Opinião
|
4 de outubro de 2021
|
11:17

Brevíssimas anotações sobre uma obra imortal (por Glauber Gularte Lima)

Marx dedicou 15 anos de sua vida para escrever 'O Capital' (Pixabay).
Marx dedicou 15 anos de sua vida para escrever 'O Capital' (Pixabay).

Glauber Gularte Lima (*)

O almejado período de prosperidade reluta em voltar;
quando acreditamos divisar os sinais que o anunciam,
começam eles a desaparecer.
Entrementes, cada inverno, renova-se a pergunta:
“O que fazer com os desempregados?”

Friedrich Engels – 1886

Em 1818, na Alemanha, quase três décadas após a Queda da Bastilha, símbolo maior do declínio do Antigo Regime monárquico e da ascensão da nova classe dominante, a burguesia, nasce Karl Heinrich Marx. Ele viverá a maior parte de sua vida absorto no desafio de estudar e esmiuçar a economia de mercado e os fundamentos de poder que lhe sustenta. 

E gastará seus anos sobre a terra para denunciar um crime. Ele dirá que o novo mundo erguido sobre as ruínas do feudalismo é uma sofisticada máquina de moer seres humanos e produzir miséria. E provará o que diz através de uma obra monumental, à qual dedicou 15 anos, intitulada O Capital. Através dela, Marx disseca ao longo de mais de duas mil e quinhentas páginas a fisiologia do novo regime, o capitalismo, e o desmascara de sua aura redentora.

Por conta do que escreve, os regimes democráticos da França, Bélgica e Alemanha o expulsam de seus territórios. Mas sua escrita não faz concessões. Ele diz que o liberalismo econômico é um direito real de poucos, e prova que o novo sistema jamais assegurará às maiorias liberdade, igualdade e fraternidade. As fervorosas palavras de ordem da Revolução Francesa não passavam de discursos para dias de festa na nova sociedade. 

De servos dos senhores feudais os trabalhadores passaram à condição de mão-de-obra assalariada da nova classe dominante. A ideologia intrínseca ao novo regime os seduzia com a ideia de liberdade individual para crescer e prosperar. Mas as promessas do novo sistema não passavam de uma vã ilusão para os despossuídos. O contrato social da nova ordem legitimou que os donos do capital se apropriassem da maior parte do valor do trabalho alheio. A isso ele chamou de mais-valia. Com isso, a propriedade de bens e riquezas continuou sendo um privilégio de poucos. 

Sua gigantesca obra acadêmica se ergueu sobre o mundo como um farol na escuridão dos tempos. Iluminados por ela, milhares de esquecidos da terra se insurgirão em lutas e revoluções. Muitos tocarão os céus e viverão dias de glória e regozijo; outros tantos sucumbirão diante do abraço da morte que surgirá dos alicerces da reação conservadora. Mas as verdades que ela revelou continuam inspirando gerações à resistência e à luta contra um sistema que condena multidões a sonhar sem realizar e a desejar sem jamais possuir.

A luta de classes, da qual foi profeta e vítima, quis que ele partisse, no exílio, sem as honras correspondentes à sua estatura intelectual. Dizem que em seu enterro em Londres, no ano de 1883, apenas onze pessoas prestigiaram a despedida desse gênio enciclopédico. Na ocasião, seu grande amigo Friedrich Engels afirmou diante de seu túmulo, naqueles últimos dias do inverno europeu, que ele havia sido o homem mais caluniado e odiado de sua época.

Mas sua obra está viva, vivíssima. Que o digam os magnatas do capital, que financiam a cada ano milhões de dólares para que os arautos do liberalismo anunciem em seminários e painéis pelo mundo afora seus atos fúnebres. Apesar disso, esse cadáver insepulto continua sendo até hoje uma das obras acadêmicas mais citadas e influentes do planeta. De graça é que não é. 

(*) Glauber Gularte Lima é professor

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora