Opinião
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4 de agosto de 2021
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08:42

Que a indiferença seja uma palavra obscena (por Glauber Gularte Lima)

Foto: Paolo Trabattoni/Pixabay
Foto: Paolo Trabattoni/Pixabay

Glauber Gularte Lima (*)

É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre nos meus lábios a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Carlos Drummond de Andrade

Todas as religiões e correntes científicas e filosóficas da história universal tentaram em vão até hoje decifrar os três grandes temas enigmáticas: Quem somos, da onde viemos e para onde vamos. O escritor argentino Ernesto Sábato, em seu livro Uno y el Universo, diz que passamos a vida inteira buscando, até nos darmos conta de que o fantasma que buscávamos era nós mesmos. Uma caminhada sobre as mãos calejadas da angústia em busca de si próprio. Isso é a vida humana? 

Todos os aflitos, os que padecem à sombra da depressão e do desespero refletem exatamente nesse ponto o seu desencaixe existencial. Não conseguem se encontrar. Navegam à deriva em águas turvas e turbulentas. Alguns, incapazes de continuar nesse mar de sofrimento, optam pelo beijo da morte. São vencidos pela desesperança, esse estado existencial que aprisiona o sonho, um combustível que nos impulsiona a caminhar em busca de felicidade e da realização dos desejos. 

Pelos registros escritos que a humanidade nos legou, as angústias sobre o que viemos fazer neste mundo atormentam a nossa espécie desde os primórdios da civilização. Aflição e tranquilidade são dois estados de ânimo que expressam a contraditória e maravilhosa obra incompleta que somos. O problema reside no fato de que chegamos culturalmente a um impasse de proporções gigantescas.

As crises existenciais contemporâneas foram elevadas à potência máxima, e estão relacionadas diretamente ao modelo de sociedade no qual vivemos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o campeão mundial em casos de transtorno de ansiedade e ocupa o quinto lugar em transtornos depressivos, que podem levar ao suicídio. Isso não tem nada a ver diretamente com nossas angústias ancestrais e sim com uma trágica realidade que condena milhares a uma vida esvaziada de alegria e prazer. 

Caminhos possíveis de felicidade e fontes de nosso sofrimento foram dissecados por Freud em Mal-estar na civilização, escrito no final da segunda década do século XX. Já o percentual de governabilidade relativa que temos sobre os nossos destinos é uma equação de resultados incertos. Mas uma coisa é certa e o fundador da psicanálise concordaria. Quem governa nossas vidas neste manicômio não está assentado em uma esfera celestial. Os sonhos e desejos de felicidade estão sendo oferecidos em sacrifício no altar do deus mercado para benefício de poucos. Seus profetas pregam em bolsas de valores e habitam condomínios de luxo.

Talvez, neste momento cinzento carregado de incertezas e despovoado de sonhos, seja importante jogar luz à monumental obra do escritor uruguaio Mario Benedetti. Em um de seus magníficos poemas, intitulado Nocion de patria, ele diz que diante de tanta tristeza e desencanto é chegada a hora de “hablar otros idiomas donde la indiferencia sea una palabra obscena”. 

(*) Glauber Gularte Lima é professor

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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