Opinião
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5 de novembro de 2021
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16:03

50 anos de exportação de soja em grão e o 5G (por Milton Pomar)

Foto: Jaelson Lucas / AEN
Foto: Jaelson Lucas / AEN

Saber dos avanços fantásticos que a tecnologia 5G proporcionará ao Brasil traz à tona questão recorrente: quando o país exportará as dezenas de produtos químicos possíveis a partir da soja, e não mais apenas o grão, farelo e óleo, mudando do patamar no qual o país se encontra desde os anos 1970? Na Era do 5G, da “Indústria 4.0”, e da “Agricultura 4.0”, e com a cultura da soja entre as mais avançadas tecnologicamente, é enorme contradição persistir na venda do produto in natura – em 2020, de acordo com a Embrapa Soja, foram exportados 74 milhões de ton. de grão, 16,7 milhões de ton. de farelo, e um milhão de ton. de óleo, com receita de US$35,2 bilhões. 

Impressiona a produção nacional de soja (2021), de 141 milhões de ton., quando comparada, por exemplo, aos dois milhões de ton. colhidos em 1971. Igualmente é muito impressionante saber que em 1970 o mundo exportou 20 milhões de ton. de soja, a mesma quantidade produzida no Rio Grande do Sul em 2020, e que, em 1971, o Brasil exportou 213 mil ton. de grão, 911 mil ton de farelo e 6 mil ton de óleo.

Considerando-se o faturamento obtido com a soja no Brasil desde o início das exportações, em 1971, é possível que o setor tenha obtido quase um trilhão de dólares com as vendas nos últimos 50 anos. O estudo “O ciclo da soja – desempenho da cultura da soja entre 1961 e 2003”, de Tagore Villarim de Siqueira, apresenta os números da evolução do setor, até o “boom” ocorrido nas exportações para a China, com recordes sucessivos de produção e exportações. 

Com tanto capital acumulado, e lucros consideráveis assegurados pela alta produtividade obtida (a média nacional no período passou de 1,2 ton/ha para 3,5 ton/ha), por que o “Agro” não investiu em indústrias químicas nos interiores do Brasil, nas principais regiões produtoras, para extrair da soja todas as possibilidades que ela oferece, ao invés de continuar priorizando a venda do grão?

Talvez a resposta para a inação empresarial esteja na lógica responsável pelo que ocorreu no Brasil, demonstrada no estudo “Desindustrialização Setorial no Brasil”, de Paulo César Morceiro e Joaquim José Martins Guilhoto, publicado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial.

Uma coisa é certa: de que adiantará o 5G, se ainda vendemos soja em grão, transportada das regiões produtoras para os portos em carretas (“4.0”), nas rodovias dominantes na matriz de transportes, enquanto os maiores países se locomovem sobre trilhos – principalmente a China, maior compradora de soja, hoje com malha ferroviária cinco vezes maior do que a brasileira. 

Ainda que o cenário para 2025 pareça o melhor possível, para os produtores e exportadores de soja em grão, é melhor colocarem “as barbas de molho”, porque metade da sua megaestrutura de produção e transporte interno atende um único país, que tem os navios, os fertilizantes, está investindo para ter mais fornecedores em outros países, e lidera o setor industrial mundial – o que lhe permite, por exemplo, vender produtos industriais com muita tecnologia para o Brasil, inclusive o 5G, e continuar comprando soja em grão, como faz há 50 anos. 

(*) Geógrafo e mestre em Políticas Públicas

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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