Economia
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12 de abril de 2022
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14:31

Taxa de câmbio e suas complexidades: parte 3 – determinação da taxa de câmbio (por Maurício Andrade Weiss)

Foto: Divulgação
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Maurício Andrade Weiss (*)

Em duas colunas anteriores, tratei sobre a questão da taxa de câmbio no aspecto relacionado aos preços e em um segundo sobre os problemas de manter a moeda sobreapreciada por um período longo. O objetivo dessa coluna é tratar sobre os determinantes da taxa de câmbio, contextualizando para as especificidades do caso brasileiro e analisando o movimento recente.

A questão da determinação da taxa de câmbio é algo que gera divergências nas interpretações econômicas, até mesmo entre economistas heterodoxos. Portanto, obviamente não pretendo esgotar o assunto e tampouco será possível aprofundar. Apesar disso, trazer a baile alguns elementos me parece relevante.

Fazendo uma breve contextualização, até meados dos anos 1970, quando ainda vigorava o acordo de Bretton Woods, as taxas de câmbio eram mais estáveis, facilitadas pelo maior controle sobre os fluxos de capitais. Já as características do sistema monetário internacional (moeda-chave fiduciária, taxas de câmbio flexíveis e livre mobilidade de capitais) e financeiro (globalização financeira e financeirização da economia) contemporâneo acarretaram profundas alterações nos fluxos internacionais de capitais e nas economias domésticas.

Pode-se apontar como as principais características do período pós Bretton-Woods: a alta volatilidade das taxas de câmbio, as quais passaram a ser predominantemente determinadas pelos fluxos de capitais internacionais; desequilíbrios comerciais crônicos; ocorrência de crises financeiras com maior frequência; comportamento pró-cíclico dos investimentos internacionais, especialmente o de portfólio; e ciclos de negócios crescentemente interligados internacionalmente.

As características descritas acima permitem que um país tenha recorrentes déficits em conta corrente, mas ao mesmo tempo continue apreciando sua moeda, o que leva a uma contínua deterioração desse déficit e potencialmente da estrutura produtiva, tal como tratado no segundo texto sobre taxa de câmbio. Esse foi o caso do Brasil em diversos períodos pós-plano real, mas especialmente durante os anos 1990 em que resultou na crise cambial de 1999.

Após nova turbulência exacerbada da taxa de câmbio em 2002 e contando com a combinação de liquidez internacional e superávit na conta de transações correntes, o Brasil passou a acumular reservas internacionais de forma que elas ultrapassaram a dívida externa. Outros países emergentes também adotaram estratégias semelhantes. Contudo, na crise de 2008 e depois na crise da pandemia, diversos desses países tiveram suas moedas fortemente depreciadas apesar de apresentarem bons indicadores de vulnerabilidade externa.

Isso se deve em grande medida a hierarquia de moedas, onde o dólar ocupa o papel central do sistema. À sua volta estariam as moedas dos países centrais. Distante do centro, ou seja, na periferia do sistema monetário, se encontrariam as moedas dos países emergentes. Uma moeda para ser considerada conversível deve exercer plenamente na esfera internacional as funções que exerce no âmbito doméstico, quais sejam: i) meio de troca, ii) unidade de conta e iii) reserva de valor. Moedas como o real não exercem nenhuma dessas funções.

Na realidade, as moedas dos países emergentes são utilizadas como um ativo de risco no portfólio dos players internacionais. Em cenário de mais otimismo, essas moedas tendem a ter um peso maior na composição das carteiras, já no momento em que há uma incerteza mais exacerbada, elas tendem a cair, provocando fortes oscilações nas taxas de câmbio desses países.

Embora essa dinâmica seja um padrão para os países emergentes, para o real, ela é ainda mais intensa. Isso é evidenciado pelo fato da moeda brasileira ter ficado entre as três que mais se depreciaram na fase mais aguda da crise da pandemia, entre fevereiro e maio de 2020, mas também entre as que mais se apreciou no final do mesmo ano. A dinâmica se repetiu a partir do segundo semestre de 2021 até o início de 2022, quando a taxa de câmbio sai de R$/US$ 4,89 em 10 de junho para 5,70 em 06 de janeiro e depois chega a 4,62 em 4 de abril.

Responsabilizar a alta da taxa de juros pela apreciação recente do real é apenas uma meia verdade. Senão, vejamos. Em dezembro de 2020 a meta da taxa Selic estava em 2% a.a. e a taxa de câmbio no dia 14 daquele mês estava em 5,06, com a média para o mês em 5,15. Em dezembro de 2021, com a meta Selic já em 9,25% a.a., a taxa de câmbio teve o pico em 5,74 no dia 21 de dezembro e a média para o mês foi de 5,65.

Poder-se-ia argumentar que o risco país, medido pelo CDS, mitigaria esse diferencial de juros. Mas mesmo descontando a diferença, o diferencial dos juros ainda era muito maior em dezembro de 2021, pois a taxa de 9,25% descontando o risco de 222,7 pontos em 21 de dezembro, significava um retorno “líquido” de 6,87% e em 14 de dezembro de 2020, esse retorno era de 0,47%. Já os juros básicos dos EUA eram o mesmo nos dois períodos.

O comportamento das commodities é um fator adicional para auxiliar na explicação, especialmente com a explosão recente decorrente do conflito na Ucrânia. Mas tão pouco pode ser entendida como um caso isolado, pois a média do índice de commodities em dezembro de 2021 ficou em 241 e em dezembro de 2020 estava em 200. Já em fevereiro de 2022 se observou continuação da alta, agora para 253.

A saída de fundos de investimento da Rússia e Ucrânia para outros países emergentes também auxilia na explicação da apreciação recente do real frente ao dólar. Mas chama atenção, mais uma vez, pela intensidade, pois assim como o real foi a moeda que mais se depreciou em certos momentos de maior pessimismo, é novamente a moeda que mais se apreciou entre os países emergentes recentemente. Ou seja, mais uma vez fica evidenciado a maior volatilidade do real até mesmo frente a outras moedas de países emergentes.

A maior volatilidade do real se deve principalmente a 3 fatores: i) o processo de abertura financeira que tem ocorrido desde os anos 1990 e se manteve durante os anos 2000, tendo sido revertido apenas em um breve período, entre 2011 e 2013; ii) a maior profundidade e liquidez do mercado financeiro brasileiro, com uma diversidade grande de oferta de ativos para padrões de países emergentes; e iii) tamanho e liquidez do mercado de derivativos cambiais é muito maior do que do mercado a vista.

Sobre os dois primeiros pontos, em momentos de alta liquidez internacional, se encontra um grande leque de opções de aplicação e, ao mesmo tempo, na reversão do ciclo, as posições nos ativos brasileiros são mais facilmente de serem desfeitas. Em 2020, como o real se depreciou com forte intensidade, surgiram novas oportunidades de ganhos, justificando a apreciação do real em dezembro de 2020 e o mesmo vale para a dinâmica mais recente, entre o final de 2021 e início de 2022.

Vale destacar que oportunidades de ganhos não se limitam a títulos públicos. Ainda no mercado à vista de câmbio, investimentos em ativos privados, como na bolsa de valores, em termos de volume chega a ultrapassar o de dívida pública em determinados períodos. E sobre a questão da dívida pública, não se deve observar apenas a taxa básica de juros, pois os títulos são negociados com diferentes prazos. Argumentar que o retorno para quem fosse aplicar no Brasil estava negativo pelo fato da taxa básica de juros estar em 2% é um equívoco, pois os títulos de prazo maiores ofereciam remuneração superior a 10%.

O terceiro ponto é central para compreender os motivos para o real ter tamanha oscilação e muitas vezes ser difícil explicar seu comportamento. Como traz Pedro Rossi, o mercado offshore do real, embora não seja utilizado internacionalmente, afeta a taxa de câmbio por meio dos fundos de investimento com rendimentos atrelados à moeda doméstica (juros mais câmbio), sendo que o banco doméstico paga diferencial de juros e ganha com depreciação do real. Desta forma, o banco opera no mercado onshore e vende dólares futuros na BM&F.

A predominância nas posições vendidas offshore leva a ajustes de posições no mercado onshore e transmite pressões para a taxa de câmbio do real. No mercado a vista, os bancos atuam de forma passiva, atendendo demanda dos clientes. Contudo, são determinantes na taxa de câmbio pois eles precificam a moeda de acordo com sua estratégia referente à sua posição de câmbio.

O mercado futuro do câmbio não possui as mesmas regulações do à vista. Dada as restrições deste mercado, os bancos priorizam fazer suas posições no mercado de derivativos (futuro), assumindo uma posição à vista e contrária no mercado futuro como forma de hedge cambial.  Usam o interbancário apenas para suprir demandas de moeda para liquidar operações do mercado primário. Esse mercado é o conjunto de contratos de câmbio realizados entre residentes e não residentes, representando o fluxo cambial contratado.

Esses últimos elementos trazidos são de especial complexidade, mas o ponto principal a ser destacado e que espero que o leitor compreenda, é que a determinação da taxa de câmbio se dá por um conjunto amplo de fatores e qualquer explicação simplista que limite ao comportamento da taxa básica de juros pode levar a erro. Cabe destacar, quando se fala em mercado de derivativos, o componente da expectativa é uma variável essencial. Desta forma, se os grandes players internacionais apostarem que o real se depreciará, ele de fato se depreciará, já que o mercado futuro predomina sobre o mercado à vista. Isso não quer dizer que variáveis objetivas não possuam relevância, mas o ponto principal é observar o quanto elas refletirão nas expectativas dos agentes privados que de fato tem potencial de impactar na taxa de câmbio.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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