Opinião
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10 de agosto de 2022
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16:29

A deflação de julho será uma nova tendência? (por Maurício Andrade Weiss)

Foto: Fernanda Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernanda Frazão/Agência Brasil

Maurício Andrade Weiss (*)

O IPCA de julho apresentou deflação de 0,68%, puxado pela queda de 4,51% no grupo Transportes, o que significa uma redução de 1,00 p.p. sobre o IPCA. Outro grupo que contribui com a deflação em julho foi o grupo Habitação, o qual registrou baixa de 1,05%, impactando negativamente em 0,16 p.p. no índice. Por outro lado, o grupo Alimentação e Bebidas apresentou nova alta, desta vez de 1,30%, contribuindo com elevação de 0,28 p.p. no IPCA. 

Como até o mês passado o grupo de Combustíveis era um dos principais responsáveis pela elevação da inflação, não só por ser atualmente o maior peso no IPCA, mas também por ter efeitos encadeadores nos preços, poder-se-ia esperar que passasse a ter um efeito contrário, contribuindo para a baixa generalizada. Isso até poderia acontecer, contudo, a queda dos combustíveis foi puxada pela gasolina (-15,48%) e pelo etanol (-11,38%). O diesel, ao contrário, apresentou nova alta, de 4,59%. Sozinha, a gasolina contribuiu para uma queda de 1,04 p.p. Ou seja, apenas a gasolina contribuiu mais que todo o índice de combustíveis e foi a responsável pela deflação de julho. 

O efeito de maior encadeamento ocorreria se essa redução fosse estendida para o caso do diesel, já que acima de 60% do transporte de carga é feita em via rodoviária, patamar que ultrapassa os 80% quando se desconsidera grãos e minérios. No caso do preço da gasolina, ele afeta apenas um número reduzido de transporte de carga urbano, não o suficiente para espraiar o efeito da queda de seu preço para o restante dos preços. No dia 04 de agosto foi anunciado pela Petrobras redução de 3,56% no preço do diesel, variação inferior à alta registrada em julho e o patamar do repasse aos postos ainda é desconhecido. Cabe destacar que para a maioria dos estados a queda do ICMS não teve qualquer impacto sobre o diesel. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a alíquota já praticada sobre o diesel era de 12%, abaixo do teto imposto de 17%. 

A queda recente no preço da gasolina é uma combinação de dois fatores. De um lado, a imposição de queda do ICMS por parte dos estados e zeramento das alíquotas federais. Essa questão tributária seria responsável por uma queda de em torno de 70 centavos no preço da gasolina, no caso do RS. Mas essa queda foi acentuada pelo outro fator, que é a redução do preço do petróleo no mercado internacional, cuja média de julho foi significativamente mais baixa em relação ao mês anterior. Enquanto o pico do petróleo tipo Brent em julho foi de US$ 107,38, em junho foi de US$ 124,01. Em termos de piso, a lógica se repete, observando-se, respectivamente, US$ 97,81 e US$ 108, mas já no final do mês de junho. 

No mês de agosto a tendência de queda do petróleo no mercado internacional se mantém, sendo registrado o patamar de US$ 94,06 em 04 de agosto, dia do anúncio de queda do preço do diesel pela Petrobras. A coincidência da queda do preço internacional com a redução dos impostos foi um golpe de sorte por parte do governo, pois toda a recente queda observada na gasolina é propagandeada como sendo decorrente das medidas adotadas pelo governo. Sobre elas, cabe destacar que essas medidas de longe foram as ideias a serem adotadas. 

Primeiro, porque não resolve a volatilidade dos combustíveis. O contexto internacional, que combina o risco de recessão mundial com elevação da taxa básica de juros dos EUA e desaceleração da economia chinesa – por consequência das medidas restritivas relacionadas ao combate da covid-19 – tem contribuído para a queda recente nas cotações do petróleo internacional e de outras commodities. É importante ressaltar o papel dos juros dos EUA. Além de ter um papel de desestimular a demanda da economia como um todo, também contribui para o enfraquecimento do preço das commodities pela via financeira. 

Com a economia financeirizada, cada vez mais as commodities são afetadas por contratos financeiros que apostam (derivativos) na variação de seus preços. O volume desses contratos é de tal monta, que a própria aposta nos preços futuros passa a determinar os preços no mercado à vista. Com juros mais altos, a atração de papeis mais arriscados se reduz, pois os títulos públicos dos EUA, considerados como zero risco, passam a oferecer retornos líquidos de risco mais atrativos. Ademais, esse fator de maior rentabilidade mescla com a própria relação de frear a economia, elevando a incerteza dos agentes quanto ao futuro, optando, assim, por ativos de maior liquidez.  

Todavia, existe a possibilidade desse cenário internacional que tem favorecido a queda nos combustíveis ser revertido. Alguns exemplos para que isso ocorra: a) a China reabrir completamente as atividades e acelerar o crescimento; b) desaceleração na economia acima da expectativa fazendo com que o Fed freasse as altas nos juros; c) extensão e agravamento do conflito na Ucrânia; d) Opep parar de aumentar os níveis de produção (já reduziu o ritmo de alta); e e) inverno mais rigoroso na Europa. Enfim, são várias possibilidades que podem inverter a tendência recente de queda. Neste caso, as medidas de redução dos impostos serão inócuas para que não haja novas altas. 

O segundo problema dessa medida é o custo fiscal. O ICMS sobre os combustíveis é uma das principais fontes de arrecadação dos estados. No caso do RS, a estimativa do secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, é de que o estado terá uma perda anual na casa dos R$ 5,6 bilhões, isso para um estado que recém parou de atrasar os salários dos servidores e possui várias carências de investimento em saúde, segurança e educação. Essa perda pode se agravar em uma eventual queda mais significativa nos preços de combustíveis praticados no Brasil.

Sem entrar no mérito dos limites fiscais por parte da União, mesmo os impostos federais que foram zerados, PIS e COFINS, podem trazer prejuízos sociais, pois tinham como destinação os gastos sociais. Em contexto de disputa por alocação de recursos decorrente das autoimposições fiscais, essa queda na arrecadação pode significar uma redução efetiva nos gastos sociais em um futuro próximo. 

Por fim, cabe questionar se a redução da alíquota tributária sobre combustíveis fósseis seria a melhor a estratégia para o país no contexto de metas de diminuição de CO2. Isso é ainda mais agravado ao se observar que a partir de 2023 a energia solar produzida nas casas e fazendas passará a ser tributada, a chamada “taxação do sol”. 

Como destaquei na coluna de fevereiro do Sul21, existia uma alternativa no Senado que seria significativamente melhor para contornar o problema dos combustíveis para o curto e médio prazo. Este seria o Projeto de Lei (PL) 1.472/2021, o qual propunha um limite de flutuação dos preços dos combustíveis, que seriam atrelados aos custos de exploração, produção, refino e distribuição do país e não aos preços praticados no exterior. Como houve elevação da oferta por parte do setor privado, haveria uma espécie de subsídio para que todos os agentes conseguissem reduzir os preços. Contudo, as fontes de receita seriam provenientes do próprio setor petroleiro e não reduzindo importantes fontes de arrecadação para os estados, como a PEC aprovada. 

Respondendo à pergunta título, os dados trazidos pelo IPCA de julho e os limites da PEC dos combustíveis não apontam para uma tendência generalizada de queda da inflação. Isso não quer dizer que não ocorrerá, mas os elementos para tal ainda não estão colocados. Enquanto os objetivos da Petrobras se mantiverem exclusivamente na distribuição de lucros, que bate recorde atrás de recorde, e favorecimento para o setor privado por competir com a Petrobras, o país continuará a mercê do contexto internacional. E isso, como mencionado em texto prévio, é uma opção política e não possui qualquer relação com os custos de produção e distribuição de combustíveis no Brasil. 

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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