez e mediocridade, compreende plenamente o que faz. Faz o que quer fazer porque entende ter direito a cometer crimes – marca de seu dia a dia, voltado para si e os seus.

Está convicto de que tem direito e dever de cometer crimes. Em vista disso, compõe o seu modo de ser e de agir.

Mesquinhez, mediocridade, covardia se unem para que ele apenas insinue e dê ordens a pessoas que a ele se subordinam docilmente e praticam os atos necessários a atingir aqueles interesses, ilícitos no modo como se perpetram e na maneira como se escondem. Agem como se o mundo estivesse restrito a sua vida privada e ao que podem auferir de seus crimes. Por isso agem às escondidas, tentam encobrir o que fazem.  Sigilo de cem anos, viagem secretas, presentes da corrupção ocultados, atos de venda simulados. Sobretudo a imposição de medo às outras pessoas. Ofensas, que também são crimes, atos de crueldade. Alianças com o oficial e o inoficial para cometer crimes, vistos como conduta normal para atingir o interesse próprio, tirando do alheio seus direitos para que se transformem em privilégios.

Foi tratado por boa parte da mídia e por boa parte da sociedade brasileira como legítimo governante. Mas chegou à presidência porque cometeu crimes. Por esses, não foi condenado, tendo em vista o despreparo de instituições para compreender o que se passava ou mesmo por uma aliança de instituições por entenderem que o que se passava fazia parte da política.

Absolvido pelo ministério público, pelo judiciário, pelo poder legislativo, pela justiça eleitoral. Mesmo com todas as evidências desse agir interesseiro, antipolítico e antijurídico, permaneceu quatro anos ostentando a posse de um cargo que nunca exerceu. Deixou de ser considerado incapaz de exercer esse cargo, em razão de mais uma omissão institucional. Passou a circular como ex- e buscou fingir que seria ex-. Ex-o que nunca foi.

Seus aliados ocuparam o espaço de poder. Muitos ali permanecem, impedindo de mil maneiras que o governo democrático volte a se impor, para que direitos, deveres e políticas públicas determinadas pela Constituição voltem a ser o fim e o modo normal de governar.

A sociedade somente vai se libertar da tortura de sua presença se passar a agir convicta de que se tratava não de um caso de política, mas de polícia. Um ator antipolítico e antijurídico, inimigo da Constituição, que viveu em casa durante todo o tempo, cuidando de si e dos seus. Chamou sua casa de palácio. Chegou a emprestar um de seus palácios a um aliado. Nunca ocupou espaço público algum, a não ser para importunar e prejudicar.

As instituições acordaram a tempo de impedir que novos crimes levassem a uma nova concessão de mandato ilegítimo – não a tempo de impedir que seus métodos e seus aliados e aliadas criassem raízes no poder – mesmo que frágeis raízes. Ações de ordem administrativa (inquéritos no judiciário e administração da justiça eleitoral) determinaram o fim de sua tentativa de reeleição. Perceberam que o golpe estava tramado para o caso de as ações ilícitas para alterar o resultado eleitoral não vingarem.

Prisões preventivas de aliados. Perícias. A corrente se fechou, rapidamente, após aquele despertar institucional. Falta o passo decisivo que fará ruir pretensões e farsas de aliados aparentemente obstinados e de fanáticos submissos.

A coragem de dar esse passo fará cair o palácio de ilusões que trouxe a casa do crime para a sede da república.

(*) Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Presidente da Academia Paulista de Direito

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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