Opinião
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2 de dezembro de 2021
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09:47

Meritocracia nas eleições presidenciais (por Christian Velloso Kuhn)

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Christian Velloso Kuhn (*)

Com o advento da Reforma Administrativa defendida pelo Governo Federal, ultimamente muito vem se debatendo sobre meritocracia dos servidores públicos. De acordo com matéria do Correio Braziliense do dia 24/11 (quarta-feira) “Guedes: Reforma administrativa trará meritocracia ao funcionalismo público”, o ministro da Economia, em um seminário realizado na sua pasta, afirmou que os funcionários do setor público, além de ganharem estabilidade após a ingressar via concurso público, requerem serem avaliados quanto a sua “integridade”, qualidade de prestação de serviços, assiduidade, e “capacidade de trabalhar em equipe”. Alguns critérios mencionados pelo ministro parecem pouco objetivos, algo que pode causar certa instabilidade e imprecisão na avaliação dos servidores públicos. 

Incentivos de produtividade sempre são desejáveis, conquanto respeitem as idiossincrasias de cada atividade exercida pelos trabalhadores, conforme o cargo que ocupam ou o segmento que atuam. Não há como, por exemplo, atribuir os mesmos critérios de avaliação a operadores de telemarketing e a atendentes do INSS. São atividades totalmente distintas, com diferenças significativas no que diz respeito à finalidade. Os primeiros trabalham buscando atender as necessidades e direitos de consumidores que adquiriram bens ou serviços privados, com a máxima eficiência, conciliando qualidade do serviço com lucratividade da empresa fornecedora. Já os últimos prestam atendimento a usuários do sistema do INSS, como trabalhadores, aposentados e pensionistas, cujas necessidades estão atreladas aos seus direitos trabalhistas e previdenciários. Nesse caso, o que mais importa é a qualidade do atendimento, otimizando a eficácia e eficiência (minimizando tempo e custos), todavia, sem qualquer obrigação de necessariamente ser lucrativo. A qualidade é um fim em si mesmo.

A Folha de São Paulo publicou matéria neste dia 29/11 (segunda-feira), intitulada “Próximo presidente enfrentará maior risco desde o Plano Real”, que demonstra os grandes desafios a serem enfrentados pelo(a) próximo(a) que substituirá (ou não) o presidente Bolsonaro a partir de 2023. Diante de um cenário fortemente adverso, com alto endividamento, orçamento acima do limite do Teto dos Gastos, alta inflação, baixo crescimento, elevado desemprego, agravamento da fome e da miséria, deterioração do meio ambiente, maculação da imagem do país no exterior e afugentamento de investidores estrangeiros, a sucessão do governo Bolsonaro será um trabalho hercúleo. Exigirá grande capacidade de solucionar a situação calamitosa para quem vir a presidir a nação. 

Nesse sentido, se para os atuais governantes, os servidores públicos precisam ser avaliados com critérios associados a sua produtividade e competência visando manterem sua estabilidade empregatícia, por que não estender essa visão “meritocrática” aos postulantes de cargos executivos e legislativos em âmbito federal, estadual e municipal, que se eleitos, ocupá-lo-ão provisoriamente? É crucial que os servidores públicos sejam subordinados a superiores igualmente qualificados.

Por conseguinte, é possível sugerir algumas condicionantes que mereçam ser atendidas e analisadas para avaliá-los. Selecionando o caso dos atuais presidenciáveis, poderiam servir como requisitos nas próximas eleições:

1 – Experiência gerencial : já ocupou outros cargos executivos, principalmente no setor público? Por quanto tempo? Seria desejável que fosse por pelo menos 5 (cinco) anos, a mesma experiência que se costuma exigir em seleções para altos cargos executivos por grandes empresas do setor privado.

2 – Capacidade gerencial: possui e já demonstrou em outros cargos (públicos ou privados) ser capaz de gerir recursos materiais, financeiros e humanos? Comprovou eficácia e eficiência nos resultados obtidos?

3 – Qualidade e aderência das propostas: suas ações propostas vão ao encontro das necessidades exigidas na atual situação adversa do país? Serão capazes de revertê-la? São prioritárias, dada a presente situação? Estão consolidadas e encadeadas em torno de um projeto para o país? São de conhecimento de todos, tendo sido publicadas detalhadamente sob a forma de livro ou página na internet?

4 – Conhecimento técnico: possui boa e compatível formação acadêmica? Tem títulos de pós-graduação? Demonstra capacidade de tratar e discursar sobre temas complexos e abrangentes? Possui condições de criticar, debater e avaliar o trabalho de seus subordinados?

5 – Caráter : é confiável e honesto? Demonstra postura adequada à liturgia do cargo? Apresenta ética e responsabilidade nas suas ações? Revela ter escrúpulos e bons valores? Respeita instituições, outros poderes, legislação, regras e normas? Pode ser considerado um democrata, capaz de diálogo e debate civilizado? Demonstra espírito republicano, agindo em prol da nação e do povo?

6 – Realizações e conquistas para a sociedade: que ações e projetos liderou que verteram em resultados favoráveis à população? Gerou incremento de receita ao Estado, melhora na qualidade da prestação dos serviços públicos e/ou mais bem-estar à população? Quantos foram beneficiados?

Obviamente que será muito difícil que um postulante ao cargo de presidente do país consiga reunir todas essas competências e habilidades, ou com a mesma e máxima qualidade no seu conjunto. Talvez se faça necessário que esses critérios sejam melhor definidos, enquanto outros serem incluídos ou até substituírem os ora apresentados. Trata-se apenas de um esboço, uma ideia inicial que merece ser mais bem lapidada. 

Contudo, é uma iniciativa importante, haja vista que até o momento a discussão em torno dos nomes dos possíveis presidenciáveis vem sendo estabelecida de modo muito superficial. O objetivo é trazer a tona para reflexão. Alguns formadores de opinião buscam (ou promovem quem pensam ser) um salvador da pátria, tal qual Diógenes procurava um homem honesto com sua lanterna acesa nas ruas de Atenas. A substituição do atual presidente é tão somente um ponto de partida. Seu sucessor terá um trabalho árduo que exigirá articulação, diálogo e colaboração dos demais poderes. 

Por tal razão que a escolha não deve se restringir apenas a fatores emocionais ou ideológicos, mas levar em conta também (ou principalmente) elementos e critérios técnicos e profissionais. O país não suportará mais quatro anos sendo presidido por outro (ou o mesmo) incapaz, incompetente, imoral e inescrupuloso, com única e exclusivamente um projeto de poder, usando o aparelho estatal para atender interesses privados e escusos, enquanto se vê deteriorarem as condições socioeconômicas do país e da sua população. Desse modo, espera-se que tenhamos oportunidade da realização de mais debates, que permitam avaliações mais objetivas e precisas das ideias, projetos e currículo dos postulantes a ocuparem o mais alto cargo executivo do país.   

(*) Professor e Economista. Doutor em Economia do Desenvolvimento na UFRGS. Instituto PROFECOM
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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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