Opinião
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19 de julho de 2022
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14:11

Consciência (por Wilson Ramos Filho)

Processo já tinha maioria formada desde fevereiro, mas processo foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Processo já tinha maioria formada desde fevereiro, mas processo foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Wilson Ramos Filho (*)

Ao ver Bolsonaro prometer, perante um pequeno grupo de diplomatas, que ele e os militares não respeitarão o resultado das urnas pensei: será que o Eros Grau tem consciência do mal que ele causou ao Brasil? O relator do processo no STF que impediu a revisão da Lei da Anistia, certa vez, disse-me que tinha se posicionado contra a revisão da lei (que permitiria a punição dos militares envolvidos em torturas e assassinatos) por orientação divina. Sim, isso mesmo: com os dois dedos indicadores apontados para o céu, movimentando as mãos sutilmente para cima e para baixo, perguntou-me: tu estás me estranhando, che? Menti, para não confrontar aquela estúpida utilização do sobrenatural para justificar seu voto no Supremo Tribunal Federal. Em vários países sul-americanos as leis de anistia foram anuladas e os militares foram punidos, alguns deles morreram na cadeia. Desde então nunca mais os militares se arvoraram ao golpismo naqueles países. No Brasil, por responsabilidade do STF, com o esotérico voto condutor do ministro Eros Grau, vemos agora os milicos prometendo acabar com nossa frágil democracia afrontando o STF. Será que seus integrantes têm consciência do papel que desempenharam na história?

Pensei também em outros magistrados e a respeito de suas escolhas, de como decidiram ser lembrados pelas futuras gerações.

Em relação a alguns deles, estou convicto de que suas extremadas vaidades não lhes permitirão jamais terem a consciência do mal que causaram e que causam à sociedade brasileira.

É capaz de alguns deles se orgulharem de terem defendido, até o fim, os desmandos da operação Lava Jato, os pecadilhos do juiz parcial e incompetente, de terem autorizado a prisão inconstitucional do candidato melhor colocado nas pesquisas em 2018, de terem impedido sua candidatura para eleger esse autoritário que agora os insulta. Não, estes não têm consciência de que escolheram entrar para a história da pior maneira possível.

Muito provavelmente a que afirmava, em pleno golpe de 2016, que as instituições estavam funcionando normalmente, também não tem consciência das consequências de suas omissões. A outra, a que não via provas mas condenava o réu porque assim lhe permitia a literatura jurídica, a que julgava contra suas convicções para, com seu voto, formar maioria oposta às mesmas, também não tem consciência do quanto custou às nossas instituições sua atuação no Supremo. Elas não têm consciência do mal que podem ter causado à democracia.

Talvez os dois últimos sejam os únicos que, conscientemente, fazem o que deles esperava quem os nomeou. Esses, aparentemente, têm consciência do que estão fazendo. Se sentem vergonha, ou não, seria outro debate. Também escolheram entrar para a história desta, e não de outra, forma.

A maioria que escolheu destruir as garantias constitucionais para perseguir, por longos 580 dias, um réu famoso tem o direito de estranhar quando o genocida insulta a Corte?

A maioria que destruiu os direitos sociais dos trabalhadores tem o direito de estranhar quando constata que o Brasil voltou ao mapa da fome? O iluminista que acabou com vários direitos dos trabalhadores tem consciência de que crianças subnutridas padecem como consequência de suas decisões?

Os iluminados que trouxeram os coturnos para dentro do STF e do TSE, com cargos de confiança, têm consciência do erro cometido? Têm o direito de estranhar quando esses mesmos coturnos lhes dão caneladas?

Não, não têm consciência. A maioria não se vê como causa das consequências que o Brasil experimenta. E, provavelmente, não se envergonham das consequências de suas ações e de suas omissões. Com duas, talvez três exceções, os demais escolheram não serem importunados pela consciência, assim como escolheram entrar para história daquelas, e não de outras, maneiras. É melhor não ter consciência para não terem que tomar atitude. Nem que esta se resuma a decidir tirar o sofá da sala. A responsabilidade decorre da consciência. Melhor não ter nem uma, nem outra.

O que teria levado o vigilante de Foz a se suicidar? Muitos atribuem a tresloucada atitude à culpa decorrente de uma crise de consciência: ele teria mostrado as imagens da festa do petista ao assassino bolsonarista que, depois de ver as imagens, foi até lá. A causa do suicídio teria sido a culpa.

Apenas os que têm consciência de seus atos são capazes de se sentirem culpados ou minimamente responsáveis pelas feias consequências deles advindas. Talvez seja por isso que tantos preferem a irresponsabilidade de escolher não se sentirem culpados por suas decisões, conscientes ou não, e de não criticar os que, com suas decisões judiciais permitiram que o Brasil chegasse onde chegou, os que, com suas omissões, permitiram que um irresponsável mentisse descaradamente perante diplomatas estrangeiros afrontando um judiciário que escolheu se apequenar. Escolhas, consciências e consequências. E responsabilidades.

(*) Wilson Ramos Filho (Xixo), professor na UFPR, preside o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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