Opinião
|
17 de dezembro de 2021
|
09:05

Banco Central à beira do ‘sucesso’ em 2022 (por Flavio Fligenspan)

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Flavio Fligenspan (*)

A inflação de 2021, medida pelo IPCA, vai fechar em algo próximo a 10%, muito acima do teto da meta (5,25%). Como se sabe, as forças responsáveis pela alta dos preços estão do lado da oferta, ou seja, estamos falando de uma inflação de custos, não de demanda. Nem poderia ser uma inflação de demanda, com uma economia que “anda de lado” ou nem anda. 

Os itens mais importantes para explicar a inflação deste ano são: a) a energia elétrica, em função da crise hídrica, que ocasionou a ligação de usinas movidas a derivados de petróleo; b) o preço internacional do petróleo, que impactou os preços domésticos dos derivados; c) os preços de diversos produtos alimentares; d) a escassez e o consequente encarecimento de muitos componentes industriais, fenômeno verificado no mundo inteiro; e) por fim, e com grande peso, a elevação da taxa de câmbio, que espalha a alta de preços por praticamente todas as cadeias produtivas. Como se vê, todos os itens referem-se à estrutura de oferta.

O Banco Central, seguindo a cartilha do sistema de metas de inflação, começou ainda no início do ano um movimento de subida dos juros básicos da economia brasileira, e acelerou este movimento recentemente. Ainda mais, tem prometido nos seus comunicados continuar nesta rota até um teto estimado pelo mercado financeiro em aproximadamente 12% ao ano. Já comentei muitas vezes neste espaço o quanto é absurda a elevação dos juros numa economia deprimida, para combater uma inflação sabidamente de custos. Mas esta é a prescrição do modelo, obviamente limitado, e é assim que o Banco age.     

O fato é que as forças que explicam a inflação brasileira em 2021 vão cessar ou, pelo menos, perder fôlego em 2022. Algumas podem até recuar, como no caso da energia elétrica, a depender do regime de chuvas e da recuperação dos reservatórios; as notícias recentes sobre este tema são positivas. Assim sendo, a inflação de 2022 vai ser menor, bem menor que a de 2021. Provavelmente ainda próxima do teto da meta para o ano (5%), rebaixado marginalmente em relação ao de 2021.

Com uma inflação que deverá ser a metade da de 2021, o Banco Central vai comemorar o “sucesso” de suas ações. O Governo deve até tentar tirar proveito do resultado acumulado até agosto ou setembro, em plena campanha eleitoral, ainda que agora a legislação considere o Banco Central independente do Governo. É claro que o Banco Central vai considerar que sua política de elevação dos juros foi correta e trouxe resultados. O fato é que uma inflação de custos, uma vez cessadas as pressões que lhe deram causa, vai, naturalmente, recuar. E isto independe da taxa de juros. Ou melhor, se a autoridade monetária aumentar os juros, mesmo que seja uma medida errada para as circunstâncias, tal ação vai conter a demanda – já frágil, no nosso caso – e isto vai ajudar a segurar os preços. Mas vai apenas ajudar, bem na margem, e não será a principal causa da redução da inflação.

O problema é que a alta dos juros vai desestimular a demanda, com todas as consequências negativas de tal ação para as empresas, para as famílias e para a administração da dívida pública, a grande pagadora de juros no Brasil. Isto, é claro, não será lembrado nem comemorado pelo Banco Central; muito menos pelo Governo. E há que se levar em conta um aspecto importante da atuação do Banco Central. Na legislação aprovada no início deste ano, que o tornou independente, consta que ele deve perseguir mais de um objetivo: a estabilidade de preços, a suavização das flutuações do nível de atividade econômica e o fomento ao pleno emprego. Ainda que se considere a dificuldade de conciliar tais objetivos, na maioria das vezes até contraditórios, a lei assim estabelece. E seria estranho o Banco Central comemorar ter alcançado um objetivo por vias tortas – aumentar juros para controlar uma inflação de oferta – e desconsiderar o não atingimento dos demais. Mas podemos apostar, vai acontecer.

(*) Professor do Departamento de Economia e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora