Opinião
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11 de setembro de 2021
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07:50

Mais uma história de onze de setembro (por Robson Coelho Cardoch Valdez)

Torres do WTC queimando no dia dos ataques (Wikimedia Commons)
Torres do WTC queimando no dia dos ataques (Wikimedia Commons)

Robson Coelho Cardoch Valdez (*)

Estava no trabalho quando o primeiro avião atingiu uma das torres do World Trade Center. Trabalhava em uma grande empresa de transporte e armazenamento de grãos (café e cacau) com sede em Staten Island, bairro da cidade de Nova Iorque em que vivia, mas com armazéns em Nova Jersey. Na hora do ataque, já estava em uma das filiais da empresa em Edison, Nova Jersey (NJ). Nesse dia, parecia que tudo seria igual. Saí de casa em direção à sede da empresa em Staten Island onde, lá, tinha como uma de minhas tarefas pilotar a van da empresa que levava nosso grupo de empregados (maior parte latino-americanos) para a filial em Edison. 

O percurso entre a sede da empresa e sua filial em Edison (NJ) durava 20 minutos. Nesse trajeto, enquanto os colegas falavam amenidades nos bancos traseiros da van, lamentava por concluir que naquela manhã, não teria condições de ir à uma agência do Banco do Brasil em Manhattan checar se havia chegado minha ordem de pagamento para complementar meus recursos para pagar os custos da faculdade de economia naquele semestre que se iniciava. Estava muito agoniado porque minhas economias não foram suficientes e tive de pedir apoio à minha mãe, em Brasília. Todo estrangeiro que estuda em faculdade americana paga o dobro em relação ao cidadão americano!

Quando cheguei na empresa, ainda ponderei se daria tempo de pegar o trem de Edison até Manhattan para ir ao Banco do Brasil. Suspirei e conformei-me, pois diferentemente do dia anterior, naquela terça-feira dia onze não seria possível. Não daria tempo. Lembrei que na segunda-feira, mais ou menos às 8:20 da manhã, estava na estação Cortlandt, no subterrâneo das Torres Gêmeas. Assim se eu fosse na terça-feira iria me atrasar demais para chegar ao Banco do Brasil e retornar ao trabalho. Desisti. Faria essa viagem na quarta-feira bem cedinho.

Ao chegar no armazém, tudo aparentemente normal com a rotina. Sentei-me à minha mesa liguei meu computador e entrei no portal da America Online (AOL) e na caixa de e-mails da empresa. Em seguida, os colegas mexicanos entraram esbaforidos na sala e pediram para ligar o rádio. “Un avión se estrelló contra las torres gemelas!” Eles estavam realmente alucinados e pediam: “prenda la radio!”. Como não entendiam o que os radialistas falavam, pediam para que eu traduzisse o que a gente ouvia. 

Bom, naquele momento ninguém sabia o que estava acontecendo. Foi tudo muito rápido. Quando fui buscar informação nos portais de internet outro avião acabara de atingir as torres novamente. Logo em seguida, recebemos uma ordem da matriz da empresa em Staten Isand dizendo que se nós já tivéssemos carregado algum caminhão era para descarregá-lo imediatamente e que fechássemos todas as portas. Foi o que fizemos. No meio daquela confusão o telefone da empresa tocou. Era minha mãe, em Brasília, pedindo “pelo amor de Deus, volta para casa!”. Disse a ela que eu estava bem e seguro, mas tinha que ir embora e que depois eu ligava para ela. Enquanto eu me despedia de minha mãe, os colegas corriam para entrar nos carros para tentar carona com colegas e retornar para Staten Island

Já era quase dez horas da manhã e as estradas já estavam engarrafadas. Na lentidão daquele trânsito, olhava no horizonte a fumaça que subia da ilha de Manhattan. Foi um caos. As pontes que ligam Manhattan à Nova Jersey e às imediações da ilha estavam todas fechadas. Ninguém entrava ou saía de Manhattan. A polícia continha as pessoas que tentavam desesperadamente atravessar os bloqueios nas pontes. Pessoas comuns gritavam que precisavam encontrar filhos, pais, familiares, pois não sabiam o que estava acontecendo e tampouco sabiam se suas pessoas queridas estavam bem!

Eu e mais outros colegas mexicanos ficamos na casa de nosso chefe, um brasileiro que morava em Elisabeth (NJ) e lá permanecemos até o dia seguinte. Ao longo desse dia consegui falar com amigos e familiares mais próximos em Nova Iorque e no Brasil. Sentia-me como se estivesse em um desses filmes catástrofes quando o pior acontece e o que se vê é apenas confusão nas ruas, especulações nos noticiários e medo e apreensão no olhar das pessoas comuns.

No decorrer dos dias as pessoas comuns foram tomando conhecimento dos detalhes do ocorrido. As palavras terrorismo, Al-Qaeda, Saddam Hussein, Talibã, Afeganistão, Jihad, Bin Laden, Osama, Osama Bin Laden, Arábia Saudita etc. já estavam na boca e no imaginário de todos. Meu amigo Charlei, que há quatro anos havia embarcado junto comigo na aventura de fazer um curso de inglês nos Estados Unidos, àquela altura era aluno de uma escola de pilotos em Nova Jersey e já tinha conseguido seu brevê de piloto amador. De uma hora para outra, passou, assim como seus colegas de curso, a ser estigmatizado como um potencial terrorista. Afinal de contas, os terroristas foram aos Estados Unidos aprender a pilotar avião para atacar as torres!

Passados vinte anos, lembro que minha cerimônia de formatura na faculdade de economia do College of Staten Island, no ano seguinte aos ataques, foi a primeira após os atentados das torres gêmeas e toda a comunidade estava muito comovida pela magnitude do atentado e seu impacto na vida de muitos daquela comunidade universitária. Naquele ano, 2002, como estudante estrangeiro, tinha a sensação de que as pessoas comuns tentavam, aos poucos, retomar suas rotinas.

Após os primeiros contatos com a Grazi em uma sala de bate-papo do uol (brasileiros no exterior), nós nos conhecemos presencialmente em abril de 2002. Ela pegou um avião da Flórida para Nova Iorque e nos apaixonamos. Contudo, frente a um dilema profissional, Grazi e eu decidimos que ela deveria retornar ao Rio Grande do Sul para aceitar uma boa oportunidade de trabalho. Jurei para ela que assim que minha documentação da faculdade estivesse pronta, em dezembro, a gente se encontraria em Porto Alegre. Dito e feito. Hoje não somos só eu e a Grazi. Nossa família tem a Inês (18), o Leo (15), a Guadalupe, o Tonico e a Lola (todos gatos, gatas e gateiros).

Para muitos a decisão de voltar para o Brasil parecia precipitada. Minha mãe, que no dia do ataque às torres queria que eu retornasse imediatamente para o Brasil aconselhava-me a não voltar para o Brasil. Dizia que eu deveria tentar um mestrado (hoje entendo, pois no final do governo FHC a desesperança grassava o Brasil). 

Os meus patrões americanos pediram para eu ficar e até propuseram patrocinar meu pedido de greencard! Mas a minha vontade era de retornar. Já havia passado quase cinco anos em Nova Iorque. Acredito que o ataque às torres não tenha influenciado minha decisão de retornar ao Brasil. Mas vai saber! O que eu sei era que tinha certeza que tinha completado um ciclo de experiências pessoais, acadêmicas e profissionais muito importantes.

Nunca tive problema em me adaptar ao estilo de vida norte-americano e não sofri nenhum tipo de discriminação no trabalho ou na faculdade. Contudo, apesar de ter feito uma boa relação com os americanos com quem eu tive contato mais próximo, nunca tive a sensação de pertencimento ou vínculo com o país. Uma pena, pois aí tive uma experiência bem-sucedida em todos os sentidos! 

Ainda que estrangeiros de várias nacionalidades tenham perdido suas vidas nos ataques do onze de setembro, a atenção recai, inevitavelmente, sobre seu impacto sobre os norte-americanos, cidadãos comuns; e sobre a reação desse ator hegemônico do sistema internacional que no final do mês passado performou a desastrosa retirada de suas tropas do Afeganistão. Passados esses vinte anos, percebemos que o onze de setembro ainda não acabou. Voltou à estaca zero. Hoje homenageamos todas as vítimas dos ataques, o Talibã controla o Afeganistão e o presidente americano do momento promete, mais uma vez, caçar terroristas!

A nós, não americanos, cabe lidarmos de forma coadjuvante com os efeitos diretos e indiretos da guerra ao terror em nossas vidas no âmbito da agenda internacional dos Estados Unidos. Não há como ser indiferente aos efeitos colaterais de uma guerra que era local e tornou-se global.

(*) Robson Coelho Cardoch Valdez é pós-doutorando em Relações Internacionais IREL/UnB, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos/IREL-UnB. Autor dos livros Política Externa e a Inserção Internacional do BNDES no Governo Lula (Appris, 2019) e Subindo a Escada – a internacionalização de empresas nacionais no Governo Lula (Appris, 2019). Contato: [email protected].

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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