Opinião
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19 de setembro de 2022
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07:49

Economia brasileira: recuperação em formato de raiz quadrada (por Flavio Fligenspan)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Flavio Fligenspan (*)

As estatísticas mais recentes da conjuntura econômica nacional entusiasmaram diversos analistas com algumas surpresas consideradas positivas, como a recuperação além da esperada do mercado de trabalho, em que pese a grande proporção de novas vagas criadas na informalidade – e com rendimentos baixos – e o grande número de trabalhadores classificados como subutilizados.

A discussão sobre tais surpresas positivas, que já vem ocorrendo desde o início do ano, chegou até mesmo a provocar a alteração das projeções de crescimento para 2022; no primeiro bimestre se pensava em algo entre 0,5% e 1% para o crescimento do PIB e agora algumas instituições chegam a projetar 2,5%. É interessante observar que todos que aumentaram suas expectativas para o crescimento deste ano fizeram, simultaneamente, uma redução de projeções para 2023, demonstrando o quanto não acreditam na sustentação de um ambiente de crescimento. Ou seja, os fatores de estímulo atuais, muito ligados à tentativa de Bolsonaro melhorar seus índices eleitorais, não se manterão no ano que vem, e até pelo contrário, tendem a ser revertidos, funcionando como estímulos negativos. Além disso, as taxas de juros elevadas e seus efeitos negativos na economia devem permanecer em 2023, e com muita força.

Sem querer negar a efetiva melhora de alguns indicadores, é importante não perder de vista que a tal melhora não pode ser generalizada. Pelo contrário, a análise da evolução da Indústria de transformação, do Comércio varejista (na versão “ampliado”, que engloba Veículos e Material de construção) e dos Serviços passa muito mais uma ideia de estabilidade no último um ano e meio do que outra coisa. E se alongarmos o período de análise para o início de 2020, tomando como ponto de partida os meses de pré pandemia, o que se vê na análise gráfica é uma recuperação em formato de raiz quadrada, isto é, uma queda abrupta principalmente em março e abril de 2020, seguida de uma recuperação mais lenta – num intervalo de seis a oito meses – e uma longa estabilidade desde o início de 2021. Esta mesma conclusão sobre a forma da recuperação, inclusive com um título semelhante, já havia sido referida numa coluna de agosto do ano passado, agora confirmada com um maior número de informações.  

E se observarmos com um pouco mais de detalhe, a produção física da Indústria e o volume de vendas do Comércio estavam no último mês de julho – estatística mais recente – em posições inferiores às que já vivenciaram desde o início da pandemia. Ou seja, sequer sustentaram os níveis de recuperação que já alcançaram no passado recente. Para ser exato, a Indústria produzia em julho 4,6% menos do que o pico atingido em janeiro de 2021 e o Comércio, 7,6% menos que o pico de novembro de 2020.

 

Serviços tem uma dinâmica própria: demorou mais para construir sua retomada, mas a partir da vacinação e da reabertura das atividades presenciais, tem sustentado suas taxas de crescimento a ponto de em julho último exibir um volume 8,9% superior ao de pré pandemia. Curioso é que das cinco atividades de Serviços medidas pelo IBGE, a dos serviços prestados às famílias, a que mais aparece para quem circula pelas cidades, é a única com volume ainda inferior frente ao do início de 2020.

Enfim, pela análise anterior e considerando-se que justamente a partir do meio deste ano é que os efeitos negativos do ciclo de alta de juros iniciado em março de 2021 começaram a surtir efeito – pela defasagem natural das medidas de política monetária –, convém manter cautela com previsões otimistas para o futuro próximo.

(*) Professor Aposentado do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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