Opinião
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19 de agosto de 2015
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10:51

O Corvo (por Marino Boeira)

Por
Sul 21
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Como jornalista, Carlos Lacerda ficou famoso pelas suas críticas ferozes ao governo de Getúlio Vargas, começando pela sua célebre frase, quando Getúlio se lançou candidato à Presidência nas eleições de 1950, publicada no seu jornal, a Tribuna de Imprensa:

“O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência; candidato, não deve ser eleito; eleito, não deve tomar posse; empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.

Era uma forma de fazer jornalismo comum a quase toda a imprensa da época, embora poucos chegassem a contundência de Lacerda em seu jornal.

Um exemplo foi a declaração que publicou no dia seguinte ao episódio do atentado que sofreu na Rua Toneleros: “Perante Deus, acuso um só homem como responsável por esse crime. Este homem chama-se Getúlio Vargas”

Sua agressividade levou outro jornalista famoso, Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora, fundado com financiamento do Banco do Brasil para defender o governo de Getúlio Vargas, a lançar contra Lacerda um apelido que ficou famoso: “Corvo”.

Dez anos depois, em 1964, a Última Hora de Samuel Wainer era ainda praticamente o único jornal a defender o governo de João Goulart, o herdeiro de Vargas. Quando o golpe militar, com apoio do empresariado nacional, mas gestado na Embaixada Americana já estava em andamento, os principais jornais brasileiros assumiram uma posição decidida a favor dos golpistas.

O Correio da Manhã, que depois viraria o principal crítico dos governos militares, se destacou pelas suas famosas manchetes BASTA e FORA publicadas nos dias do golpe pedindo a saída de Jango.

No dia 2 de abril o Correio da Manhã, publicaria esta manchete, que o tempo rapidamente se encarregou de desmentir: “Lacerda anuncia volta do país à democracia”

O Globo justificaria o golpe com uma chamada em seu editorial no dia 5 de abril de 64: “A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”.

Vinte anos depois, Roberto Marinho justificaria assim o seu apoio ao golpe: “Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”

Além da democracia e das liberdades públicas, o golpe de 64 serviu para levar a censura à imprensa, inclusive a jornais que o apoiaram, e liquidou com o império jornalístico que Samuel Wainer havia construído no Brasil.

A primeira vítima foi a sucursal gaúcha de Última Hora, fechada pelos militares e logo depois com seu apoio, vendida para o empresário Ary de Carvalho e reaberta em maio de 64 com o nome de Zero Hora.

Sintomaticamente, logo em suas primeiras edições, Zero Hora publicou uma mensagem do general Mário Poppe de Figueiredo, comandante do III Exército, que o jornal diz ter sido escrita de próprio punho pelo general: “Recebi com muita simpatia o aparecimento de Zero Hora. Com a orientação de propugnar pelos ideais cristãos e democráticos do povo brasileiro, será mais uma voz a conduzir a opinião pública no Rio Grande do Sul nos rumos tradicionais de nossa formação histórica. Auguro a Zero Hora uma longa e próspera existência”.

O jornal apoiou os 20 anos do regime militar, como lembra o jornalista Miarco Aurélio Weissheimer ao pinçar um editorial de Zero Hora de setembro de 69, exaltando a “autoridade e irreversibilidade da Revolução”, mas nunca esteve sozinho nesse apoio.

Quando da passagem dos 50 anos do golpe, o jornalista Janio de Freitas escreveu na Folha: “A imprensa, embora uma ou outra discordância eventual, mais do que aceitou o regime: foi uma arma essencial da ditadura. Naqueles tempos, e desde 64, o Jornal do Brasil […] foi o grande propagandista das políticas do regime, das figuras marcantes do regime, dos êxitos verdadeiros ou falsos do regime.  (…) Os arquivos guardam coisas hoje inacreditáveis, pelo teor e pela autoria, já que se tornar herói antiditadura tem dependido só de se passar por tal”.

Obviamente, qualquer pessoa razoavelmente informada já percebeu que os principais veículos da nossa mídia repetem hoje o mesmo procedimento que antecederam os golpes de 54 – frustrado –  e o de 64 – vitorioso – tentando desestabilizar o governo já vacilante da Presidente Dilma.

Até mesmo as acusações não mudaram: em 54 era o “mar de lama nos porões do Catete”; em 64, “subversão e corrupção” e agora, novamente a corrupção.

Vários jornalistas, embora sem o mesmo brilho que ele tinha, se candidatam ao papel desempenhado por Carlos Lacerda nos episódios envolvendo Getúlio e Jango. Entre os fortes candidatos ao posto está Augusto Nunes, da Revista Veja, com um estilo quase tão agressivo como o do “Corvo”, clamando por um novo golpe.

“Vítima de corrupção generalizada, falência dos truques econômicos, insuficiência mental e raquitismo administrativo, o segundo mandato de Dilma morreu nos trabalhos de parto, E a hora do enterro chegou. “ – escreveu ele esta semana.

Será que Augusto Nunes assumiria o papel de ser o novo Lacerda? Possivelmente, não. Em 1988 ela apareceu como Coordenador Editorial do livro de Samuel Wainer “Minha Razão de Viver”, o que na prática significa que ele foi o redator das memórias do grande inimigo de Lacerda ou pelo menos, o seu revisor.

Como ele mostra tantas simpatias pela figura de Wainer – basta ler o que escreveu na orelha do livro – certamente ele também comunga da aversão a Carlos Lacerda e não seria o candidato ideal para ser o novo “derrubador de presidentes”, como se dizia de Lacerda.

Se Augusto Nunes não serve para o papel de “Corvo”, em quem você votaria?

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Marino Boeira é professor universitário.

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