Política
|
28 de outubro de 2023
|
09:40

Produtores das feiras ecológicas se mobilizam contra lei proposta pelo governo Melo

Por
Luciano Velleda
[email protected]
Ato contra o projeto ocorreu nesta sábado (28) na Feira dos Agricultores Ecologistas, na Redenção. Foto: Guilherme Santos/Sul21.
Ato contra o projeto ocorreu nesta sábado (28) na Feira dos Agricultores Ecologistas, na Redenção. Foto: Guilherme Santos/Sul21.

Os produtores das feiras ecológicas de Porto Alegre estão preocupados. O motivo é o projeto de lei proposto pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) que pretende regulamentar as sete feiras ecológicas existentes na Capital.

O projeto determina que as Unidades de Feiras Ecológicas (UFEs) terão suas organizações disciplinadas e suas atividades reguladas pela nova lei e pelas normas estabelecidas nos seus respectivos regimentos internos, que serão elaborados, afirma a Prefeitura, pelo conjunto dos feirantes.

A proposta diz que a ocupação das vagas disponíveis nas feiras ecológicas existentes e futuras ocorrerá por meio de edital de seleção, prevê que poderão participar da seleção produtores, processadores e comerciantes enquanto pessoa física ou pessoa jurídica por meio de associações de produtores e cooperativas, desde que regularmente habilitados para exercer o comércio nas feiras ecológicas. É obrigatória a apresentação do certificado de conformidade orgânica para todos os interessados em ingressar nas feiras ecológicas.

A lei define que as atividades nas feiras poderão ser exercidas por pessoas físicas, como produtores, processadores, processadores de lanches e bebidas, comerciantes, comerciantes de produtos não comestíveis e feirantes convidados; e também por pessoas jurídicas (entidade associativa representativa do produtor com personalidade jurídica, formada com o objetivo de comercializar formalmente a produção de seus associados). A proposta de legislação ainda assegura a sucessão familiar aos feirantes, desde que preenchidas as condições previstas na nova lei.

Até aí, tudo bem. O problema, de acordo com os feirantes, é o caráter vertical da lei, expresso em seu Artigo 22 ao dizer que “a organização, estrutura e funcionamento das Feiras Ecológicas serão definidos através de Decreto Municipal”; e do Artigo 23 ao afirmar que “compete ao Executivo Municipal estabelecer normas de funcionamento dentro dos critérios de conveniência e oportunidade, ouvidas as comissões das respectivas feiras ou o Conselho das Feiras Ecológicas, inclusive no tocante aos equipamentos a serem utilizados nas unidades de feira”.

O receio se refere ao fato de que a Prefeitura terá o poder de definir, por decreto, como as feiras ecológicas irão funcionar, conforme a “conveniência e oportunidade” do governo da ocasião. Na visão da produtora Iliete Aparecida Citadin, coordenadora do Conselho das Feiras Ecológicas de Porto Alegre, a verticalidade da lei proposta exclui a participação popular nas definições dos rumos das feiras. “Onde está nossa participação no processo?”, questiona, lembrando que algumas feiras têm mais de 20 anos e outras mais de 30 anos de funcionamento.

A auto-organização é um conceito caro para os feirantes. Iliete destaca que as feiras ecológicas vão muito além de vender alimento sem agrotóxico, tendo se transformado, ao longo do tempo, em espaços de cultura, proteção ambiental e soberania alimentar. Um debate feito há anos pelos feirantes e que, ela critica, não está contemplado na lei proposta. Pensamento semelhante Iliete faz com relação ao Conselho das Feiras, ao ponderar que o artigo 23 diz que o conselho será ouvido, mas isso não significa que será respeitado ou atendido.

“Está ceifado o nosso direito. O PL descaracteriza as feiras ecológicas”, define a coordenadora do Conselho das Feiras Ecológicas da Capital, temendo que os espaços desapareçam tal qual existem atualmente. “Tudo é decisão da Prefeitura. Se é a critério do poder público, isso para nós é muito sério, nos dá uma insegurança terrível, dissemina o medo entre os feirantes porque não se sabe como vai ser o dia seguinte.”

Na justificativa do projeto de lei enviado à Câmara, o governo Melo diz terem havido “diversos encontros com os setores interessados da sociedade civil” para ouvir as reivindicações dos feirantes.

“O projeto tem como objetivo formalizar características históricas das feiras ecológicas, regulamentando as atividades realizadas nos logradouros públicos. Foram organizados diversos encontros com os setores interessados da sociedade civil, de maneira que as principais reivindicações dos produtores foram: a possibilidade dos feirantes terem auxiliares nas bancas, a garantia de estabilidade dos feirantes que já se encontram nas feiras ecológicas, a preservação da autogestão nas unidades de feiras, a sucessão familiar dos feirantes, a preferência dos produtores, processadores, associações e cooperativas em detrimento dos comerciantes, bem como o fortalecimento do associativismo e do cooperativismo histórico presente nas feiras”, explica a Prefeitura na justificativa do projeto de lei.

Iliete Aparecida Citadin, coordenadora do Conselho das Feiras Ecológicas, pondera que não foi bem assim. Ela afirma que o secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cássio Trogildo, não participou de reuniões feitas pelo Conselho das Feiras e apenas enviou a proposta da legislação para ser avaliada. “O secretário entra numa esfera da sociedade civil que não é a dele. Ele não compreende as decisões e organização da sociedade civil”, avalia.

Reunido na noite desta quinta-feira (26), o Conselho das Feiras Ecológicas decidiu se mobilizar e resistir ao projeto de lei que começa a tramitar na Câmara. Um ato ocorreu na manhã deste sábado, na Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), localizada na primeira quadra da Avenida José Bonifácio.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora